O que quer a Geração Z no mercado de trabalho? - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

O que quer a Geração Z no mercado de trabalho?

Rafael Dantas

Jovens profissionais não temem mudanças, valorizam a qualidade de vida e preferem horários de trabalho flexíveis impactam o ambiente corporativo e até os sindicatos.

*Por Rafael Dantas

Agenda TGI

O choque de gerações é um campo de tensão recorrente, seja nas famílias, na sociedade ou mesmo nas corporações. A chegada ao mercado de uma leva de novos profissionais nativos digitais, que enfrentaram uma pandemia e que nasceram em um mundo globalizado não aconteceria sem grandes transformações. A Geração Z, dos profissionais nascidos entre 1995 e 2010, tem objetivos claros, menos medo de mudanças e posicionamentos que encantam e assustam as empresas que operam em níveis mais tradicionais.

A Geração Z já corresponde a mais 45 milhões de brasileiros, segundo os dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Desse grupo, 48% estão em atividade no mercado de trabalho, mas estão longe de ser um grupo homogêneo também. Ao mesmo tempo em que parte desses jovens já ocupa postos de liderança nas empresas, há os que apresentam um perfil típico de tender a trocar de emprego com muita facilidade – sem o apego dos trabalhadores mais antigos ao posto – e ainda os chamados “nem-nem” (dos que nem trabalham, nem estudam).

Para ilustrar essa realidade, um estudo do IOS (Instituto da Oportunidade Socia) apontou que 64% dos jovens da Geração Z no Brasil têm planos de subir na vida profissional, ocupando cargos de liderança. Enquanto isso, o relatório Relatório de Clima & Engajamento, da Gupy, indicou que esses jovens ficam em média 15 meses a menos no mesmo emprego que os trabalhadores de outras gerações. Na média, o estudo indicou que esses profissionais permanecem apenas nove meses no mesmo trabalho. Em paralelo, um a cada cinco brasileiros (9,6 milhões) nessa faixa etária estão no grupo dos “nem-nem”, segundo o IBGE.

Lidar com perfis diferentes não é uma tarefa das mais fáceis para as empresas, especialmente por conta dos novos desejos profissionais e de vida que movem esses jovens. Movem de verdade as suas carreiras e trajetórias. De acordo com dados da Deloitte, os principais motivos que fazem a Geração Z permanecer em seus trabalhos são a perspectiva de desenvolvimento de habilidades (37%) e o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional (34%).

A consultora da TGI, Carolina Holanda, avalia que sempre que novas gerações entram no mercado de trabalho, há um certo estranhamento por parte das empresas. Ela considera essa dificuldade como natural, visto que cada geração tem comportamentos e preferências que mudam a partir do contexto social, econômico e cultural em que foram formados. “Hoje, observo que parte dos empresários e gestores percebem os jovens da Geração Z como impacientes, inclusive com o processo de crescimento profissional, com pouco comprometimento com a atividade desenvolvida e com a empresa (mudam facilmente de trabalho, se considerarem que terão ganhos – e não só de remuneração), com um maior rigor em separar a vida profissional da vida pessoal e com maior pragmatismo”, considera a consultora.

Carolina avalia que os traços mais mencionados pelos empresários se devem ao fato dessa geração ser formada pelos nativos digitais e hiperconectados. Outras questões apontadas pelas gerações anteriores sobre os jovens profissionais são as dificuldades de planejar, cumprir algumas formalidades empresariais e uma menor tolerância à frustração.

Carolina Holanda afirma que os gestores percebem esses jovens como impacientes, inclusive com o processo de crescimento profissional, e que mudam facilmente de trabalho. “ Mas ,também, notam que apresentam capacidade de desenvolver diversas tarefas, engajamento nas causas que acredita e facilidade com a tecnologia”

Se existem muitos problemas nessa adaptação, existem também elementos muito bem avaliados pelas empresas desses novos profissionais que chegam ao mercado. “Há quem observe características bem interessantes como a capacidade de desenvolver diversas tarefas, engajamento nas causas que acredita e uma enorme facilidade com a tecnologia. Em geral, a Geração Z busca por uma empresa que tenha propósitos e valores semelhantes aos seus e que, de fato, ela perceba isso na prática empresarial. Além disso, dá preferência a empresas que são flexíveis e que criam ambientes favoráveis ao desenvolvimento profissional. Apesar do uso da tecnologia e das redes sociais, essa geração também considera importante uma comunicação pessoal e direta com os principais gestores e pares”, explica Carolina.

