“O comportamento do eleitorado da direita definirá o segundo turno no Recife” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“O comportamento do eleitorado da direita definirá o segundo turno no Recife”

O cientista político Túlio Velho Barreto foi um dos entrevistados da edição desta semana da Revista Algomais, em que analisamos o cenário político-eleitoral brasileiro e pernambucano revelado pelas urnas no primeiro turno. Abaixo a entrevista concedida ao repórter Rafael Dantas na íntegra. O especialista fala sobre o segundo turno das eleições do Recife, as razões que levaram duas candidaturas do campo das esquerdas para o segundo turno e comenta sobre as chances de cada candidato na capital pernambucana.

Com um segundo turno entre dois candidatos no campo da esquerda, como deve se comportar o eleitor da direita no Recife?

Parte significativa do eleitorado que votou na direita, certamente, se sentirá órfã no segundo turno no Recife. Como prevíamos, essa seria a eleição mais atípica e imprevisível desde a redemocratização dos anos 1980. Por um lado, em função da crise sanitária, provocada pela pandemia, que alterou fortemente a dinâmica da campanha e a participação da população no processo eleitoral. Por outro lado, porque, diferentemente de outras eleições municipais no Recife, nessa eleição tínhamos, desde o início, quatro candidatos eleitoralmente competitivos. Dois localizados mais à direita, no caso Mendonça Filho (DEM) e a Delegada Patrícia (Podemos) e dois mais à esquerda, João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT). Mas também porque esses dois últimos pertencem à mesma matriz familiar, que tem o ex-governador Miguel Arraes em sua origem. Quanto à imprevisibilidade do resultado eleitoral, esses se confirmaram. Basta observarmos que os candidatos da direita, que historicamente polarizavam com candidatos mais à esquerda, estão excluídos da disputa final. Isso deverá elevar agora os votos nulos e, talvez, aumentar ainda mais a abstenção, que já foi maior como resultado da pandemia. Era de se esperar a neutralidade dos dois candidatos da direita no segundo turno, o que não significaria que os seus partidos assim se comportassem nem os seus eleitores. A Delegada Patrícia já se posicionou neutra, mas o Podemos acenou o apoio a João Campos. Enquanto o DEM seguiu o posicionamento de seu candidato, que já declarou não apoiar ninguém no segundo turno. E, foi mais além, desprezando o processo democrático, do qual participou, anunciou que sequer irá votar. Tendo a opção de defender o voto nulo, o que seria legítimo, preferiu agir de forma a confirmar o seu perfil político pouco maleável, para dizer o mínimo. Penso que o eleitorado mais conservador terá um dilema a enfrentar: apoiar o PSB, muito desgastado, mas uma legenda que já esteve aliada a partidos da direita em eleições recentes sob a benção de Eduardo Campos, o que seria mais “natural”, ou apoiar, apesar do antipetismo, Marília Arraes. Nesse caso, motivado pela rejeição às sucessivas gestões do PSB no Estado e no Recife, o que poderá fazê-lo menos por ela ser petista, apesar da força do ex-presidente Lula, que contribuiu para catapulta-la ao segundo turno, e mais por ser uma Arraes, nome que permanece presente no imaginário popular. Estava difícil apontar o cenário mais provável, ainda no calor do primeiro turno, mas as primeiras pesquisas apontaram uma tendência favorável para Marília Arraes, mostrando que o desgaste do PSB e a vontade de mudança parece, no início, se sobrepor ao antipetismo. Mas não há nada decidido ainda, é claro.

Quais as reais chances de cada candidato, na sua opinião? Apontaria algum favoritismo?

Da mesma forma, e pelas razões apontadas antes, ainda é um cenário de difícil prognóstico nesse momento inicial da disputa para o segundo turno. A disputa foi muito equilibrada entre as duas candidaturas no primeiro turno. Como já apontei que é difícil firmar um prognóstico definitivo quanto ao comportamento da maioria do eleitorado que votou nos candidatos da direita, que parece dividido, segundo as referidas pesquisas, o resultado do segundo turno é igualmente imprevisível. E sabemos que, provavelmente, uma parcela dos eleitores dos candidatos derrotados vá optar por votar nulo ou se abster. Lembro que qualquer mudança de direção do eleitorado significará sempre uma perda de um lado e um ganho do outro. Agora é um jogo de soma zero, quando consideramos os votos válidos. Mas é o comportamento desse eleitorado que vai, enfim, definir os rumos do segundo turno no Recife. Pela proximidade do PSB com o eleitorado mais conservador, poderíamos esperar uma pequena vantagem favorável ao seu candidato no início da disputa. Mas, lembremos, que a candidata Marília Arraes teve muito menos tempo na TV e no Rádio e mesmo assim a equilibrou. E, agora, terão tempos iguais e mais debates, e apenas entre os dois. Nesse caso, se pensarmos que a propaganda eleitoral obrigatória e os debates, presenciais ou virtuais, terão peso no convencimento do eleitorado dos candidatos do DEM e Podemos, isso poderá favorecer a candidata do PT, que me parece mais segura em seus posicionamentos do que o candidato do PSB, muito jovem e quase neófito em disputas eleitorais. E, ninguém tenha dúvidas, o ex-presidente será presença marcante nesse segundo turno ao lado de sua candidata, sobretudo porque foi o que restou ao PT nas capitais: apostar na vitória de Marília Arraes. E o ex-presidente continua tendo uma influência considerável aqui no Recife e no Estado.

