Novo presidente da Fiepe, Bruno Veloso, fala de seus planos à frente da entidade, como estimular a exportação e a abertura de novas cadeias produtivas, além de incentivar a instalação de indústrias no interior. Também aborda os gargalos enfrentados pelas empresas e critica a demora de execução dos projetos do Governo Federal voltados ao setor industrial.
Na segunda-feira (17/06), Bruno Veloso tornou-se presidente da Fiepe (Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco) numa concorrida cerimônia que reuniu representantes de vários setores econômicos. Nesta entrevista a Cláudia Santos, o empresário – que é do ramo da indústria da construção civil – falou sobre os seus planos à frente da entidade e dos desafios enfrentados pelo setor industrial no Estado, como a desendustrialização.
Ele criticou a alta tributação das indústrias como um fator que impede que realizem investimentos na transformação digital. Embora tenha elogiado o Nova Indústria Brasil, programa do Governo Federal que visa tornar o setor mais competitivo, inovador e sustentável – o novo presidente da Fiepe reclamou da demora na sua execução, em especial na liberação dos recursos previstos que chegam a R$ 300 bilhões.
Veloso também comentou os desafios na área de infraestrutura, como o estado precário das rodovias e a lentidão de projetos como a Transnordestina e o Arco Metropolitano, além do abastecimento de energia que, embora com abundância de oferta, o sistema apresenta problemas de distribuição. Veloso também analisou os gargalos na qualidade da mão de obra e ressaltou o trabalho nessa área realizado pelo Sesi (Serviço Social da Indústria) e Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial).
Quais são seus planos e desafios nestes próximos quatro anos à frente da Fiepe?
A Fiepe representa pequenas, micro, médias e grandes empresas e as pautas dessas empresas são nossas pautas. Trabalhamos para atender suas reivindicações de forma eficiente para que nos vejam como aliada. Há muitos desafios. Um deles é buscar sempre um ambiente favorável aos negócios na região, entendendo as dificuldades das empresas que pretendem se instalar no Estado e das que já estão instaladas. Então temos sempre que lutar pelo protagonismo da indústria na economia, precisamos frear a desindustrialização, entendendo a realidade e apoiando a indústria para que haja diversificação da base produtiva. Por meio da nossa inteligência de dados, vamos estimular as empresas a produzirem o que já vêm produzindo e abrir novas cadeias de produção para aumentar o leque de oferta.
Também pretendemos trabalhar fortemente na exportação. Temos muitas ferramentas que podem identificar mercados externos para as empresas que aqui produzem e poderiam exportar. Outro desafio é levar a indústria para o interior do Estado, buscando apoio para que as empresas se instalem de forma consciente com infraestrutura e condições básicas necessárias.
Quais são essas condições básicas para instalação e interiorização das indústrias?
É preciso quatro pilares para escoar a produção: um modal de transporte, fornecimento de energia compatível com a empresa instalada no local, água, que é necessária a todas as indústrias e, por fim, internet de qualidade, ferramenta de que não se pode abrir mão para que haja comunicação eficiente entre clientes, fornecedores e outras unidades da empresa.
O senhor mencionou várias questões relacionadas à infraestrutura. Na questão da logística, especificamente, como avalia os problemas das rodovias e da Transnordestina, que há anos é aguardada pelos empresários nordestinos?
Muitas empresas necessitam de logística de transporte eficiente para viabilizar seu produto. As estradas em Pernambuco estão muito deficitárias, precisando de forte investimento. A Transnordestina é uma pauta de todos os pernambucanos, ela pode fazer grande diferença para transportar de maneira eficiente do Sertão do Araripe a Suape, para uma exportação a baixo custo.
As obras da ferrovia tiveram uma paralisação no final do ano passado, e nós da Fiepe, o Governo do Estado, parlamentares e outras entidades nos mobilizamos e conseguimos colocar no PAC o valor de R$ 450 milhões para a retomada da Transnordestina. Porém, ainda são necessários cerca de R$ 6 bilhões para que ela seja concluída. Os R$ 450 milhões foram liberados, mas é importante ressaltar que a licitação para as obras desse valor menciona dois anos para a conclusão do projeto para, então, começar o processo licitatório. É muito tempo. Por isso, estamos novamente nos mobilizando, discutindo internamente maneiras para sugerir um projeto mais ágil e que também agilize o início das obras.
Outro projeto que precisa ser colocado em prática urgentemente para melhorar a logística e atrair mais indústrias é o Arco Metropolitano. A governadora disse que vai licitar ainda este ano, mas é necessário ir além da discussão do projeto. Uma das premissas para instalar a fábrica da Jeep em Goiana era o Arco Metropolitano. Há quantos anos a Stellantis está lá e as dificuldades de deslocamento permanecem? A dificuldade de transporte é tão grande que as pessoas estão morando em João Pessoa e a gente aqui não consegue nem transportar os veículos que são sendo produzidos porque as estradas não comportam, só podem ser transportados de madrugada. Isso não é logística. Como é que nós vamos atrair a indústria dessa forma? Então estamos entendendo as dores das indústrias e buscando diálogo com governantes prefeitos, Câmara de Vereadores, deputados estaduais, para saber o que a gente pode fazer para melhorar nosso Pernambuco.
