Maria Fernanda Ziegler – Dispositivos que auxiliam o coração a bombear sangue enquanto o paciente aguarda por um transplante, técnicas cirúrgicas menos invasivas e um hidrogel que, no futuro, vai permitir a impressão 3D de órgãos e tecidos em laboratório. Essas são algumas das soluções que estão sendo desenvolvidas por pesquisadores paulistas para combater a principal causa de morte no país e no mundo: as doenças cardiovasculares.
As inovações visam criar alternativas terapêuticas para pacientes com condições graves, como é o caso da insuficiência cardíaca – responsável por 27,5 mil mortes anuais no país segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). De acordo com a entidade, a cada 90 segundos uma pessoa morre no Brasil em decorrência de problemas diversos no coração.
“Um transplante no Brasil demora cerca de dois anos. Além da oferta limitada de órgãos, é preciso levar em conta uma série de fatores que dificultam o procedimento. O número de pacientes com problemas cardiovasculares é muito grande e, por isso, é importante desenvolvermos dispositivos no país a preços mais acessíveis”, disse José Roberto Cardoso, pesquisador da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), durante o Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação sobre “Novas Tecnologias para o Coração”.
O evento foi organizado pela FAPESP e pelo Instituto do Legislativo Paulista na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), em dezembro. O próximo encontro da série será no dia 26 de março e terá como tema Indústria 4.0.
Assistência ventricular
A equipe de Cardoso, que inclui pesquisadores do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, desenvolve um dispositivo de assistência ventricular para pacientes adultos com insuficiência cardíaca – condição em que o órgão não consegue bombear o sangue adequadamente.
O equipamento serve como uma bomba para ser implantada ao lado do coração do doente, com a finalidade de complementar ou suprir a função cardíaca debilitada. O projeto é apoiado pela FAPESP.
“O dispositivo visa auxiliar o coração debilitado durante o período de espera pelo transplante, mantendo níveis fisiológicos de pressão e fluxo, reduzindo a mortalidade de pacientes na fila de espera e após o transplante”, disse.
De acordo com o Registro Brasileiro de Transplantes, em 2016 foram realizados 353 transplantes de coração no Brasil. Estudos indicam que a mortalidade de pacientes na fila de espera pode chegar a 40%.
“Precisamos encontrar uma solução nacional e não simplesmente copiar os materiais usados lá fora, que são caros e inviáveis para o Sistema Único de Saúde. No comparativo entre um dispositivo importado e um nacional, o importado ficaria em R$ 800 mil, enquanto o nacional em R$ 100 mil”, disse.
Outro projeto, também apoiado pela FAPESP, busca desenvolver um dispositivo de assistência ventricular para pacientes pediátricos que necessitam de um transplante cardíaco. A pesquisa foi vencedora do prêmio Péter Murányi 2015 .
“Em nosso país não temos opção de suporte circulatório de longa duração para pacientes cardiopatas pediátricos e juvenis com insuficiência cardíaca grave. Trata-se de um grupo de pacientes com necessidades específicas. Estamos desenvolvendo uma bomba pulsátil que atua conectada ao coração por meio de cânulas”, disse Idágene Cestari, diretora da Divisão de Bioengenharia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (FM) da USP.
De acordo com a pesquisadora, a bomba do dispositivo é controlada por um console à beira do leito, onde são ajustados todos os parâmetros de suporte ao coração, como a frequência de batimentos da bomba, por exemplo. “Esse sistema de suporte requer a hospitalização do paciente e é indicado para pacientes em lista de espera para o transplante cardíaco. Em outro projeto dessa mesma linha de pesquisa, estamos desenvolvendo um dispositivo implantável que permite a assistência por tempo mais prolongado e não requer a hospitalização do paciente após o implante do dispositivo”, disse Cestari.
Prótese inédita
Também foi apresentada durante o ciclo ILP uma técnica conhecida como endobentall, que une duas tecnologias – inserção de válvulas por cateter e stents – para criar uma prótese única, que pode ser inserida pela perna do paciente e conduzida até o coração. O método pode substituir uma grande cirurgia na válvula do coração e na artéria aorta.
“Graças à técnica, desenvolvida com o apoio da FAPESP, hoje não precisamos mais abrir o peito do paciente e parar o coração para tratar uma doença grave, como estenose aórtica associada a aneurisma de aorta ascendente. Isso certamente vai contribuir para a redução de risco e de mortalidade desses pacientes”, disse Diego Felipe Gaia dos Santos, professor de Cirurgia Cardiovascular da Unifesp.
A equipe liderada por Gaia foi a primeira a tratar, em humano, problemas na válvula aórtica (saída de sangue do coração) e ao mesmo tempo a aorta ascendente (vaso que leva sangue para o coração e outros órgãos) sem a necessidade de abrir o paciente.
Órgãos do futuro
Outros métodos de engenharia apresentados visam, no futuro, desenvolver órgãos e tecidos artificiais. A empresa TissueLabs, apoiada pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequena Empresas (PIPE-FAPESP), desenvolve um hidrogel que permite a impressão 3D de órgãos e tecidos em laboratório.
A startup fabrica e vende hidrogéis de diferentes tecidos para pesquisadores de várias partes do mundo. O material pode ser usado tanto em estudos in vitro como em modelos animais.
Para produzir o hidrogel, a empresa usa órgãos de animais. “Retiramos todas as células dos órgãos de porcos, deixando só a matriz extracelular, as proteínas comuns a todos os animais (tanto humanos quanto os porcos). A partir dessa matriz fabricamos o hidrogel, que é misturado com células-tronco ou mesmo células adultas já diferenciadas. Com isso, é possível imprimir essa composição no formato tridimensional de um órgão ou de um tecido”, disse Gabriel Liguori , pesquisador do InCor.
Para fins didáticos, Liguori costuma fazer um paralelo entre a técnica e a construção de uma casa. “Os tijolos seriam as células, e o nosso material, o cimento. Nosso objetivo é dar suporte para que as células-tronco tenham uma estrutura tridimensional”, disse.
“É claro que esses órgãos ainda estão muito distantes de se tornarem realmente funcionais. Com o nosso material já é possível fabricar tecidos, ainda que para estudo in vitro. Futuramente, o objetivo é a fabricação de órgãos para transplante”, disse.
Agência FAPESP