Com a previsão do fim da isenção irrestrita sobre lucros distribuídos, mudança prevista no Projeto de Lei 1087/2025, estruturas familiares voltarão a focar em governança, reinvestimento e proteção patrimonial, alerta advogado
A aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº 1087/2025 marca uma mudança estrutural no tratamento tributário das pessoas físicas e jurídicas no Brasil, com reflexos diretos sobre a utilização das holdings familiares como instrumento de planejamento patrimonial e sucessório. O texto já tramita na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal.
Para o advogado Amadeu Mendonça, especialista em Negócios Imobiliários e Planejamento Patrimonial, o endurecimento na tributação desde a fonte sobre lucros e dividendos exige das holdings uma redefinição de propósito. “A partir da vigência da nova norma, a função da holding deixa de ser essencialmente tributária e passa a concentrar-se, também, em outros pilares, como governança patrimonial, reinvestimento de resultados e proteção jurídica de ativos”, afirma.
Até então, a constituição de holdings familiares era em muitos casos estimulada pela isenção de tributação sobre distribuição de lucros e dividendos, vantagem que se esgota com o PL 1087/25. O texto aprovado prevê retenção de 10% do Imposto de Renda na fonte sobre lucros e dividendos pagos a pessoa física quando ultrapassarem R$ 50 mil mensais por beneficiário.
“Muito mais do que repensar a estrutura jurídica, os sócios precisam encarar que a holding deixa de ser veículo meramente fiscal e volta a assumir tarefas estratégicas, como a perpetuação do patrimônio familiar, a proteção patrimonial, regras de gestão e governança familiares e reinvestimento do lucro em novos ativos”, observa Mendonça.
Embora não exista uma base pública de dados sobre a representatividade das holdings familiares e family offices no Brasil, a Anbima - Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitaisestima que o montante financeiro nas mãos dos gestores de patrimônio chegou a R$ 540,3 bilhões ao final do primeiro semestre. O valor corresponde a um aumento de 7,1% na comparação com o fechamento de 2024.
Necessidade de retenção e reinvestimento dos lucros
Com a introdução da tributação na fonte, pode ser mais vantajoso manter os lucros dentro da pessoa jurídica, por meio de retenção, e direcioná-los ao reinvestimento em participações societárias, imóveis ou negócios operacionais. Esse movimento permite postergar o momento do fato gerador e preservar liquidez dentro da estrutura.
“As empresas cujos sócios têm retirada mensal a partir de R$ 50 mil e que ainda não revisaram sua política interna de distribuição de dividendos a partir do ano que vem podem enfrentar sérios prejuízos, sobretudo pela incidência da retenção na fonte. O impacto tende a ser duplo: reduz a liquidez dos sócios e compromete o fluxo de caixa da própria empresa, limitando sua capacidade de reinvestimento e expansão.”, adverte.
Entre as recomendações do especialista, estão a criação de uma política formal de retenção de lucros; a segregação contábil entre resultados acumulados até 2025 e resultados apurados após vigência da nova regra, e a manutenção de atas de reuniões de sócios que expressem as deliberações sobre destinação de lucros, de reinvestimento e de destinação patrimonial.
Isso implica em revisão de acordos societários e cláusulas de governança, atualização das estruturas contratadas para gestão e aquisição de imóveis por meio de holdings, e análise de regimes de tributação ou de participação societária para privilegiar reinvestimento sobre distribuição. “Com a mudança nas regras, não há alternativa senão se planejar para mitigar os impactos. Quem agir com antecedência sairá na frente, pois conseguirá se adaptar melhor e ajustar sua estrutura antes que os efeitos sejam sentidos.”
Retenção antecipatória e impacto no fluxo de caixa
Mesmo sendo possível compensar a retenção posteriormente no ajuste anual da pessoa física, a antecipação da tributação representa perda imediata de liquidez. Por exemplo, sócios que recebam R$ 1,2 milhão anuais em lucros líquidos estarão sujeitos à retenção de R$ 120 mil — valor que é imobilizado, sem retorno financeiro, até o momento da compensação.
“Isso exigirá um planejamento financeiro mais estruturado, pois os sócios precisarão ponderar os efeitos tributários e os impactos operacionais de manter o capital no caixa da empresa ou postergar a distribuição de lucros”, pondera Mendonça.