E como é que está essa articulação do setor com as instâncias governamentais?
Eu diria que está num processo de crescimento. Recentemente tivemos uma comissão parlamentar da Assembleia Legislativa, o Comitê da Indústria Pernambucana, ou seja, existe uma comissão com alguns deputados e com isso nós vamos poder levar um assunto importante da indústria para discutir na Casa.
Em relação a Suape, quais as perspectivas?
Suape é um patrimônio pernambucano que teve a atenção de todos os governantes do Estado. É um grande complexo industrial, o porto é bem situado e tem calado, por isso, temos tudo para ser um grande exportador na região. Não existe nenhum porto aqui com a qualidade de Suape. Entretanto, não há nenhum porto importante no mundo que não tenha um ramal ferroviário.
Para transformar Suape em grande importador e exportador é preciso um ramal ferroviário. Caso contrário, daqui a 20, 30 anos, o porto estará limitado à mesma situação que se encontra hoje. A ferrovia tem que estar lá, não há outra alternativa. Estamos exportando frutas de Petrolina pelo Porto de Pecém, que é mais distante, embora boa parte da produção vá de avião. A partir de Caruaru, o trânsito para chegar a Suape começa a complicar, por isso o produtor procura rotas melhores.
Também há dificuldade de instalar mais indústrias em Suape?
Sim. Mas Suape tem uma potencialidade enorme, tem espaço, é um complexo. O que estamos trabalhando em Suape é fazer com que as indústrias lá instaladas tenham uma sinergia com as novas indústrias que podem chegar. Ou seja, a ideia é instalar indústrias que tenham vocação e produção semelhantes às que já se encontram lá, para que tenham uma boa relação, possam se unir e exportar juntas.
Sobre a desindustrialização, como o senhor analisa o baixo investimento do setor na modernização dos equipamentos e em inovação? E como o senhor avalia o Programa Nova Indústria Brasil?
A desindustrialização é uma participação menor da indústria no PIB. Um dos motivos naturais é o crescimento do setor de serviço ligado à transformação digital. Além disso, há outros motivos relacionados à velocidade desse processo de desindustrialização. Há falta de investimento porque a taxa tributária da indústria é muito elevada.
É necessária uma reforma tributária para nivelar isso. Precisa haver condições de igualdade porque o imposto que as empresas de fora pagam para colocar mercadoria no Brasil é muito menor. Assim, temos uma concorrência desleal e, como somos muito taxados, sobra pouco recurso para investir em transformação digital, em equipamentos novos com menos poluição e menor custo.
O programa Nova Indústria Brasil é muito bom, é tudo que a indústria quer: investimento em modernidade, em tecnologia com custo menor, inclusive um custo subsidiário. Mas é necessário implementar esse programa, transformar o sonho em realidade. O anúncio foi de R$ 300 bilhões para poder financiar o setor, é uma maravilha. Mas está onde? Eu posso agora ir no Banco do Brasil, ou no BNB, ou no BNDES e dizer: “olha, sabe aquele programa? Eu quero os recursos. Está pronto?” Não está. Então, a gente precisa transformar palavras em realizações.
Nós temos o Instituto Senai de Inovação, somos inclusive credenciados pela Embrapii, que é a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial, e estamos prontos para auxiliar todas as indústrias nessa transformação digital. Nós podemos chegar na indústria, fazer o diagnóstico, sugerir mudanças, sugerir máquinas e equipamentos de controles para começar um processo de transformação digital dentro das grandes empresas. Precisamos desmistificar um pouquinho essa questão da indústria 4.0 porque é uma palavra que teoricamente assusta.
Como assim?
Há pessoas, nas empresas, que perguntam “como estou na 4.0, se ainda utilizo um motor do século passado?” A gente chama a 4.0 de quarta revolução industrial. A primeira foi do motor a vapor, a segunda do motor elétrico, a terceira consideramos uma fábrica que produz numa sequência de linha de produção e a quarta revolução industrial é inserir inteligência de controles na empresa. É poder, por exemplo, possibilitar ao seu cliente fazer uma compra de forma digital e chegar até ele o pedido, é começar a registrar o tempo que aquela máquina passou parada e informar para o gestor, ou seja, com coisas mínimas você transforma a sua indústria.
Muita gente só imagina que 4.0 são as grandes fábricas de automóveis. Elas são e têm um índice de transformação alto. Mas há microempresas com um índice de transformação 4.0 mais baixo, mas que estão no processo, como todas as empresas precisam entrar. O Instituto Senai de Inovação está aí para ajudar.
Voltando à questão da desindustrialização, vocês, então, têm a expertise de fazer o diagnóstico e de propor as mudanças para as indústrias, agora o que falta é investimento?
