Qual o impacto da pandemia no enfrentamento à fome no Brasil? Fizemos esta e outras perguntas relativas à segurança alimentar a Malaquias Batista Filho, que é docente e pesquisador do IMIP e professor emérito da UFPE e da UFBA. PhD em Saúde Pública pela USP, ele foi membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) entre 2003 e 2011.
Quais os efeitos da pandemia no cenário do enfrentamento à fome no Brasil?
Difícil avaliar seguramente, porque não temos sistemas informativos ágeis e específicos para registros consistentes, como sistemas de vigilância alimentar e nutricional. Mas a taxa de 14% de desempregados e o fechamento de parte da rede de comércio varejista é, sem dúvida, a face exposta da insegurança alimentar no Brasil de hoje e de amanhã.
Qual a relação entre o agravamento da fome e as ações do atual Governo Federal de desmobilização de algumas estruturas que tratavam do enfrentamento à fome?
O Governo Federal extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) e seus vários programas que colaboraram para retirar o Brasil do Mapa Mundial da Fome. Pelo agravamento do desemprego, desativação de programas de apoio alimentar, elevação dos preços de alimentos, transporte, moradia, custos e crise nas escolas públicas e privadas estamos caminhando para a volta ao mapa da fome. Um retrocesso neste ano em que se completa 75 anos da Geografia da Fome, de Josué de Castro.
Quais os caminhos de curto e longo prazo para enfrentar o agravamento da fome no Brasil e construir uma situação mais sustentável de segurança alimentar?
A curto prazo: reativar programas de efeito mais imediato, como a Bolsa Família (que tem funcionado precariamente), as cestas básicas de alimentos, as frentes de trabalho em obras públicas e privadas e até o novíssimo (mas já decadente) auxílio emergencial do atual governo. A médio prazo é preciso estimular as atividades que demandam mão de obra intensiva, por ciclos reprodutivos curtos e impacto na desaceleração de preços no mercado alimentar, massificar o ensino atendendo as demandas imediatas e potenciais do mercado de ocupações.
Há muitas ações populares para socorrer as famílias em maior situação de vulnerabilidade social neste momento. Mas como a iniciativa privada pode colaborar de maneira mais assertiva neste momento?
O grande desafio é superar o vício histórico do lucro a todo custo, como princípio meio e fim do homem e da sociedade. O lucro não deve ser necessariamente um logro. Os objetivos e metas do milênio para os próximos 20, 30 ou 40 anos já devem ser gradualmente implementados desde agora. Ou melhor, desde o começo do milênio, porque são obrigações e compromissos assumidos por todas as nações para referendar os princípios e estratégias para refundar um novo mundo. Isto está valendo, evidentemente, para o Brasil, que infelizmente, vive a maior crise sanitária de sua história com centenas de milhares de casos de covid-19. São vários os desdobramentos: agravamento da pobreza e da indigência, da insegurança alimentar, dos princípios e práticas éticas, incluindo a permissividade política em vários níveis do poder e das instituições. O mundo todo, inclusive os países membros das Nações Unidas, sabem o que fazer e o que pedir com a segurança de compromissos multilaterais. Basta aplicar as anotações claras que compõem os direitos e deveres de cidadania e do milênio.
Gostaria de destacar algo mais nessa agenda pela insegurança alimentar?
Sim, os efeitos tardios da fome desde a gestação, como o baixo peso ao nascer, o retardo mental, o aumento da mortalidade infantil e outras sequelas orgânicas e sociais.