Nova Indústria Brasil: quais as expectativas de Pernambuco para o setor? - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Nova Indústria Brasil: quais as expectativas de Pernambuco para o setor?

Revista algomais

*Por Rafael Dantas

O desenvolvimento do setor industrial brasileiro foi tardio e está patinando há anos. Em 2023, por exemplo, cresceu apenas 1,6% no País. Em Pernambuco, o avanço foi ainda mais tímido: apenas 1,1% de acordo com dados da Agência Condepe/ Fidem. Para reverter a tendência de desindustrialização, o Governo Federal lançou no início deste ano o NIB (Nova Indústria Brasil), programa com eixos estratégicos e missões que são considerados por economistas e representantes setoriais como oportunidades para o Estado.

Agenda TGI

O programa propõe a implementação de incentivos fiscais e utiliza fundos especiais para impulsionar o desempenho do setor. O aporte total anunciado é de R$ 300 bilhões, ao longo de quatro anos. Os eixos anunciados pelo Governo Federal são: cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais; forte complexo econômico e industrial da saúde; infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis; transformação digital da indústria; bioeconomia, descarbonização, transição e segurança energéticas; e tecnologias de interesse para a soberania e a defesa nacionais.

A principal fonte de recursos é originária de financiamentos concedidos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e pela Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial). Especialistas ressaltam que grandes investimentos públicos para impulsionar o setor não é uma novidade quando comparado à maioria dos esforços para trazer mais competitividade à indústria.

Apesar da preocupação inicial do mercado com o volume dos aportes públicos no programa, a recepção desse anúncio foi analisada como bastante positiva segundo o economista da Fiepe, Cézar Andrade. Ele afirma que há 10 anos, a federação elaborou uma proposta de apoio industrial, atualizado em 2022, que converge com a maioria das ações anunciadas pelo Governo Federal.

“O mercado de imediato não enxergou bem, não entendeu de onde tirar todo esse aparato financeiro, mas entendemos que se faz necessário porque temos muitas indústrias incipientes, a maioria não tem uma base da gestão ainda, nem passou por uma transformação digital. São propostas que devem trazer aumento de produtividade ao setor”, ponderou Cézar Andrade.

O que anima os analistas é a aderência entre as propostas do programa com alguns dos principais desafios que o Estado aguarda há anos resolver. Além disso, há oportunidades relevantes para os prestadores de serviços ao setor industrial, especialmente no que diz respeito à transição digital e à construção civil.

INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA

A melhoria da infraestrutura, por exemplo, está entre os pilares de qualquer debate acerca do desenvolvimento do Estado há alguns anos. Temas como a construção da Transnordestina, a recuperação da antiga Malha Ferroviária do Nordeste e a implantação do Arco Metropolitano estão no radar do setor industrial, com articulações explícitas junto ao Governo Federal e às instâncias estaduais.

“A infraestrutura, de forma geral, representa um gargalo muito forte de competitividade em Pernambuco. Não temos ferrovias e nossas estradas estão ruins. Temos a necessidade de investir nessa infraestrutura física porque os produtos locais acabam chegando mais caros do que alguns importados devido à logística e isso prejudica a indústria pernambucana”, destacou Cézar Andrade.

Além da melhoria das rodovias e da retomada do modal ferroviário, o economista e professor da UPE (Universidade de Pernambuco), Sandro Prado, ressalta também o Complexo Portuário de Suape como um dos beneficiários desse novo impulso à industrialização. “O porto foi um grande impulsionador do desenvolvimento industrial de Pernambuco. A indústria precisa de infraestrutura justamente dos modais mais competitivos como é o caso do marítimo. Foi assim que a gente conseguiu uma incipiente, mas importante industrialização do Estado. Mesmo quando despencou a participação da indústria na economia brasileira, em Pernambuco isso não aconteceu”, afirmou o docente, em referência à expansão do Complexo de Suape e à chegada da Stellantis, na estruturação do polo automotivo de Goiana.

OS MOVIMENTOS DA INDÚSTRIA BRASILEIRA

Sandro Prado avalia que o programa traz alguns instrumentos tradicionais de impulsionamento do setor industrial já conhecidos de outros momentos da história brasileira. Ele avalia que após décadas de esforços pela industrialização, desde os anos 30, o País vive um movimento inverso com a volta a uma vocação agrícola, mas com produtos diferentes de um século atrás.

