O escritor Cícero Belmar foi eleito nesta semana como o novo imortal da Academia Pernambucana de Letras. Aproveitamos a ocasião para publicamos na íntegra a entrevista feita com ele na Edição 92 da Revista Algomais. Na época, a chamada da entrevista foi: “Jornalista consagrado vai firmando seu nome no meio literário, com seus contos, peças, biografias e romances”. Confira a entrevista!
Entre o jornalismo e a literatura, a inspiração e transpiração da produção escrita de Cícero Belmar vão marcando no mundo das letras o nome do sertanejo que como tantos outros fez a vida no Recife. Natural de Bodocó, Belmar é um apaixonado por boas histórias. A admiração pela prática de leitura do pai foi um dos motores que o levou para a faculdade de jornalismo. No Recife passou pelas redações do Diario de Pernambuco, da sucursal do Jornal do Brasil e do Jornal do Commercio, onde recebeu dois prêmios Cristina Tavares. Hoje, como escritor, sua obra é destaque na crítica e nas premiações literárias. E mesmo se considerando um escritor de poucos leitores e expondo as dificuldades daqueles que se aventuram a viver da escrita, ele ressalta com muita ênfase e saudosismo as experiências positivas que a profissão o proporcionou.
Como começou a sua carreira literária?
Eu comecei sempre trabalhando como jornalista. A partir daí começo a ver que trabalhamos com realidade demais, realidade dos fatos. Comecei a me cobrar uns textos melhores, mais bem elaborados, mais tendente para a literatura, para que o leitor tivesse mais prazer de ler.
Na sua trajetória como jornalista, que momento você destacaria como mais relevante do jornalismo local?
Estive no Jornal do Commercio num momento especial do jornalismo de Pernambuco, em fins da década de 80 e início da década de 90. Um período que o jornal deu contribuição importante para o jornalismo. Tinha uma pessoa especial só para formar o texto. Foi uma fase histórica quando havia uma preocupação em formar bons textos. E eu tive o prazer de participar desse momento.
Você sente falta desse tempo?
Sinto falta de fazer reportagens nesse nível, de ir para rua, apurar bem a matéria, de trazer uma boa reportagem. Talvez o dia a dia não me agradasse muito atualmente. Mas fico impressionado com uma realidade: repórter que já não é tão jovenzinho não tem espaço nas redações. E é justamente quando a gente está preparado para escrever, com muito mais maturidade. Sua alma já está mais formada, com capacidade de crítica mais apurada para investigar. Quando a gente vai melhorando, os jornais cuidam de tirar a gente das redações. Na Europa, por exemplo, você encontra muitos jornalistas com 60 ou 70 anos em atividade.
O perfil dos jovens que chegam nas redações é diferente daquela época?
Muita coisa mudou. O próprio processo de seleção de hoje é uma coisa que não leva em conta a técnica, a maturidade. Mas hoje os jovens estão encontrando outros caminhos para a carreira. Passa uma chuva nas redações, aprendem as técnicas e vão embora. Não ficam mais. Tudo é muito transitório hoje no jornalismo. Não só para os jornalistas, mas para os jornais também, que não sabem para onde estão indo. É um momento muito transitório.
Hoje em dia, frente a este momento em que a internet avança tanto, qual o caminho para o jornalismo impresso?
Acho que os jornais terão que optar por fazer um texto de mais qualidade para poder resistir as revistas e aos sites, as redes sociais. Para competir com as novas mídias é preciso ter um diferencial.
E o escritor? Existe muita dificuldade de criar e publicar?
Você encontra um problema grande no escritor de poucos leitores, como é o meu caso. O escritor é uma pessoa que tem uma capacidade grande de escrever, mas me questiono, o escritor tem que estar publicando? Você pode até publicar nos sites, não deixa de ser uma publicação, mas o livro em si está muito caro e é isso que dá prestigio ao escritor. As pessoas perguntam quantos livros você têm. Além de escrever, o escritor hoje tem que ter uma vida social para ser conhecido, senão está frito. E as editoras daqui? São muito boas do ponto de vista tecnológico, mas não tem distribuição nacional. Algumas se limitam ao território Recife, nem chegam a RMR. E não tem também um trabalho de marketing que apoie a distribuição. Sem essa comunicação, que leve os livros para os jornais, para a mídia, a publicação não é conhecida.
Mesmo assim você é um escritor em ascensão.
Sou. Acho que por conta dos prêmios, pela quantidade de livros e de peças que já fiz. Os prêmio do Fundação de Cultura do Recife e da Academia Pernambucana de Letras deram um impulso na carreira.
Como é o seu processo de criação?
Recortes de jornal, sempre funcionou. Sempre meu trabalho foi casado com o jornalismo. Distribuo em pastas que tenho lá em casa, acidentes, violência contra mulher, homossexualismo. É um banco de dados pessoal de recortes de jornal e revistas que me dá subsídio para criar. Pego essas histórias, coloco um personagem no meio e gero histórias muito curiosas.
Você faz tudo isso no computador?
Eu tive muita resistência ao computador. Passei muito tempo escrevendo a mão, pois sou da época da máquina de datilografia. O trabalho jornalistico tive menos problemas para fazer no computador, mas a produção literária passou um bom tempo à mão.
Quem você admira como escritor?
Hemingway, Dostoiévski, Graciliano Ramos, Jorge Amado…
E dos pernambucanos?
Luzilá Gonçalves, Cida Pedrosa, Gerusa Leal, Raimundo Carrero, Raimundo de Moraes, Sidney Rocha e Marcelino Freire.
O que mais te deu prazer de fazer em sua obra toda?
