Conta de luz cada vez mais salgada, crise hídrica esvaziando os reservatórios das hidrelétricas e o impacto das termelétricas no meio ambiente. Eis o cenário que tem levado muitos conumidores a gerar a sua própria eletricidade a partir da energia do sol, que é abundante no Brasil e em especial no Nordeste. Segundo dados da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), a chamada energia distribuída solar fotovoltaica atingiu 4 GW de capacidade instalada em 2020 e este ano tende a duplicar o potencial.
Os consumidores, porém, ficaram apreensivos com a notícia da promulgação de um marco regulatório do setor. Afinal, hoje eles contam com um subsídio, principalmente em razão de que precisam arcar com os custos de implantação das placas fotovoltaicas para gerar a energia. A preocupação desses usuários estaria na suspensão desse subsídio. Assim eles passariam a pagar as tarifas pelo uso da rede de distribuição de energia. Acontece que apesar de gerar a sua própria energia, esses consumidores consomem uma parte dela e jogam o excedente na rede de distribuição.
Além disso, a fonte solar é intermitente, isto é, nem sempre ela é produzida de forma contínua, como à noite por exemplo. Por isso, no fim do mês há uma compensação na qual o usuário paga ou recebe (por meio de créditos) da concessionária a diferença entre o que ele colocou de energia na rede e o que ele usou. Mas, até então, ele não pagava a tarifa pelo uso desse sistema de distribuição como os demais usuários.
Para saber as consequências desse marco regulatório, que foi aprovado pela Câmara Federal e está em tramitação no Senado, Cláudia Santos conversou com Luis Arturo Gómez Malagón, cientista-chefe do Instituto de Inovação Tecnológica da UPE (Universidade de Pernambuco). Ele também analisou as perspectivas de expansão da energia solar no País.
Caso o projeto de lei PL 5829/19, que institui o marco regulatório da geração própria de energia solar, seja aprovado no Senado, o que muda no País nesta área da energia solar distribuída?
A geração distribuída no Brasil está regulamentada pela resolução ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) 482 de 2012 que forneceu a estrutura para seu funcionamento no sistema elétrico nacional. Tal resolução foi revisada pela resolução ANEEL 687 de 2015, em que foram modificados os limites de geração para microgeração e minigeração, assim como o prazo de compensação de créditos. Desde então o crescimento na geração distribuída tem aumentado vertiginosamente, chegando a passar os 4 GW instalados em 2020 e com expectativas de dobrar esse valor em 2021.
Neste cenário, a indústria fotovoltaica foi consolidando sua cadeia de valor desde 2012 fazendo com que a energia solar apareça no mercado não somente como uma fonte de energia renovável e confiável mas, também, como um investimento atrativo para alguns setores. O PL 5829/19 é uma inciativa que visa, entre outros aspectos, mudar o sistema de compensação de energia elétrica para o sistema de tarifação estabelecido pela ANEEL. Essa mudança é proposta para aprimorar a regulamentação existente de tal forma que seja dada maior segurança jurídica e regulatória para os investimentos em energia renovável.
O PL estabelece que, para os consumidores que façam uso da geração distribuída até a publicação da lei, ou para quem solicitar acesso até 12 meses após a divulgação da lei, os direitos de compensar a energia elétrica da forma atual serão mantidos até 2045. Para estes usuários a lei vai dar segurança e estabilidade jurídica sobre o investimento realizado. Após 2045, esses consumidores passarão a pagar uma tarifa dada pelas diretrizes para valoração dos custos e benefícios da microgeração e minigeração distribuída. Para os consumidores que solicitarem acesso após o primeiro ano de divulgação da lei, será estabelecida uma regra de transição que vai demorar seis anos. Durante este período, o consumidor terá cobrança gradual de uma taxa proporcional à energia injetada na rede. Após a finalização desse período, o consumidor ficará sujeito às regras tarifárias estabelecidas pela ANEEL.
O PL também abordou diferentes aspectos sociais e ambientais, dentre os quais cabe destacar a criação do PERS (Programa de Energia Renovável Social) voltado ao investimento em energias renováveis para consumidores de baixa renda, assim como a diminuição de 50% no valor mínimo faturável para microgeradores que compensem no mesmo local da geração com potência do gerador de até 1,2 kW. Esta medida abre um novo mercado com foco em pequenos consumidores.
O senhor acredita que o pagamento pelo uso das redes de distribuição de energia elétrica, como prevê o projeto de lei, poderá desestimular novos consumidores a adquirirem placas fotovoltaicas ou adotar a energia solar distribuída continuará sendo economicamente viável para os consumidores?
O investimento em energia solar ou em qualquer outro empreendimento requer análise do valor do dinheiro no tempo. Desta forma, a análise da TIR (taxa interna de retorno), o payback (tempo de retorno de um investimento inicial) ou o VPL (métrica que tem como objetivo calcular o valor presente de uma sucessão de pagamentos futuros) deve ser realizada para tomar a decisão mais lucrativa.
Para novos consumidores que vão realizar a conexão até um ano após a divulgação da lei, a regra de compensação é a regra atual. Para consumidores novos, a cobrança será proporcional à energia injetada na rede. Tipicamente para consumidores comerciais e industriais a quantidade de energia injetada na rede é aproximadamente de 20% enquanto que para consumidores residenciais a energia injetada é de aproximadamente 50%. Isto mostra que a geração distribuída terá mais vantagens para o setor comercial e industrial em comparação com o setor residencial.
De qualquer forma, independentemente do consumo de energia, o micro e mini gerador ainda terá uma tarifa mínima na conta. Cabe destacar que o PL estabelece uma cobrança gradual até 2028 de um percentual sobre os custos dos ativos de distribuição, e os custos de operação e manutenção do serviço de distribuição, sendo o percentual cobrado no final do período de aproximadamente 27%. Após esse período, entra o sistema de tarifação estabelecido pela ANEEL. Perante esse cenário, acredito que o mercado de energia solar fotovoltaico sairá fortalecido, uma vez que novos mercados serão explorados, os investidores terão maior segurança nos modelos de negócios e as novas regras poderão gerar para o consumidor uma proposta de investimento com maior lucratividade.
O senhor acredita que a energia solar tende a crescer diante dessa crise energética e hídrica que o País enfrenta?
O investimento por parte do governo em energia solar, assim como em outras fontes de energia renovável, é uma decisão de caráter técnico, econômico e estratégico para o País. A diversificação da matriz energética faz parte da política de expansão do setor elétrico, a qual está em execução há vários anos. Desta forma, é esperado que os investimentos, por exemplo, em geração solar centralizada e distribuída, tendam a crescer nos próximos anos. A crise energética e hídrica pode fazer com que algumas estratégias sejam implementadas para acelerar a realização de investimentos no curto e médio prazo mas essa decisão certamente passa pela análise dos agentes regulatórios do setor elétrico.
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