O boom das cervejas artesanais

Em pouco mais de dois anos, a produção de cerveja artesanal deixou de ser um hobby de amigos para se tornar um segmento produtivo promissor em Pernambuco. Várias das atuais marcas locais, que já estão nas prateleiras de casas especializadas ou mesmo dos supermercados, nasceram para consumo caseiro. Mas encontraram um mercado ansioso por experimentar bebidas mais sofisticadas. Atualmente, os apreciadores de cervejas têm a sua disposição mais de 20 rótulos tipicamente pernambucanos, que juntos produzem entre 80 mil e 100 mil litros por mês, de acordo com a Dimer & Fialho Consulting.

O pernambucano Tiago Gomes, 37 anos, já experimentou pelo menos 10 marcas de cervejas artesanais do Estado, influenciado por familiares. Começou pelas importadas. “Depois de conhecer também as produções nacionais, comecei a consumir as pernambucanas em festas e eventos. Hoje posso dizer que alguns dos rótulos locais têm o mesmo nível das cervejas artesanais estrangeiras, inclusive com sabor bem melhor”, elogia.

Tiago Gomes é um apreciador das cervejas artesanais. Foto: Tom Cabral

Além de consumir em casa, ele bebe semanalmente com um grupo de 30 apreciadores da “gelada”. “Frequentamos alguns lugares especializados, que têm feito o movimento de priorizar as marcas pernambucanas”, conta Tiago até já se arriscou a produzir cerveja na cozinha de casa para consumo próprio.

Apesar do crescente interesse do público, a demanda da bebida artesanal em terras pernambucanas representa apenas 0,1% do market share, segundo informações da Apecerva (Associação Pernambucana de Cervejarias Artesanais de Pernambuco). No Brasil, a produção já alcança 0,7% de participação. Números ainda muito distantes de mercados mais amadurecidos, como dos Estados Unidos, que já superaram a marca dos 12,3%, segundo dados da Brewers Association de 2016.

Essa sofisticação do consumo da bebida do Brasil foi vivenciada, num passado recente, entre os apreciadores de vinhos e uísques, como recorda Luciano Fialho, mestre cervejeiro e sócio da Dimer & Fialho Consulting. “Beba pouco e beba melhor. Essa é a mensagem dada pela produção artesanal. O brasileiro está aprendendo a tomar uma boa cerveja. E Pernambuco é o Estado com maior número de cervejarias do Nordeste e tem toda capacidade de se tornar um polo para a região”, avalia o especialista.

“Beba pouco, mas beba melhor. Essa é a mensagem dada pela produção artesanal”, diz o especialista Luciano Fialho.

Além do aquecimento do mercado atual, Luciano lembra que o Estado tem uma história de pioneirismo com a bebida. Isso porque no longínquo ano de 1641 foi montada no Recife, nas Graças, uma estrutura de produção de cerveja a pedido de Maurício de Nassau, que teria durado até 1654, com a queda do regime holandês.

Para aproveitar o interesse do consumidor e gerar novas oportunidades dentro do segmento, as empresas produtoras organizaram recentemente a Apecerva, presidida pelo cervejeiro da Babylon, Filipe Magalhães. “Juntas, as cervejarias pernambucanas produzem cerca de dois milhões de litros por ano. As pioneiras nasceram no ápice da crise econômica brasileira. O segmento está em franca expansão porque a procura pelos nossos produtos é cada vez maior”, avalia. Sua marca, a Babylon, em um ano dobrou a produção de 10 mil litros para 20 mil litros por mês.

A parceria dos players do segmento é vista como um potencial pelo diretor da Capunga, Dante Peló. “Esse é um movimento muito interessante, pois somos parceiros. Não concorrentes. É uma união que nos ajuda a trocar ideias e buscar benefícios para todos. Nossa concorrência hoje é com as grandes cervejarias que dominam 99% no mercado”. A Capunga, que é pioneira na comercialização de cerveja artesanal em garrafa, possui hoje uma produção de 12 mil litros por mês, sendo comercializada principalmente na Região Metropolitana do Recife.

