*Por Rafael Dantas, repórter da Algomais
Mais de 2,1 milhões de adolescentes irão votar pela primeira vez neste final de semana. A quantidade de novos eleitores — que estão entre 16 e 18 anos — supera em 51% os números de 2018. Ao analisarem uma faixa mais ampla da população jovem (até os 29 anos), os cientistas políticos identificam que existe uma maior participação desse grupo na vida política do País, para além da simples presença nas urnas. Uma atuação diferente das gerações anteriores e marcada com novas prioridades. A pouca idade se confronta com um cenário que é complexo, mesmo para a população mais madura, com um mix de polarização, ativismo nas redes sociais, disseminação de fake news e da entrada mais contundente da religião no pleito eleitoral.
Com 16 anos, Sidney Rodrigues estará pela primeira vez frente a uma urna eletrônica. A decisão de participar tão cedo do pleito eleitoral, tendo se cadastrado ainda com 15 anos, veio do incentivo da avó. Ele não integra nenhum dos movimentos sociais que agregaram tantos jovens nos últimos anos, nem mesmo tem perfil nas redes sociais, mas entende que o momento político do Brasil pede uma participação de todos.
“Eu me importo com o que acontece no País. Eu conheço muitos jovens que também estão interessados, mas têm vários outros que não vão votar ou irão anular seu voto. Eu procuro candidatos que defendem um maior investimento em escolas. Estou entrando nesse novo mundo da política, começando a entender agora. Para isso busco informações nos noticiários, na internet, nos debates da TV”.
A educação, preocupação número um mencionada por Sidney, foi um dos temas mais mencionados pelos jovens na decisão do seu voto, de acordo com pesquisas. Outras causas que mais geraram interesse foram a falta de empregos, a inflação elevada e a proteção do meio ambiente. Se esses foram fatores prioritários citados para a decisão do voto, praticamente todos relataram inquietação com a circulação de notícias falsas na internet e o risco delas influenciarem a decisão dos eleitores.
MAIS ENGAJADOS
Uma pesquisa realizada pela marca The Body Shop em parceria com a ONU apontou que a população brasileira dos 17 aos 30 anos é mais engajada que a média global. O estudo revelou que 49% dos brasileiros nessa faixa de idade costumam manifestar seus posicionamentos acerca de questões sociais e ambientais. Enquanto isso, a média mundial dos que expõem as suas opiniões é de 33%.
Apesar de uma parcela considerável estar interessada em se manifestar politicamente, 76% dos jovens no mundo sentem que os políticos não os escutam. Quando se fala em integrar formalmente um partido político, por exemplo, apenas 16% dos brasileiros têm interesse.
“Os jovens se engajam de formas diferentes. Existem aqueles que são mais ativos, que participam de partidos políticos, militâncias e coletivos. Mas, claro que não são a maioria da população. Esses são de um grupo bem específico. Mas vejo a maior participação dos jovens na política como fruto do aumento do interesse pelo debate. Temos novas formas de participação também, além das tradicionais manifestações de rua e do engajamento em diretórios estudantis. Mas eles participam ativamente de grupos do WhatsApp, canais do Telegram, das redes sociais”, afirma o cientista político e professor da Unicap, Antonio Henrique Lucena.
Ao observar as últimas eleições em Pernambuco e o pleito de 2022, o cientista político e professor da UFPE, Michel Zaidan, destaca que a população mais jovem tem assumido um papel de protagonista, inclusive entre os candidatos. “Pernambuco tinha uma tradição de ter políticos já bem velhos. Hoje vemos uma renovação, com maior participação da juventude. Há um protagonismo juvenil, seja votando ou como candidatos. Isso é muito positivo, pois é deles que vem o sentimento de descontentamento e o impulso para a mudança”.
MOVIMENTOS SOCIAIS E NOVAS TEMÁTICAS NO DEBATE
Além de mais conectados, um dos espaços que mais têm engajado os jovens na vida política são os movimentos sociais. Aos 17 anos, Alana Gonçalves, estudante do ensino médio de Camaragibe, votará pela primeira vez. Incentivada dentro de casa a participar de mobilizações sociais e também partidárias, ela se engajou na UJS ( União da Juventude Socialista) e na UNE (União Nacional dos Estudantes).