Os livros de conto e romance deram muita alegria. Recebi retornos de leitores. A mulher de um leitor, que já faleceu de câncer, me procurou para dizer que os últimos dias dele foram lendo o meu livro. Ele tomava a medicação para não sentir mais dores e quando estava sem dores, ele lia o livro. Ele gostava porque dava para rir. Esse feedback foi muito importante.
Há muita critica social no que você escreve?
Não. Talvez apenas nos livros de contos. Os livros de romance são histó- ricos, inclusive o “Rossellini amou a pensão de dona Bombom” é mais o novo jornalismo, que mistura realidade com ficção. E vou formando um livro muito em cima do novo jornalismo, que foi da década de 50. O romance para mim é mais um exercício de linguagens. Tanto esse como “Umbilina e Sua Grande Rival”, foram mais um exercício de linguagens que uma denúncia social. Mas no livro de contos falo da hipocrisia, da realidade do Recife, da inveja.
O que você diria a um jovem interessado em ser escritor?
Eu diria que é importante a pessoa ler bastante. Não só livros de ficção, mas ler filosofia, política, tudo que vier a mão. É importante ter esse senso crítico. Literatura, definitivamente, não é filosofia ética, pedagogia, história, é uma coisa de criação. Tem que ter um olho aberto para ler a realidade. Não tem que ler somente o que está escrito no livro. Você precisa saber o que está sendo representado para poder contá-la de uma maneira muito mais humana, de questionar e colocar a sua visão como escritor.
A internet é um estímulo, por ser um espaço mais fácil de se publicar?
Acho, sim. E a internet permite que o escritor mais jovem realize esse sonho de publicar. Ao menos ele sabe que será lido, primeiro por uma rede de amigos, depois um vai indicando o outro e você acaba sendo lido por um grupo um pouco maior. Mas não acho que o livro deixará de existir, ele será redefinido.
Você é a favor do e-book?
Sou a favor do e-book, mas acho que tem espaço para tudo. Sempre dizia-se que o rádio iria acabar com a TV. E hoje as rádios estão muito fortes. Esse debate que o e-book irá tomar o lugar do livro já passou.
Você acha que o maior problema é o preço do livro?
Um dos problemas. Muita gente não pode comprar o livro por ele ser caro. Mas o governo poderia arranjar alguma política de beneficiar o acesso do livro aos jovens.
O processo de seleção cultural reserva hoje muito espaço para o cinema. Como é isso para a literatura?
Para a literatura o espaço é menor. Mas, atualmente já é contemplado em alguns editais, principalmente na Funcultura. Já existe a consciência de que é necessário abrir mais espaço para a literatura e essa mudança se iniciou. Não só a literatura quanto livro, como também com eventos. A literatura hoje não sobrevive só com os livros, ela precisa dos eventos para tornar-se um produto de consumo.
O livro tem que ser visto como objeto de lazer, consumo, tem que ser incorporado de outras formas. E teu futuro como escritor e autor de teatro?
Eu prefiro produzir e tentar umas edições por aqui e ao mesmo tempo me incorporar cada vez mais em grupos. Se for pensar em retorno financeiro, você desiste, não faz. Precisa pensar no trabalho em quanto expressão, obra artística. Atualmente estou fazendo umas pesquisas para escrever um romance sobre Lolita. Ele foi um gay que batia em soldado e saia cantando pelo meio da rua. Era meio marginal, meio barra pesada, ou totalmente, e ao mesmo tempo engraçado. Na minha experiência de biografia, levantei a história dele.
Será uma biografia?
Não, será um romance. Terão dados biográficos, mas não é a verdade, é uma versão da realidade que estou construindo com esse deserdar social. E essa história de ter sumido é fantástico. Ninguém sabe de Lolita. Sumiu, virou purpurina.
Mas o livro de Pola Berenstein foi uma biografia.
Ali é realidade. O homem que arrastou rochedos também. Descobri essa história através de uma reportagem que fiz no JC sobre o aniversário do Estado de Israel. Nós tínhamos alguns amigos judeus na redação e disseram que tinha gente por aqui que viveu o holocausto. Daí fiz matéria e comecei a me entusiasmar. Me interessei de fazer o livro, a biografia. Ela só resolveu contar a história para mim por causa da matéria que eu fiz. Foi uma história muito trágica.
Você nunca teve vontade de tentar nada lá fora?
Eu poderia ter tentado, mas assim que saí da faculdade as coisas foram dando muito certo para mim. Então logo que terminei a graduação fiquei numa sucursal do Jornal do Brasil aqui. Depois fui para o DP, como repórter de política. Cobri bastante o palácio com Miguel Arraes, que tinha voltado do exílio. Era bom. Depois teve a Folha de Pernambuco recém-criada. Depois fui para o JC, trabalhar sendo chefe de reportagem. Fui assumindo postos que me permitiam sobreviver muito legal aqui e eu não saberia que se fosse para fora garantiria os espa- ços. Construí minha vida toda no Recife. E agora que meus pais estão velhinhos em Bodocó, daqui para lá são 10 horas de ônibus, se eu tivesse fora seria mais difícil. A convivência com eles hoje é uma prioridade.
Ficou rico?
(Risos) Não, mas pelo menos muita história para contar a gente tem. Muita boemia, muitas noites de bares. Aproveitei. Era muito gostoso fazer jornal. Era outra maneira de fazer jornalismo, menos tecnológico, mais romântico. Hoje as redações são muito técnicas, impessoais. Antes era artesanal, mas era muito bom.
(Entrevista concedida aos jornalistas Rafael Dantas, Juliana Godoy, Luiza Assis, Maria Paula Resende e Roberto Tavares)