“Se a gente for pegar esse recorte histórico, o nacional-desenvolvimentismo é a pegada do Governo Federal, tanto dos partidos mais social-democratas — caso do PSDB e PT também — quanto do governo militar, durante toda a ditadura. Isso significa planejamento do crescimento e do longo prazo, sempre calcado na industrialização. Mas, a partir dos anos 1980, há uma significativa desindustrialização. A indústria passa a perder participação no PIB e o agronegócio toma conta de novo do Brasil”, analisa Sandro.

O economista destaca a perda que isso ocasionou para a economia pernambucana que, com raras exceções, ficou de fora desse ciclo econômico. “A gente deu uma volta ao passado, só que agora com novos produtos em novos lugares e nesse novo desenvolvimento baseado na agricultura, na pecuária, Pernambuco não foi incluído”.

Como a cana-de-açúcar não ocupa mais um protagonismo nacional no agronegócio, as novas culturas, como a da soja, e a produção de carne bovina, demandaram novas áreas e encontraram no Centro-Oeste e também no Norte os horizontes para essa expansão, ainda que a um custo socioambiental alto. “Passados 100 anos voltamos à mesma história, só que agora somos dependentes de outros itens. O PIB do Brasil de 2023 cresceu baseado no agronegócio. O projeto da NIB vem justamente numa tentativa de reindustrializar o Brasil, ou seja, novamente voltarmos a olhar a industrialização como algo importante, só que não nos moldes dos anos 1970. Mas de uma nova industrialização”.

O gráfico acima, de um estudo do economista Paulo Morceiro, da USP (Universidade de São Paulo), exibe o movimento da participação da indústria de transformação brasileira entre 1948 e 2018. A perda de protagonismo acentuada acontece em meados dos anos 80, tendo uma retomada nos anos 2000, mas voltando a cair na sequência.

Na mesma linha de raciocínio de Sandro Prado, outros economistas também avaliam que o NIB oferece uma repetição de instrumentos utilizados em outras épocas para impulsionar a indústria brasileira. É o caso de investimentos em infraestrutura, subsídios e isenções fiscais mas, assim como ressalta Prado, observam que o programa traz algumas novidades que estão em diálogo com o Século 21 e introduz inovações relacionadas às tendências tecnológicas e ao ESG.

A transformação digital do setor, por exemplo, é um dos eixos do NIB, que tem como meta digitalizar 90% das indústrias brasileiras e triplicar a participação da produção nacional no segmento de novas tecnologias. “Apenas 23,5% das indústrias brasileiras são digitalizadas. Temos mais de 90% das indústrias de micro e pequeno porte. No têxtil e confecções, temos muitas pequenas fabriquetas, pequenas gráficas no Agreste. Nossa indústria de gesso tem produção gigante no Sertão do Araripe, mas a maioria também não é digitalizada”, salientou Cézar Andrade. Além dessa demanda, Pernambuco conta com o Porto Digital, parque tecnológico que pode ser beneficiado e contribuir a partir do serviço prestado por suas empresas.

Outra estratégia relevante apontada pelos economistas foi a inclusão do eixo relacionado à bioeconomia, descarbonização e transição energética. Esse campo, por exemplo, tem como metas elevar em 50% a participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes e aumentar o uso tecnológico e sustentável da biodiversidade pela indústria em 1% ao ano. As conexões possíveis com o setor sucroenergético pernambucano, além do polo de produção de equipamentos para o setor de energias renováveis e da própria produção energética solar, eólica e de hidrogênio verde podem ganhar novos horizontes, segundo os analistas.

CONEXÕES DE SUAPE COM A NOVA INDÚSTRIA BRASIL

Arthur Neves, diretor de Desenvolvimento e Gestão Industrial do Complexo Industrial- Portuário de Suape, avalia que o programa NIB apresenta muitas oportunidades para o Estado. “É um conjunto de ações que poderia ser traduzido na melhoria do ambiente da indústria nacional, com medidas de regulação, que envolve a facilitação para processos industriais e a estruturação de financiamentos. A gente vê no Complexo de Suape e no Estado de Pernambuco uma consonância com esse novo programa do Governo Federal, com a abertura de um leque de potencialidades”.

Ao observar os seis eixos do programa, Neves aponta que Suape tem grandes oportunidades de adensar os seus negócios no incentivo às cadeias agroindustriais, à indústria da saúde e às energias renováveis, por exemplo.