“Já sou engajada em alguns movimentos político sociais, principalmente voltados para os estudantes, que é tão importante hoje em dia. Sou presidente do grêmio estudantil da escola em que estudo. Dentro do colégio trazemos pessoas para falar de questões estudantis, dos movimentos das mulheres, das classes trabalhadoras, negros e jovens. Em algumas ações unimos as escolas técnicas também. Acredito que os jovens estão muito mais engajados hoje em dia, principalmente das últimas eleições para cá. O advento da internet provocou esse impulso para os estudantes conhecerem mais a política”, avalia Alana Gonçalves.
Acima das divisões de esquerda e direita e além do momento da eleição, ela acredita que todos podem se envolver na política do País em ações práticas, como no apoio às populações mais carentes. “Percebendo a situação do Brasil, tive vontade de mudar. Sei que meu voto importa. Mas política é tudo. A gente pode se envolver em várias coisas, como na arrecadação e doação de cestas básicas, atendendo pessoas mais necessitadas, se voluntariando para ajudar em algum tipo de pesquisa. São várias formas de fazer política de forma pacífica”.
Quem também está conectado e engajado nos movimentos é Jackson Augusto, morador de Olinda, de 27 anos. “Hoje minha participação está concentrada nos movimentos sociais e também nas redes sociais. Entendo a rede social como um meio para o fim. Eu integro a coordenação nacional do Movimento Negro Evangélico e da Coalização Negra por Direitos. Muito a partir da necessidade e do contexto que o povo negro está vivendo, principalmente de insegurança alimentar. Um apoio mais emergencial da ação social e também na cobrança ao Estado, que está ausente das comunidades”.
As redes sociais foram o caminho que ele utilizou para se conectar com as pessoas, principalmente na pandemia. “Rede social é um lugar importante de disputa e de narrativa para a implementação do que a gente acredita”, afirma Jackson.
Antonio Henrique Lucena considera que nas redes sociais estão os principais caminhos, na atualidade, que têm conseguido engajar os jovens nas grandes lutas do País. Por outro lado, ressalta o risco inevitável da formação de bolhas sociais. “Os jovens são extremamente importantes, participam da vida política e têm se comunicado com seus colegas pelas redes sociais. Mesmo o jovem que não participa de manifestação, acaba se engajando nas redes sociais, nas discussões. Se, por um lado, as redes sociais são positivas, por outro, geram o comportamento de bolha, que promovem o mesmo tipo de discussão e não contribuem para que as pessoas enxerguem o diferente”.
O cientista político da Unicap destaca que parte do crescimento da participação dos jovens neste ano se deve às ações realizadas nesses espaços digitais, que motivaram a população de 16 aos 18 anos a tirar seu título de eleitor. Esse movimento aconteceu também nos Estados Unidos com os jovens comparecendo em massa às urnas para tirar Donald Trump do poder. “Os jovens tendem a ser progressistas, enquanto a população mais velha tende a ser mais conservadora. Essa participação dos jovens deve fazer diferença nas eleições brasileiras deste ano também. Eles podem ser bem decisivos”.
PARTICIPANTES, MAS POUCO MOTIVADOS
Aos 18 anos, Emanuelly Fernanda Alves, moradora do Recife, também votará pela primeira vez. No entanto, ela se considera ainda pouco “antenada” com os candidatos. Uma realidade bem diferente da que ela idealizava na época em que ainda estava na escola. “Quando eu ainda não podia votar, dizia aos amigos que quando pudesse tirar o título de eleitor iria pesquisar sobre todos políticos, deputados, entender projetos. Mas parece que quando chegou minha vez, estão os piores disputando. Não vejo salvação em nenhum e está tudo muito tenso”.
As propostas para melhorar a “questão financeira” do País, com fomento à economia e ao emprego é uma das prioridades apontadas por Emanuelly. “Sinto que está tudo muito ruim. Os candidatos deveriam ver como tudo está tão caro. Muitas pessoas não podem ter todos os dias o mínimo de uma refeição digna. Não sei como tantas famílias conseguem viver com um salário mínimo. Não penso em integrar um movimento ou partido político, mas quero me entrosar mais nos assuntos políticos e espero que a situação melhore”.
