Jairo Lima foi meu amigo. Grande, enorme. Por mais de 40 anos. Jairo foi o cara mais inteligente, culto, criativo, ético, bom caráter, generoso e altruísta que conheci. Não tinha invejas. Nem grandes nem pequenas. De nada. Nem de ninguém. Tinha ouvido absoluto. E uma memória monumental.
Jairo Gonçalves Lima. Sertanejo de Arcoverde, 73 anos. Morreu em casa, na Torre, no último domingo de outubro. Poeta, escritor, dramaturgo, ensaísta, crítico, pensador, musicólogo e redator de propaganda. Jairo Lima não foi mais porque não quis. Não fez fama e dinheiro porque não quis. Isso. Não quis. Ao longo da vida, escreveu, leu, viu e ouviu tudo que quis.
“Cuidado pra não derrapar” – recomendava ele, citando um barbeiro de Arcoverde (ou de Triunfo?) metido a filólogo e crítico literário. A recomendação valia para qualquer texto, de qualquer autor. Vale, pois, para este texto aqui, que tento (a duras penas) escrever. Imagino-lhe dizendo: “Cuidado pra não derrapar, Joca”. Ou seja, cuidado pra não cair no piegas, no sentimentaloide, adjetivoso.
É prudente, caro leitor, leitora, não escrever sobre amigo morto há pouco. O risco de derrapagem é grande. E em pista molhada, então, nem se fala. Volto, pois, à pista seca, a caminho do sertão.
O intelectual erudito Jairo Lima era também um conversador de papo afiado, bem-humorado, bom bebedor, guloso, fumante e contador de histórias, na melhor tradição sertaneja e nordestina.
Seu Crispim era um dos personagens preferidos da infância. “Estúdio Fotográfico Crispim. O melhor de Arcoverde” – como anunciava a placa na fachada da casa de porta e janela.
No estúdio, cenários pintados com temas acadêmicos, românticos, religiosos e artísticos. Ao gosto do freguês. Ou para ambientar o tema da foto. Casamento, formatura, batizado, posteridade...
Tudo pronto. Câmera no tripé, foco e flash conferidos, pano preto (que cobria até a cabeça do fotógrafo) para a luz ambiente não queimar o filme antes do tempo, e Seu Crispim perguntava ao freguês por perguntar, pois já ia dando as instruções, antes mesmo de ouvir a resposta:
“É foto para documento ou é foto para a eternidade? Se for para documento, olhe pra’qui, pra lente da câmera; se for para a eternidade, olhe pr’aquele prego ali, no alto da parede.”
– Olhe para o prego na parede, Jairo Lima!
– Eu não! Eterno é Dante. Eterno é Bach.