*Por Beatriz Braga
O filme lançamento da Netflix Sierra Burgess é uma loser tem como alvo o público teen. Um romance água com açúcar cheio de clichês que acontece entre os corredores hostis de uma escola e jogos de futebol americano. Mas o caso de amor improvável se dá entre Sierra, garota considerada acima do peso e não atraente, e Jayme, o atleta típico protagonista de sessão da tarde.
A estranheza causada por esse encontro, dada a raridade de sua existência nos filmes que crescemos assistindo, mostra que não amadurecemos. Ainda estamos lá, na lanchonete do colégio, dividindo o mundo entre os corpos esbeltos, brancos e bonitos que merecem atenção e os invisíveis que devem abrir passagem.
Queria ter visto mais Sierras enquanto crescia. A personagem, apesar do bullying que sofre, tem um senso de segurança que conquistou vindo de uma família que valorizava suas qualidades.
Hoje o feminismo faz um trabalho pesado e necessário para que nos libertemos da pressão dos padrões de beleza. Mesmo absorvendo toda a teoria e me identificando com o discurso, no final do dia, ainda me torturo em frente ao espelho.
Tenho inveja do meu corpo de dez anos atrás e não consigo entender porque me proibia de usar shorts naquela época. Vejo o sentimento se repetir nas mulheres a minha volta e a conclusão é sempre a mesma: nos enxergamos sempre piores do que um dia fomos. E como a vida segue inevitavelmente para frente, nunca seremos suficientes no presente em que vivemos.
A frustração é um hábito e, pela natureza do que é cotidiano, não nos desperta atenção. Somos acostumadas com a nossa insuficiência e vivemos assim porque esse é o tipo de amor próprio que conhecemos - exigente e cruel.
O filme tem algumas falhas de roteiro, mas a canção final criada por Sierra compensa esses detalhes (a atriz Shannon Purse - que também interpretou Barb em Stranger Things - tem uma voz lindíssima). Na letra, a protagonista se compara a um girassol, não tão bonito quanto uma rosa, em alusão à garota mais bonita e popular da escola.
A protagonista apresenta a música ao pai, um escritor intelectual que, emocionado, cita uma frase de George Eliot sobre a beleza física: “a natureza, grande dramaturga trágica, entretece-nos por ossos e músculos e nos divide na teia mais sutil do nosso cérebro” (o filme também me ganha nas referências literárias).
George Eliot na verdade era Mary Ann Evans, escritora inglesa do século 19, que usava o pseudônimo masculino para ganhar respeito na sociedade machista na qual vivia. Dizem que ela própria era considerada bem feia, fato muito discutido durante sua vida e postumamente - detalhe normalmente incluso em biografias femininas, mesmo quando o importante era mesmo a beleza de sua prosa. Passam os séculos, algumas coisas continuam iguais.
A natureza nos fez diversos e tornamos isso, tantas vezes, uma tragédia. Entre os filmes e as conversas de adulto, as vezes é importante voltar algumas casas e nos refazermos. É preciso voltar ao passado e nos perdoarmos por sermos imperfeitos.
Para compensar as adultas de hoje, faz bem resgatar a Sierra que poderíamos ter sido. Aquela que sai do banho, encara o espelho e diz sorrindo para si mesma: “você é um animal maravilhoso”.
“Você é linda, Sierra, mas é muito mais que isso”, diz seu pai. E não é simples assim? Somos tão além disso e, rotineiramente, nos julgamos tão menos. Que graça tem a rosa, afinal, cheia de espinhos, ao lado do girassol que, por ofício natural, persegue os raios de sol em todo canto que lhe é permitido florescer?