O dilema do uso da água no Semiárido - Revista Algomais - a revista de Pernambuco
O dilema do uso da água no Semiárido

Revista algomais

*Por Geraldo Eugênio

VALE A PENA PLANEJAR...

É sabido que o estado que melhor se dedicou ao planejamento dos recursos hídricos na região Nordeste é o Ceará. Um estado basicamente tomado por terras semiáridas, do Cariri ao litoral, com problemas crônicos de disponibilidade de água para população, durante muito tempo símbolo de escassez, das migrações e das descrições do que representa uma seca em seus aspectos mais drásticos.

Entre 1991 e 1995, quando Ciro Gomes governou esse estado, coincidindo com um período longo de seca, o grande temor era o abastecimento da Região Metropolitana de Fortaleza, o que se configuraria um caos total. Em um esforço louvável, a gestão estadual focou nesse problema, acelerando a construção de canais e adutoras de modo que a população da capital deixasse de ter o colapso de suprimento de água como um fantasma que a per seguia sem trégua.

Há de se reconhecer que antes desse episódio, o governador Tasso Jereissati, quando assumiu a gestão do estado pela primeira vez em 1987, com seu time de gestores, havia colocado a questão hídrica como um dos principais desafios para o Ceará que, sem a segurança de contar com recursos hídricos, não haveria como atrair novos empreendimentos e crescer com sua economia. Ele tornou esse desafio um tema que sombreava qualquer diferença política, uma vez que mesmo seus adversários sabiam que ir de encontro a esse movimento seria assinar o atestado de óbito político.

Hoje o Ceará é considerado como aquele que conta com o mais eficiente sistema de recursos hídricos em todo o País, capitaneado pelo louvável trabalho que realiza a Funceme (Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos), fundada em 1974.

…BEM COMO USAR O QUE SE TEM

Pernambuco, há de se reconhecer, tem conseguido assegurar as linhas mestras de um plano de recursos hídricos para o Estado, por vários mandatos de governantes de linhas políticas distintas. Exemplos notórios são as barragens concluídas ou em construção em torno da região metropolitana, as barragens de por te médio no interior, e aproveitando da melhor forma possível o programa de Transposição das Águas do Rio São Francisco, uma iniciativa do Governo Federal. Destaque-se a finalização da Adutora do Agreste, o que resolve, ao menos em médio prazo, a de manda hídrica das principais cidades do Agreste e de dezenas de municípios e comunidades da região.

Por falar na magnitude do que representa o funcionamento pleno dos canais da transposição, é importante lembrar que asseguram o abastecimento do açude Castanhão no Ceará e a presença da água nas torneiras de municípios como Campina Grande, na Paraíba, e Caruaru, em Pernambuco. Em se tratando de Pernambuco, chama a atenção o fato de uma de suas cadeias produtivas mais robustas, a avicultura, seja de corte ou de ovos, espera ansiosamente pela finalização das obras de modo que um município como São Bento do Una, um dos mais importantes locais de produção de ovos do País, deixe de ver suas granjas e processadoras serem abastecidas por carros pipas.

INDÍCIOS DE UM GRANDE TESTE À FRENTE

Este início de 2025 tem acendido o sinal de alerta. Chegando a segunda quinzena de março com poucas roças estabelecidas do Sertão do Araripe ao Agreste. Neste estágio do ano já deveriam estar ocorrendo colheita de feijão de corda e o milho entrar no estágio reprodutivo com o surgimento dos pendões e espigas. Mesmo que, ao chegar em julho, consiga-se constatar que a quantidade hídrica foi um pouco abaixo da média histórica, o desafio a partir de agora é de como poder armazenar água suficiente que garanta a sobrevivência e o manejo adequado dos rebanhos de caprino, ovinos e bovinos, principal atividade econômica do semiárido dependente de chuvas.

Em 21 de janeiro deste ano, a governadora Raquel Lyra publicou um decreto de emergência cuja ação abrangia 118 municípios com risco de seca hidrológica que afeta diretamente a toma da de água pelos principais reservatórios e a distribuição nesse conjunto de cidades. Há de se considerar que foi uma atitude de acerto ímpar, uma vez que o desenrolar do período chuvoso comprovou a precisão da medida. Reconheça-se a ação da Secretaria Estadual de Recursos Hídricos, comandada por José Almir Cirilo e da APAC (Agência Pernambucana de Água e Clima) sob a liderança de Suzana Montenegro.

Considerando-se que entre 2019 e 2024, um período de seis anos na região semiárida como um todo, ocorreram chuvas entre a média histórica ou um pouco acima desta, não se falando em secas regionalizadas, pode ser que a região tenha que se preparar para encarar um novo período de instabilidade aguda de disponibilidade de água. Repetindo o que vem sendo comentado, há algum tempo na coluna, a seca é a irmã que nem sempre será bem-vinda, mas fazendo parte da família, é essencial que se conviva bem com ela.

Prever é se antecipar ao problema e quem melhor estiver preparado para enfrentar o desafio conta com maiores chances de solução para a equação que se põe à frente.

TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO NO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS

O enfrentamento de uma seca, quando ocorrer, não é um atributo apenas dos governos. É fundamental a participação da sociedade civil e nesse aspecto algumas lições devem ser lembradas:

1ª. Situação das cisternas: Vale ressaltar que foi realizado um esforço e investimentos marcantes para dotar o semiárido com mais de um milhão de cisternas. Quantas estão funcionando? Quantas contam com calhas de coleta de água? Qual o uso que tem sido dado à água armazenada e àquela que chega por meio de carros pipas? Qual a responsabilidade para quem não manteve esse reservatório em funcionamento?

2ª. Aproveitamento das águas pluviais e subterrâneas para irrigação: Que se foque no uso racional e eficiente da água disponível para uso agrícola ou pecuário. Recomenda-se investir no uso do que existe de mais moderno na pequena e média propriedade.

3ª. Gestão de secas: Um fenômeno cíclico e, portanto, previsto, não se pode levar pelo acaso. O Brasil continua pecando em não dar a devida atenção aos mecanismos de gestão disponíveis e os exemplos estabelecidos em outros países. Medidas tomadas sob fogo pesado podem ser heroicas, mas nem sempre tão efetivas quando poderiam ter sido.

*Geraldo Eugênio é professor titular da UFRPE-UAST

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