“É uma união que nos ajuda a trocar ideias e buscar benefícios para todos”, diz Dante Peló, da Capunga.

EXPERIMENTAR
Um dos pernambucanos que migrou das cervejas “tradicionais” para as artesanais é o jornalista José Henrique Mota, mudança de hábito iniciada numa visita à Alemanha em 2005. “Fui para um festival de heavy metal e tive o primeiro contato com as cervejas de trigo, algumas pretas mais sofisticadas e daí em diante comecei a procurar marcas diferentes. E sigo nessa busca desde então”.

José Henrique experimentou quase todas as cervejas pernambucanas, inclusive algumas que ainda não têm registro do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Na sua lista estão inclusive marcas menos conhecidas como a Patt Lou, de Vitória de Santo Antão.O jornalista conhece as novidades em eventos, mas o consumo semanal normalmente é em casa mesmo.

Para Thomé Calmon, diretor da Debron, um dos esforços do segmento é de levar os consumidores a experimentarem. “Quem prova a artesanal não consegue mais beber a cerveja de massa. Esse primeiro passo demora devido às barreiras de preço e até de acesso, que ainda é um pouco restrito”.

Thomé e Eduardo são sócios da Debron, que já tem capacidade instalada para 55 mil litros por mês.

A Debron, que tem capacidade instalada para 55 mil litros por mês, busca conquistar consumidores participando de eventos e abrindo sua própria fábrica para visitação diariamente e com visita guiada aos sábados. Em 2018 a marca lança três novos rótulos ainda no primeiro semestre.

DESAFIOS
Além de estimular que novos consumidores conheçam as bebidas artesanais, as cervejarias locais têm como meta ultrapassar cada vez mais as fronteiras do Estado e vencer algumas barreiras tributárias, que encarecem o produto. “A questão dos impostos é um problema. Hoje as grandes cervejarias têm incentivos muito maiores para estar em Pernambuco, condições diferenciadas. Mas os produtores artesanais não contam com tantas facilidades e temos um produto mais caro, pois precisamos de mão de obra especializada, que é uma oferta escassa, além de termos que diluir nossos custos em escalas menores”, explica o empresário Diogo Chiaradia, da cervejaria Ekaüt. A reivindicação de incentivos tributários é de todos os produtores.
A fábrica da Ekaüt tem capacidade de produção de 30 mil litros por mês, mas está realizando uma expansão para ter capacidade de produzir 100 mil litros mensais. Atualmente a empresa comercializa oito rótulos diferentes, tendo 90% do seu público consumidor dentro do Estado.

Apesar das reivindicações, a Apecerva avalia que o alinhamento com os representantes do poder público tem sido um fator positivo. Bruno Schwambach, secretário de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Recife, afirma que o poder municipal e o Governo do Estado estão trabalhando numa pauta comum para apoiar o arranjo produtivo. Entre as ações planejadas estão a inclusão das atividades dessas microcervejarias na programação de eventos da prefeitura e iniciativas de desburocratização.

Uma das novidades será a abertura, em breve, de um espaço no armazém do Centro de Artesanato Pernambucano para exposição e degustação de bebidas artesanais (incluirá também cachaças). “É um setor que já tem algumas fábricas bem estruturadas. Estão surgindo também novos roteiros locais, de interesse dos recifenses e que começam a atrair turistas, como em outras cidades do País reconhecidas pela cerveja artesanal, como Blumenau, e o interior de Minas Gerais”, afirma Schwambach.

Autor da coluna Cervejando, do site da Algomais, Rivaldo Neto acredita que a sinergia entre o setor público e os players do mercado tende a consolidar o Estado como um produtor importante do segmento no Nordeste. “Pernambuco começou a dar sinais claros de que seu papel é de protagonismo na região. Isso é demonstrado na grande movimentação que ocorre no setor. A criação da Apecerva e a articulação dela com o poder público é uma iniciativa que dá um caráter ainda mais profissional ao segmento. O caminho para consolidação do polo já está sendo traçado”, aponta.

*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)

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