“O conservadorismo ficou ainda mais em evidência em 2022” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“O conservadorismo ficou ainda mais em evidência em 2022”

O cenário de primeiro turno das eleições no Brasil e em Pernambuco revelou alguns fenômenos sobre pensamento político brasileiro ao mesmo tempo que deixou muitas dúvidas para o próximo pleito eleitoral. Maria Eduarda Dourado, mestre em Relações Internacionais pela UEPB, com estudos na área das ciências políticas, analisa os resultados das urnas e aponta algumas projeções para o Governo do Estado e do País.

A partir do resultado das urnas no primeiro turno no Brasil, podemos identificar o avanço do conservadorismo? Que perspectiva para futuro esse fenômeno pode trazer ao Brasil?

As eleições de primeiro turno deste ano reforçaram uma tendência que já havia sido forte nas eleições de 2018, as eleições de figuras conservadoras para os diversos cargos eleitorais é um exemplo disso. No caso do Congresso Federal o conservadorismo ficou ainda mais em evidência.

O Partido Liberal (PL), partido do presidente Jair Bolsonaro possui a maior bancada, com 99 parlamentares e 14 senadores. É uma composição predominantemente de centro-direita, com pautas bastante conservadoras. Porém, entendo que o comportamento conservador dos parlamentares eleitos estará diretamente ligado a quem se tornar o chefe do executivo. Ou seja, se o presidente Bolsonaro for reeleito, poderemos sim observar uma guinada conservadora no parlamento.

Caso o candidato Lula seja eleito, ainda não se pode confirmar que os partidos de centro-direita farão uma oposição sistemática ao novo executivo. Em resumo, embora os partidos conservadores tenham angariado grande maioria das cadeiras do congresso e do senado, não podemos afirmar que haverá uma oposição forte caso o ex-presidente Lula vença as eleições. Sendo assim, a guinada conservadora do legislativo brasileiro dependerá de quem ocupar o novo cargo no poder executivo.

A pauta moral/ideológica tomou o protagonismo da economia na decisão do voto dos brasileiros?

Acredito que sim. Podemos observar isso por meio dos debates políticos que ocorreram na TV e também nas propagandas eleitorais. Partidos ligados ao do presidente Bolsonaro reforçaram elementos ideológicos e morais, apontando que a eleição do ex-presidente Lula ameaçava os valores morais da sociedade brasileira. A narrativa bolsonarista reforça que o governo do PT traria consigo pautas como legalização do aborto, do consumo de maconha e também uma suposta ameaça a religião católica e protestante.

Em compensação, noto que a pauta econômica ganhou força neste segundo turno. O presidente Bolsonaro tem reforçado os resultados positivos na economia e o Auxilio Brasil em seus discursos. Além de uma forte pressão para que o candidato Lula revele o nome de quem ocupará o Ministério da Economia caso ele seja eleito.

A gestão da Pandemia foi desconsiderada na decisão do voto? Havia uma expectativa que os erros na gestão trariam grande dificuldade aos representantes do Governo Bolsonaro, mas não vimos isso nas urnas.

De fato, podemos indicar que sim, a gestão da Pandemia foi desconsiderada. A questão dos erros da gerencia do executivo durante a pandemia ficaram em segundo plano. Isso ficou bastante evidente no resultado das urnas em cidades do norte do país onde o presidente Bolsonaro obteve maior numero de votos, como é o caso de Manaus (AM). Na qual Bolsonaro conquistou o primeiro lugar nas urnas. Vale ressaltar que foi em Manaus onde houve a crise de oxigênio em janeiro de 2021, onde mais de 60 pessoas morreram por falta de oxigênio em todo o estado do Amazonas.

Após 16 anos, o PSB não estará no governo de Pernambuco a partir de 2023. Quais as principais razões poderíamos apontar para explicar o fim desse ciclo?

O ciclo do PSB em Pernambuco já estava mostrando desvantagem nas pesquisas anteriores ao primeiro turno, o que se concretizou no dia 2 de outubro. O primeiro elemento que podemos identificar é o movimento do voto útil dos pernambucanos em Raquel Lyra (PSDB), para evitar um segundo turno com Miguel Coelho e Anderson Ferreira, ambos bolsonaristas. Em Pernambuco o bolsonarismo não venceu no primeiro turno.

