Difícil, complicada e chata. Muitas vezes, é desta forma que o estudante brasileiro encara a matemática. Mas para a professora associada da UFPE Rosinalda Aurora de Melo Teles, essa crítica não passa de um preconceito daqueles que não conseguem ver a beleza da disciplina. Rosinalda, que também é diretora da Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Pernambuco, reconhece, porém, que essa visão preconcebida não é culpa das pessoas, mas da forma como a matéria ainda é ensinada. “É preciso dar significado à matemática, ou seja, trazer para as aulas a própria história da matemática, porque ela foi criada, o porquê aqueles conteúdos, por que aqueles conceitos foram desenvolvidos, qual era a finalidade deles”, defende a professora, que atua ainda como pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática e Tecnológica (Edumatec).
Nesta conversa com Cláudia Santos, ela detalha as causas que levaram a disciplina a ser o “bicho papão” dos alunos e como torná-la mais atrativa. Afinal, entre outros motivos, a matemática faz parte do currículo de profissões com bastante demanda no mercado de trabalho. É o caso da área de tecnologia da informação, ou mesmo de professores de matemática, que já saem do curso de licenciatura praticamente com vaga garantida.
O que as estatísticas mostram sobre o aprendizado da matemática no Brasil?
No Brasil são três fontes que geram dados estatísticos sobre a aprendizagem de matemática: a nível internacional o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o maior estudo sobre a educação no mundo. Já as avaliações em larga escala a nível nacional nós temos o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), que foi empreendido no Brasil a partir de 1990, e a nível estadual temos o Saep (Sistema de Avaliação do Estado de Pernambuco). Infelizmente, as três avaliações mostram que o País apresenta resultados ruins em matemática. No histórico dessas avaliações, a maioria dos estudantes não demonstrou conhecimento necessário para ser proficiente nessa disciplina.
Segundo o Pisa, por exemplo, o Brasil apresentou um crescimento na avaliação de 2000 até 2012. Em 2015, ele caiu alguns pontos, em 2018, volta a subir, mas não consegue ficar no patamar máximo que ele teve em 2012. O estudo apontou que o Brasil tem baixa proficiência em leitura, matemática e ciência, se comparado com outros 78 países que participaram da avaliação. Na edição de 2018, apesar de o Brasil ter subido um pouco em relação à avaliação de 2015, revela, porém, que 68,1% dos estudantes brasileiros com 15 anos, ou seja, estudantes do ensino médio, não possuem nível básico de matemática, o mínimo para o exercício pleno da cidadania.
A senhora acha que a falta uma didática para ensinar a matemática que priorize aulas mais dinâmicas e exemplos da “vida cotidiana” para os “cálculos abstratos”?
O ensino da matemática precisa ser contextualizado, ele precisa fazer sentido para o estudante. Agora, nem sempre vai possível fazer relações com o cotidiano porque, por exemplo, como é que eu vou associar um polinômio, um tema que é estudado no oitavo ano, com a vida cotidiana? Então, precisamos incluir outros recursos, outros aspectos lúdicos, estéticos e sensíveis. Como, por exemplo, para dar sentido e significado ao ensino da matemática, pode-se incluir jogos, brincadeiras, desafios, propor resolução de problemas e que podem estar relacionados à vida cotidiana, mas também podem ser relacionados à própria matemática.
Outro aspecto importante que se que se discute para tirar essa dureza da matemática é utilizá-la como uma ferramenta para resolução de problemas interdisciplinares, ou seja, quando estudamos história, geografia, ciências, a matemática estar presente como uma ferramenta para resolver problemas daquelas áreas de conhecimento. É preciso também que os estudantes compreendam a importância da matemática, por isso deve-se fazer um resgate da sua história, para que eles compreendam a importância daquele conhecimento.
A própria etimologia dos termos utilizados em matemática já diz muito sobre o seu significado e já tira esse aspecto da abstração, o qual, às vezes o professor frisa muito, por estar alicerçado apenas na técnica. Um outro lado de reflexão nessa sua pergunta é que a matemática vai além da técnica. O professor precisa explicar o porquê, o como, de onde vem, para que serve e não somente ficar na técnica de como fazer aquele cálculo.
Pesquisa realizada na Faculdade de Educação da USP mostra que praticamente metade dos alunos de cursos superiores como pedagogia ou licenciaturas não se interessam em virar professores de educação básica. Isso contribui para reduzir a oferta de professores de matemática?
As pesquisas mostram que a maioria dos estudantes que ingressam nos cursos de pedagogia faz a opção pelo curso por algumas razões. São geralmente os cursos que têm mais vagas na universidade pública federal. A outra opção é porque é considerado um curso que não vai ter matemática por ser mais ligado à área das ciências humanas. Então, geralmente, os estudantes que fazem a opção de cursar uma licenciatura em pedagogia não têm muita afinidade com matemática.
Há uma outra questão: o investimento intelectual, cognitivo, financeiro, de tempo para cursar uma licenciatura em matemática, química ou física (as três áreas no Brasil com menos oferta de professores) é o mesmo investimento para fazer uma engenharia ou outro curso que tenha mais reconhecimento social, com melhores salários, embora não tenha mercado de trabalho como tem para o professor. Quando o estudante diz que não quer ser professor da educação básica, ele está se referindo a condições de trabalho que não são favoráveis, ao salário. Embora o professor seja importantíssimo para a sociedade, seja um formador de todas as outras profissões, ele não tem um reconhecimento social pela comunidade, pelas pessoas.
Formam-se poucos professores de matemática, porque as pessoas estão fazendo a opção de cursar outros cursos. Entre investir para fazer uma licenciatura de matemática e investir para fazer um outro curso que está na moda, as pessoas fazem a opção de fazer outro curso que, muitas vezes, não garante acesso ao mercado de trabalho. A UPE por exemplo tem licenciatura em matemática em Garanhuns, em Petrolina e em Nazaré da Mata e forma centenas de professores de matemática anualmente. A maioria deles ou sai do curso empregado ou já está estagiando.
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