O programa estabeleceu como meta atingir 70% das necessidades nacionais na produção de medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos, materiais e outros insumos e tecnologias em saúde. “Já possuímos um complexo de saúde, com a presença de grandes empresas de medicamentos instaladas e em construção no Complexo de Suape, como a Blau, que tem início das obras previstas para setembro. Já temos a operação da Aché e de outras. Há um adensamento importante desse setor”, exemplifica o diretor de Suape.

Nas energias renováveis, enquanto o interior recebe alguns investimentos em empreendimentos solares e eólicos, ao Complexo de Suape cabe o papel de atração de novas indústrias de fornecimento dos equipamentos dessas cadeias produtivas. “Temos um polo de componentes eólicos em expansão e capacidade de atrair novas plantas de fabricação e, no futuro, para a energia eólica offshore. Ainda nessa área, um eixo muito dimensionado é a descarbonização e transição energética. Suape recebeu o TechHUB Hidrogênio Verde para estudo e análise de pequenas unidades industriais de hidrogênio verde”, afirmou o diretor. “São várias as correlações que podem se traduzir a partir dessas potencialidades entre o programa e as cadeias produtivas que estão no complexo”.

O eixo de promoção da exportação das indústrias brasileiras é outro fator de alto interesse do Porto de Suape, de seguir ampliando a movimentação de cargas fabricadas no próprio complexo ou das indústrias com base na região Nordeste para o exterior.

PEQUENAS EMPRESAS TAMBÉM NA EXPECTATIVA

Os 90 mil pequenos negócios da indústria em Pernambuco têm motivos também para ter boas perspectivas com o programa. Como um terço deles é do segmento da construção, os eixos do NIB que podem dinamizar essa atividade oferecem um horizonte para esses empresários e empreendedores. Mas várias outras reivindicações dos pequenos industriais também estão contempladas pelas prioridades do programa.

“Alguns eixos estratégicos aderem bem aos problemas que vemos nas micro e pequenas empresas da indústria. A reconstrução e ampliação da infraestrutura e logística, bem como a preocupação em reduzir o tempo de deslocamento casa-trabalho são importantes diretrizes para o setor e para a sociedade. Vemos também a tendência da abertura de pequenos negócios em áreas como energias renováveis”, destaca Sylvia Siqueira, economista e analista do Sebrae/PE.

A pujança dos pequenos negócios da agroindústria também pode ser impulsionada, na análise da economista. Atualmente o Estado possui 10,8 mil mil indústrias de produtos alimentícios e de bebidas de pequeno porte. O programa se propôs, por exemplo, a aumentar para 50% a participação da agroindústria no PIB agropecuário.

As demais metas dentro desse eixo estão diretamente relacionadas aos pequenos empreendedores do País, uma vez que o NIB visa atingir a marca de 70% de mecanização na agricultura familiar e garantir que pelo menos 95% das máquinas e equipamentos utilizados sejam de fabricação nacional.

Além do benefício para as pequenas indústrias, a ativação do setor beneficia também o comércio e serviços, que é onde está a maioria dos micro e pequenos negócios. “Uma das características da indústria é o fato de ser um setor que retroalimenta a economia e beneficia outros setores. Ao incentivar a vinda de novas indústrias e expandir as existentes, ampliam-se as demandas por vários serviços. Os sinais de recuperação e crescimento do setor industrial são bastante importantes para os pequenos negócios”.

Uma dor dos pequenos empresários também é a digitalização dos seus negócios. Sylvia relata que muitos empreendedores e mesmo pequenos empresários são tecnicamente bons no domínio do seu negócio, mas têm como ponto fraco justamente a baixa digitalização, o que dificulta a gestão, o desenvolvimento de novos produtos e a medição da produtividade. Intenções do Governo Federal de diminuir as importações são vistas pela economista como uma oportunidade de retroalimentar a produção local em todos os setores.

A exemplo do PAC, a execução do programa anunciado nos próximos anos é também um desafio. Saindo do papel, ele tem o potencial de contribuir para reposicionar a indústria brasileira, tanto para atender as necessidades do consumo interno do País, como se aventurar para além das fronteiras nacionais. As expectativas para a reindustrialização são grandes no Estado, tanto para os grandes players de Suape e do polo automotivo, quanto para os empresários locais dos diversos segmentos do tecido econômico pernambucano.

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