A gestão do governador Paulo Câmara e do ex-prefeito Geraldo Júlio (principal nome a sucessão de Paulo Câmara) fez com que o próprio PSB sofresse com a alta taxa de rejeição entre os pernambucanos, foram operações da polícia federal durante a Pandemia que contribuíram para que Geraldo Júlio tivesse sua boa imagem minada por esses escândalos, o levando a uma rejeição de 60%. O voto útil agregou para o resultado do primeiro turno nesse cenário.

As plataformas de governo de Raquel Lyra e Marília Arraes indicam alguma prioridade de gestão que nos permitam refletir sobre o que a vitória de uma ou de outra poderia impactar o Estado nos próximos anos?

Uma das principais bandeiras levantada pela campanha da Raquel Lyra foi o combate a violência. Quando prefeita de Caruaru, Raquel angariou bons resultados na diminuição da violência, tanto no espaço rural quanto no espaço urbano de Caruaru.
Já as bandeiras levantadas por Marília Arraes, são o espaço da periferia, o combate a pobreza e a desigualdade.

Quanto ao impacto em Pernambuco, entendo que Marília Arraes, que já declarou apoio ao candidato Lula para presidência não terá dificuldades de diálogo caso o ex-presidente vença as eleições. Porém, caso haja a reeleição do presidente Bolsonaro, acredito que o diálogo entre Pernambuco e o governo Federal seja um desafio, visto que Marília representa uma forte oposição aos representantes bolsonaristas. Já no caso da Raquel Lyra, que até agora permaneceu neutra em relação ao segundo turno da presidência, acredito que o tom será diferente, uma vez que ela conta com apoio de Miguel Coelho, que declarou apoio ao presidente Bolsonaro. Acredito que um diálogo entre Raquel Lyra com quem vencer o segundo turno presidencial será menos desafiador.

No eventual Governo Lula, o que seria diferente dos seus governos anteriores, visto que hoje vemos praticamente uma composição de frente ampla e não mais apenas de esquerda na disputa?

Um novo governo Lula irá definitivamente enfrentar grandes desafios para dialogar com o poder legislativo, pois após as ultimas eleições se tornou predominantemente de uma oposição bolsonarista. Lula terá que dialogar com os partidos de centro, e possivelmente indicar representantes destes partidos para compor seus ministérios. O primeiro mandato do ex-presidente Lula contou com uma base de apoio forte no congresso, com um diálogo razoavelmente bom com os partidos de oposição. Para essa nova candidatura, embora possa contar com o apoio de partidos que antes eram oposição, Lula ainda terá que enfrentar uma oposição forte do Senado e do Congresso Federal.

Em uma eventual vitória de Bolsonaro, o que é possível esperar de um segundo governo a partir do que ele tem proposto ao longo da campanha?

Poderemos observar um Bolsonaro mais assertivo em suas pautas. Caso vença, o presidente contará com uma base forte no legislativo, o que facilitará a aprovação de projetos e leis importantes ao Bolsonaro e ao PL. Vale salientar que caso eleito, Bolsonaro terá poder para desafiar o Supremo Tribunal Federal (STF), podendo pedir inclusive o impeachment de ministros, um processo complicado, porém se tornará mais propenso a acontecer, já que o presidente conta com forte apoio de uma parte significante do Senado.

Existe algum outro fenômeno que surgiu nas urnas (em Pernambuco ou no Brasil) que a Sra gostaria de destacar?

Um elemento que me chamou atenção nestas ultimas eleições foi a religião. Podemos observar o uso da religião em ambas as candidaturas de Lula e de Bolsonaro. Bolsonaro, em algumas declarações, afirma que Lula, caso seja eleito, irá ameaçar a religião no Brasil, em especial a cristã. Essa narrativa é compartilhada por grandes líderes protestantes como o pastor Silas Malafaia. Diversas denuncias foram registradas na qual candidatos utilizaram igrejas e cultos como palanque político. O ex-presidente Lula, junto ao seu partido, tem tentado combater fake news na qual afirmam que Lula não é cristão, e que apoia a legalização do aborto, pauta essa que é central as comunidades religiosas. Vale mencionar que hoje (11/10) a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) lançou uma nota na qual lamenta o uso da fé e da religião para fins políticos de angariar votos para o segundo turno das eleições.

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