Para Michel Zaidan parte desse descontentamento nasce da ausência de alternativas, que é fruto da polarização do contexto político brasileiro. “A polarização é um empobrecimento da política de qualquer País. É a ausência da diversificação de atores políticos viáveis. É o sinal de pobreza, da não vitalidade. No nosso caso, não tem saída. Não se vêem outras possibilidades de ares. Fomos empurrado, e a juventude, naturalmente, tende a ser contra ou a favor”.
Quem viu seu engajamento diminuir também após sair da escola é o caruaruense Gabriel Carvalho, de 21 anos. Músico e universitário, ele está indo para o segundo pleito eleitoral. “Eu era um pouco mais engajado quando eu era mais novo, por causa da escola. Na minha experiência, a escola impulsionou a participação política mais que a universidade (ele cursa engenharia biomédica). Dentro da universidade sinto que perdi um pouco disso, mas sigo me posicionando bastante, principalmente nas redes sociais” afirma o jovem que no ensino médio integrou movimentos estudantis e no ensino superior participou de greve contra os cortes no orçamento da UFPE.
Ele declara estar mais atento a temas como educação e sobre o acesso aos serviços públicos de saúde, mas também está preocupado com os discursos de ódio que tomaram o País nos últimos anos e atingiram principalmente a população LGBTQIA+. Um fenômeno que Gabriel observa também, que precisa de um acolhimento por profissionais de saúde, é o alto índice de depressão das pessoas da sua idade. “Conheço muita gente que sofre depressão e o SUS tem hoje uma infraestrutura muito precária, principalmente para atender as doenças mentais, e superlotação”, destacou Gabriel.
As manifestações de ódio, inclusive, são apontadas por Gabriel como um dos motivos que têm afastado muitos eleitores de um posicionamento mais ativo. “Muitas pessoas que conheço têm medo de ataques, verbais ou físicos. Mas não podemos nos calar, temos que ter voz para mudar o que o Brasil tem de ruim”.
ENTRE A FÉ E O VOTO
O envolvimento de pastores e líderes religiosos nas eleições, em especial das igrejas evangélicas, tem despertado preocupação dos tribunais eleitorais e uma reação dos próprios jovens que integram as comunidades religiosas. Já se acumulam os casos de pregações condenando fiéis que possuem posições políticas divergentes das orientações eclesiásticas, perseguição de alguns pastores e um caso de violência emblemático em que um “irmão” atirou no outro por divergência de opinião política, durante um culto.
Jackson Augusto afirma que a resistência ao extremismo dentro das igrejas tem partido principalmente da juventude, que tem se levantado contra o “voto de cajado”, que é uma atualização do antigo voto de cabresto. “Estamos tentando construir normas para conseguir manter a convivência saudável, ter a igreja como o lugar de comunidade e pluralidade, exaltando a liberdade de consciência. A juventude é o grande pontapé, o grande mover dentro do contexto evangélico, de resistência mesmo”.
Um dos caminhos para o enfrentamento da intolerância aos pensamentos políticos diferentes dentro das comunidades religiosas deve ser por meio dos jovens, de acordo com a doutora em comunicação Magali do Nascimento Cunha, no estudo Fundamentalismos, crise da democracia e ameaça aos direitos humanos na América do Sul: tendências e desafios para a ação.
Magali sugere que haja uma maior atenção à juventude, pois é um segmento dentro das igrejas mais aberto a outros olhares sobre a sociedade. “O fato de estarem todo o tempo conectados em rede, experimentando outras culturas, torna os jovens mais abertos ao reconhecimento dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos. Por isso, a mensagem fundamentalista os atinge menos e, ao mesmo tempo, tornam-se prioridade nas ações fundamentalistas”.
Dentro desse contexto, por exemplo, está sendo organizado o movimento Novas Narrativas Evangélicas, da qual Jackson Augusto é um dos integrantes. Trata-se de uma “comunidade-plataforma” que investe no reconhecimento e na afirmação da pluralidade religiosa.
As faces da participação dos jovens na política, seja nas ondas da web, nas ruas ou mesmo nas igrejas, são muito diversas e prometem ações que vão muito além do voto. Diante de um cenário global de avanço de pensamentos extremistas, há um caminho bem amplo e desafiador para ser escalado pelos protagonistas das novas gerações.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Gente & Negócios e Pernambuco Antigamente (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)