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O nosso 8 de janeiro

Revista algomais

*Por Antônio Henrique Lucena

Os eventos do domingo 8 de janeiro, em que o Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto, sede do executivo, foram invadidos por uma turba, causou perplexidade dentro e fora das fronteiras nacionais. Aproximadamente há dois anos, no dia 6 de janeiro, o mesmo movimento pôde ser visto nos Estados Unidos, com a invasão do Capitólio onde o vice-presidente Mike Pence iria confirmar a vitória eleitoral de Joe Biden, do partido Democrata, contra o republicano Donald Trump. O rito, apenas processual, de confirmação do resultado das urnas, era contestado pelo então presidente Trump com alegações falsas de fraude.

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A mesma dinâmica passou a ser emulada pelo presidente Jair Bolsonaro em defesa do "voto impresso" em claro ataque às urnas eletrônicas. As semelhanças dos eventos são inevitáveis: nos EUA, o então mandatário americano incentivou as pessoas a irem ao Capitólio protestar e evitar a confirmação do nome de Biden; no Brasil, Bolsonaro passou meses colocando em dúvida o mesmo processo eleitoral que o elegeu no passado e, na eleição de 2022, formou a maior bancada de direita desde 1985. O que há de comunidade entre os dois eventos? Ambos os casos foram incentivados por líderes populistas.

Timothy Snyder, autor do livro Na contramão da liberdade: a guinada autoritária nas democracias contemporâneas, nos ajuda a entender o fenômeno do fortalecimento do autoritarismo. O autor americano identifica que o ano de 2011 é o início do processo de corrosão das democracias com a volta do pensamento totalitário. No ano seguinte, ocorreu o colapso da política democrática na Rússia, com a consolidação do poder de Vladimir Putin. Snyder mostra como Putin recuperou as ideias do pensador fascista Ivan Ilin (1883-1954) para dar legitimidade teórica a sua defesa nacionalista de uma grande Rússia.

As redes sociais também tiveram uma grande importância na eleição de Trump, em 2016, sendo facilitada por uma estratégia de desinformação massiva (chamadas de fake news), com apoio do Kremlin, por meio de robôs no Twitter e Facebook, e onde a democracia corre o seu maior risco. Um dos estrategistas da campanha de Trump, Steve Bannon, foi um dos "oráculos" que defendia uma campanha divisionista. Bannon passou a assessorar a família Bolsonaro em algo que foi aplicado nos Estados Unidos: o uso de "verdades alternativas", como as notícias falsas, e teorias conspiratórias. O antigo planejador da campanha MAGA (Make America Great Again), promove uma visão extremista do mundo. Bannon se consolidou como um ideólogo da direita radical populista.

Os movimentos de enfraquecimento da democracia podem ser à esquerda (Venezuela) ou à direita (Hungria), como ressaltado por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, que estudam o problema da atual radicalização da polarização. Em Como as democracias morrem, os autores enfatizam que o método de destruição da democracia é o mesmo para populistas de um lado ou de outro. Uma norma democrática fundamental é a tolerância mútua e a reserva institucional: os concorrentes políticos são rivais legítimos e o comedimento é necessário.

Ao levar o combate institucional a seus limites, como fazem os líderes populistas, eles buscam estabelecer uma derrota permanente dos seus rivais partidários, o que leva a uma polarização sectária extrema que vai muito além das diferenças políticas. Líderes autoritários, quando não são contidos, buscam alterar o sistema para ganhar mais poder, como ocorreu na Hungria, com Viktor Órban e na Turquia, com Recep Tayyip Erdogan. As lições do Século 20 é que as instituições precisam ser defendidas para que se evite guinadas autoritárias, tiranos não podem ser apaziguados; por isso a derrota de Putin na Ucrânia é fundamental, e que golpes antidemocráticos não podem ser tolerados. Nos Estados Unidos, o ataque ao Capitólio gerou a maior investigação da história do Departamento de Justiça: 950 pessoas foram indiciadas e detidas. Que o mesmo ocorra com aos atos de terrorismo doméstico do nosso 8 de janeiro.

*Antônio Henrique Lucena Silva é Doutor em ciência política, professor e da Unicap e da Faculdade Damas

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