Sobre a composição da Câmara Municipal do Recife há alguma surpresa? A nova composição indica alguma mudança no eleitorado?

Vamos partir de alguns dados gerais em relação à composição da Câmara Municipal do Recife. O legislativo municipal tem 39 vagas. Essas vagas serão preenchidas por vereadores e vereadoras de 17 diferentes partidos. O PSB elegeu 12 vereadores. E o PT terá apenas três. A candidata mais votada foi Dani Portela, que é do PSOL, que a elegeu e reelegeu Ivan Moraes. Nove partidos fizeram apenas um vereador ou vereadora. Então, apenas esses dados já mostram a enorme dispersão dos votos e das vagas entre as dezenas de legendas que temos no país. O que se torna uma dor de cabeça para quem é eleito ou eleita para o executivo, em especial para compor a sua base de apoio. E esse ano não tivemos coligação para a disputa proporcional, que possibilitava uma aglutinação antecipada e maior entre os eleitos para os dois poderes. Embora considere a mudança apropriada para melhor definição dos partidos e porque, com a mudança, vemos mais coerência entre os eleitos e eleitas e o voto do eleitorado. Destaco ainda dois aspectos: a renovação da Câmara Municipal, acima de eleições anteriores, e a grande votação de Dani Portela, o que representa uma vitória dos movimentos sociais, mas sobretudo do movimento feminista, de corte mais popular, incluindo aí as mulheres pretas, e também dos segmentos LGBTQI+. E mostra que, se o PT parece ter perdido o diálogo com os movimentos sociais, o PSOL passou a ser um canal preferencial para a expressão político-parlamentar de tais segmentos e para os seus e as suas ativistas. Comparando com as eleições anteriores para a Câmara Municipal, em que se destacavam líderes religiosos conservadores, por exemplo, vê-se que há um movimento de resistência em curso, para o qual a votação de Dani Portela aponta.

As eleições municipais no Estado de Pernambuco e nas principais cidades brasileiras demonstram novos movimentos do eleitorado no País?

Não necessariamente. Na verdade, tive até a oportunidade de escrever um artigo para a AlgoMais a respeito disso antes do início da campanha eleitoral, as disputas municipais de 2020 no país poderiam confirmar um desses dois cenários: por um lado, os resultados eleitorais poderiam nos mostrar que estaríamos em meio a uma onda reacionária e autoritária provocada e movida pela extrema-direita, com todas as implicações que isso tem do ponto de vista político e comportamental, por exemplo. E que foi potencializada pela eleição do ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro e do general Hamilton Mourão, em 2018. Ou se, por outro lado, aquela eleição representou um fenômeno mais pontual, em função da conjuntura provocada pelas crises política e institucional, que tiveram início com a destituição de Dilma Rousseff, em 2016. Nessa última hipótese, os resultados funcionariam com um “freio de arrumação” para colocar tudo em seu lugar, mais ou menos como dantes. Penso que a segunda hipótese se confirmou: as legendas mais à esquerda não desapareceram. Pelo contrário, se o PT não teve o seu momento de inflexão, também não foi varrido do mapa, e o PSOL alcançou resultados expressivos. E mais: a direita tradicional, vamos chamar assim, continuou a ocupar o seu espaço no mapa eleitoral municipal, como o MDB mantendo a dianteira e o DEM vencendo em alguns municípios relevantes, por exemplo. Quer dizer, os ideários protofascistas e o modus operandi da extrema-direita, encarnados no atual governo federal, não parece ter reverberado nos municípios.

Por que Bolsonaro se deu mal nestas eleições? O auxílio emergencial não foi suficiente para dar um gás na popularidade?

Os resultados eleitorais foram um fiasco para o presidente e o governo Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão. Inicialmente, a dupla anunciou que não se envolveria com as eleições, não apoiando, portanto, um ou outro candidato ou candidata de sua base, porque apostavam que eles e elas seriam muitos e competitivos nas disputas. Enorme engano. Os resultados mostram isso. Depois, quando perceberam que estavam enganados em suas avaliações e as pesquisas apontavam o naufrágio iminente, o presidente caiu em campo e passou até a usar a máquina estatal para gerar apoio explícito a algumas candidaturas em cidades estratégicas. As boias de salvamento jogada em direção a tais candidaturas eram pesadas demais e apenas os ajudou a afundar, como mostram os resultados no Recife, em São Paulo, em Belo Horizonte, em Porto Alegre, no Rio de Janeiro, em Belém, para citar apenas importantes capitais de diferentes regiões do país. Como já me referi, o eleitorado apostou na direita mais tradicional e palatável, quando optou pelo voto conservador, reflexo mesmo da draconiana política econômica do governo e de seu comportamento em relação à crise sanitária, que tenta ignorar. De modo geral, os prefeitos que bancaram alinhamento com a OMS foram reeleitos ou ajudaram a eleger os seus candidatos e candidatas, como mostram os dados. O eleitorado fundamentalista e fiel ao presidente e ao seu governo não é o eleitorado que o elegeu em 2018, e parece que Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão ainda não se deram conta disso. Em 2018, o eleitorado da dupla de governantes foi movido pelo ódio às esquerdas e embarcou nas fakes news. Sem ser desprezível, esse eleitorado, ainda que beneficiado pelo auxílio emergencial, parece não disposto a tentar a salvar o Titanic, cujo o ex-capitão comanda.

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