Na semana passada, José Patriota, presidente da Amupe (Associação dos Municípios de Pernambuco) esteve presente em vários veículos de comunicação para falar sobre a iminente falta de oxigênio nos hospitais do interior do Estado. Apesar de resolvido o problema, Patriota ressalta outras dificuldades que há anos assolam os municípios – como falta de água, déficit habitacional, desigualdade econômica e social – que foram agravadas com a pandemia.
Mas, nesta conversa com Cláudia Santos, ele aponta soluções para o desenvolvimento dos municípios na retomada pós-Covid-19: investimento em educação, saneamento básico, reestruturação da órgãos que hoje, segundo ele, estão “cambaleando”, como Sudene e Dnocs. Patriota ressaltar ainda a necessidade de suspender a MP que subtraiu R$ 11 bilhões dos Fundos Constitucionais do Nordeste (FNE), do Norte (FNO) e do Centro Oeste (FCO) para destinar a projetos de parcerias público privadas. Esses fundos são um dispositivo crucial para a geração de receitas dos bancos públicos regionais, como o Banco do Nordeste. “O BNB é extremamente importante para o desenvolvimento da região”, alerta Patriota. Confira a seguir a entrevista.
Quais os problemas enfrentados pelos municípios do interior durante esta pandemia?
São vários problemas. Não estávamos preparados para lidar com o vírus e uma pandemia dessa magnitude, com efeitos tão danosos na vida das pessoas. Além disso, a condução nacional atrapalha. Temos conhecimento de que no mundo inteiro quem conduz a política integradora com todos os entes federativos é o governo central que tem o papel de coordenar, dar as diretrizes e criar as estratégias, ajudar na implantação de ações que possam mitigar os efeitos da pandemia. Temos uma situação esdrúxula do governo central negar e em determinado momento boicotar os encaminhamentos da ciência. Isso deixa os municípios que estão na ponta numa situação mais exposta.
Outra questão é que essa contrainformação gera desencontros, porque o presidente da República não deixa de ser um líder e a Não estávamos preparados para lidar com o vírus e uma pandemia dessa magnitude, com efeitos tão danosos na vida das pessoas. E temos uma situação de o governo central negar e até boicotar os encaminhamentos da ciência liderança dele tem que estar a serviço da vida, de uma orientação única. Mas ocorre o contrário. Essa situação reflete diretamente nas pessoas e as pessoas não moram na União, nem no Estado, moram no município, é com o governo local que se relacionam. É muito difícil uma autoridade dizer uma coisa e a autoridade maior dizer outra.
Já tínhamos uma condição econômica de desigualdade muito grande, agora, com a pandemia, tivemos um agravamento. Subiram as taxas de desemprego, subemprego e suas consequências que é a violência, a fome. E como o governo não tomou providências, o caminho mais seguro – que era a vacina no tempo certo e adequado – não me resta alternativa senão providenciar estrutura hospitalar de internamento e UTI. Isso foi providenciado. Ao mesmo tempo, tivemos que promover o distanciamento social para reduzir a propagação do vírus, o que tem impacto na economia.
Temos milhões de desempregados num mercado que cada dia se tecnifica, se especializa e já não vinha absorvendo essa mão de obra sobrante. Durante a história, os governos não promoveram a política mais importante para uma sociedade se desenvolver que é a educação. Hoje, enfrentamos a falta de investimento, as universidades passando dificuldades enormes, não temos pesquisas, nossos cérebros vão embora. O Brasil se descuidou muito e isso na corrida da competição com China, Bloco Europeu e Estados Unidos, ficamos como um país gigante adormecido, com toda a condição, com gente inteligente, mas fica difícil se não tiver uma política estruturante e permanente nessa área de educação e inovação tecnológica. A pandemia está aí e não temos produção própria de vacina.
É muito difícil de separar a pandemia do contexto socioeconômico. Dois terços do Nordeste está no semiárido, com dificuldade de abastecimento regular de água potável, de acesso a saneamento e outras questões de infraestrutura como moradia. Aí, surge uma situação dessa, que é muito complexa, porque os prefeitos têm que redirecionar todo o seu orçamento para a saúde.
Como está a infraestrutura nos municípios para atender os pacientes com Covid?
As unidades de saúde estão adequadas para atendimentos dentro da nossa realidade e a integração do Estado com a regionalização das UTIs. Hoje, Pernambuco é o primeiro Estado do Norte/Nordeste que mais tem UTI e o terceiro no Brasil. Há um fluxo integrado da rede estadual com a municipal, desde os agentes de saúde até os laboratórios. Qual é a dificuldade? Insumos. E, aí, entramos no contexto nacional e internacional da falta de uma política séria voltada para a população. Não temos vacina e a também a infraestrutura de oxigênio, por exemplo, estourou.
Mas há hospitais sem fornecimento de oxigênio?
Não, houve uma ameaça. Tivemos um sinal amarelo, mas nos reunimos com o secretário de Saúde, com o governador e com as empresas produtoras. Temos uma produção de oxigênio suficiente para atender mas temos uma deficiência de logística para a entrega que poderia não suportar a demanda que aumentou muito. Inclusive a indústria não sofreu nada ainda, continua recebendo oxigênio. Tivemos que estudar com as empresas de logística que entendem do assunto. O Estado montou uma operação em que há uma central de plantão emergencial de fornecimento de gases hospitalares para normalizar o abastecimento e disponibilizou 30 mil metros cúbicos de oxigênio. A central é composta por membros da Amupe, do Estado, das empresas envolvidas, na qual monitoramos a situação 24 horas por dia. Em situação de emergência, todos os prefeitos estão sabendo quais as providências tomar, quem acionar, etc. Então isso está administrado.
Como está a situação social das cidades?
O interior reproduziu o modelo da capital e toda cidadezinha tem um cinturão de pobreza nos bairros em volta do centro. São pessoas que migraram do campo para a cidade, desempregadas, que não têm casa própria ou como pagar um aluguel. O Auxílio Emergencial chegou agora, mas entrou no lugar do Bolsa Família, não houve o acúmulo dos benefícios. Esse foi o problema. Foi a substituição de seis por meia dúzia, causando grande impacto, oferecendo na média R$ 250. E muitas famílias que atendem as condicionalidades do Bolsa Família está do lado de fora, o Governo Federal não abre o sistema para entrar novos beneficiados. Abriu para o Sul do País, mas, para o Nordeste, muito pouco. O governo resolveu fazer tudo sozinho, sem os municípios, sem assistente social fazendo visita às famílias para fazer a seleção. Agora é tudo por aplicativo. É diferente quando a assistente social está na casa e mede a renda da família, vê aquela situação e faz um relatório. Por exemplo, uma família de duas, três pessoas, paga o aluguel, luz, água, botijão de gás. Os R$ 250 não são suficientes. A pessoa não tem emprego, não tem renda certa, vai esmolar. Sabe quem mais sofre num momento desse de desigualdade? As mulheres que ficam com os filhos, o marido desaparece, toma cachaça, se abusa. É uma confusão. Outro problema é a reaglutinação de famílias. O filho ou a filha estavam casados e voltam para a casa da mãe. Pense numa confusão! Fica o menino zoando, o outro de meia idade querendo dormir, o jovem querendo ouvir o som, o idoso acamado, com dor de cabeça. Isso gera um balaio de conflito, porque não estão numa mansão com cinco quartos, com divisórias. É tudo no bolo, dormindo no chão, numa rede. Aí, vem a violência doméstica, os desentendimentos. Fora a questão econômica, são mais bocas para alimentar.
Leia a entrevista completa na edição 183.1 da Revista Algomais: assine.algomais.com