Olha, já teve início o programa Brasil Mais Produtivo, ao qual todos os Estados estão se cadastrando para transformar as indústrias do País como um todo. É um projeto subsidiado pelo Governo Federal e os institutos de tecnologia estão aptos para fazer essa transformação digital, que é o nosso caso. Enfim, esse programa precisa andar com velocidade e os recursos precisam chegar também com velocidade. Nós precisamos que as coisas andem para não serem como a Transnordestina que esperamos há 10 anos. É um projeto urgente. Essas iniciativas andam muito lentas. Há quantos anos estamos discutindo o projeto do Arco Metropolitano?
Diante dos impactos provocados pelas mudanças climáticas, a questão da transição energética, existe espaço em Pernambuco para a chamada “neoindustrialização”, a fabricação de equipamentos e produtos voltados para a nova fase mundial de mais cuidado com o meio ambiente?
A neoindustrialização se confunde com o programa Brasil Mais Produtivo, porque nada mais é do que ter uma indústria com melhor tecnologia para inovar. Em relação à questão energética, no Brasil, estamos em um momento interessante de oferta de energia com a maioria dos reservatórios bem abastecidos e uma oferta eólica muito boa no Nordeste.
Em Suape, estamos instalando um hub de hidrogênio verde. Por meio da hidrólise da água, separamos oxigênio do hidrogênio, que é captado e armazenado e, em seguida, ele se transforma em energia. Esse trabalho é um desenvolvimento tecnológico do Senai, porque o Sistema Fiepe está trabalhando fortemente em tecnologia.
Então, podemos afirmar que estamos vivenciando uma certa abundância energética quando comparamos com momentos em que não tínhamos nem água nos reservatórios e nem energia eólica. Porém, agora, precisamos de linhas de transmissão com maiores capacidades para que a energia chegue com qualidade nas cidades. Hoje a geração está boa, não se ouve falar que estamos próximos de um apagão. Mas a falta de energia acontece porque entra em colapso aquele sistema que está dimensionado para uma quantidade de carga. Quando essa carga é aumentada chega uma energia com amperagem fora das especificações.
Como o senhor avalia a mão de obra do setor industrial no Brasil e em Pernambuco?
A qualidade da mão de obra é sempre sofrível. Temos uma educação deficitária. Por isso, a escola do Sesi funciona como auxiliadora do Senai, pois muitos alunos chegavam no Senai sem conhecimentos básicos. Dessa forma, o Sesi entrou no Sistema S para auxiliar na formação de um ensino básico de qualidade. Hoje, temos 8 mil alunos no Sesi, com um ensino de qualidade altíssima, alto índice de aprovação em vestibular e alunos disputando campeonatos mundiais de diversas modalidades.
Então a educação é sofrível no nosso Estado e precisa realmente de uma atenção diferenciada de todos. Iniciamos uma parceria com o Governo do Estado para oferecer o ensino profissionalizante aos alunos do Novo Ensino Médio. Muitos já vão sair com um curso profissionalizante fornecido pelo Senai. A carência de mão de obra qualificada é tanta que atualmente temos uma empregabilidade de 80% dos alunos egressos de cursos profissionalizantes do Senai. O sistema Fiepe, através de Sesi, Senai e IEL, tem buscado essa qualificação. O Senai, por exemplo, foi o grande preparador de mão de obra na instalação de empreendimentos importantes como a refinaria e a fábrica da Jeep.
Quais os desafios enfrentados atualmente pelo Polo de Confecções do Agreste?
O Polo de Confecções não está bem, ele sofre uma concorrência muito grande dos produtos chineses e do material asiático. Até pouco tempo atrás não se pagava taxa de importação na compra de produtos internacionais no valor de até US$ 50 o que equivale a cerca de R$ 250. Essa concorrência atingiu diretamente a indústria de vestuário e o têxtil, que são dois ramos “siameses”. Então, não sobra recursos, não é possível investir em modernização e tecnologia, em mais operários, porque são taxados e ainda pagam impostos que o seu concorrente externo não paga. Recentemente, foi aprovada no Senado a lei que prevê a taxação de 20% nas compras internacionais de até US$ 50, que é bem-vinda, mas é insuficiente para resolver a situação.
O senhor é da indústria da construção civil, como está este setor que também vem sofrendo com a questão dos juros diante dos financiamentos da casa própria?
A construção civil tem alguma expectativa melhor, primeiro porque ela emprega muito, e a carência de infraestrutura é muito grande. Ou seja, vivemos em um local aonde o déficit de casas, estradas, obras é muito pesado e quem resolve isso é a construção civil. Assim, é possível diminuir a taxa de desemprego, investindo no setor, essa é a resposta mais rápida. Então ninguém está vivendo em céu de brigadeiro, mas há setores que estão com mais dificuldades e menos expectativas que outros. Eu enxergo a construção civil com uma expectativa melhor, tanto em relação às obras de infraestrutura, quanto em relação à casa própria, pois, o País está carente das duas.