PROMOÇÃO X QUALIDADE DE VIDA

O recifense Weydson Ferreira, atualmente com 30 anos, trabalhou numa padaria perto de sua casa por alguns anos. Estava confortável, mas sem perspectivas de crescimento. Decidiu buscar emprego em uma multinacional. Foi contratado em uma função inicial, mais braçal, cresceu na companhia até chegar ao setor comercial, como promotor de vendas.

Mesmo com vários reconhecimentos de vendedor do mês e logo após receber uma promoção, ele pediu as contas e arriscou uma transição para trabalhar em Portugal. Para conseguir o sucesso no emprego e fazer faculdade à noite, ele encarava uma jornada das 6h às 23h.

“Larguei tudo por causa da sobrecarga, do excesso de trabalho. Chegava em casa cansado, sem disposição de sair com a família. Eu tinha um bom trabalho, mas era muita pressão. Tinha acabado de ser promovido, mas não via perspectiva para o futuro. Via uma vida sempre assim, por mais que fosse bem-sucedido. Talvez ficasse doente. Fiquei mais vulnerável a doenças por estar constantemente trabalhando”, conta Weydson.

Weydson Ferreira: "Larguei tudo por causa do excesso de trabalho. Chegava em casa cansado. Eu tinha um bom trabalho, tinha acabado de ser promovido, mas não via perspectiva. Via uma vida sempre assim, por mais que fosse bem-sucedido."

Casado e com uma filha de 6 anos, ele sabia que era um risco atravessar o oceano para abraçar uma oportunidade que surgiu inicialmente para sua esposa no setor de beleza. Ao chegar em Portugal, ele abraçou um trabalho como auxiliar de eletricista – atividade em que não tinha nenhuma experiência – e passou a trabalhar fazendo instalação de placas solares e ar-condicionados. Mas viver em uma cidade pequena, numa região mais rural e cercada de praias, promoveu a almejada qualidade de vida que ele buscava.

Morar no Algarve trouxe novas oportunidades e uma perspectiva diferente para Weydson. Ele aproveita a proximidade das praias e a vasta oferta de lazer na região, ao mesmo tempo em que planeja seu futuro acadêmico, utilizando a nota do Enem para ingressar na universidade em Portugal. Além de seu trabalho principal, Weydson também atua como agente de viagens, um trabalho remoto que o permite explorar seu gosto por vendas. A mudança para Portugal, embora inicialmente desafiadora, está sendo transformadora e satisfatória, trazendo uma nova visão sobre o que é viver com qualidade e propósito.

As transições que levaram Weydson a mudar até de país estão conectadas com esse desejo da geração de não voltar a vida apenas para o trabalho. “A Geração Z, diferente das outras gerações, entende sucesso profissional não apenas como conquistar altos cargos e salários, mas, principalmente, ter oportunidades de realizar atividades com que se identifique e que lhe permitam ter equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Para eles, trabalhar excessivamente e assumir cargos que demandam maior responsabilidade e pressão não são sinônimo de sucesso”, caracteriza Carolina Holanda.

FLEXIBILIDADE PARA ATINGIR OS OBJETIVOS

A flexibilidade permitida pela atividade profissional é um dos grandes atributos que essa geração busca em seus trabalhos. Os regimes em home office ou híbridos costumam ser os favoritos. Um estudo deste ano do ADP Research Institute revelou que 71% dos jovens preferem procurar outro trabalho a ter que voltar ao regime presencial.

Esse desejo da flexibilidade, no entanto, é anterior às possibilidades corporativas do mundo pós-pandemia. Jean Barros, 28 anos, morador de Olinda, deixou alguns empregos pelo caminho pela dificuldade de permanecer no seu objetivo que era estudar para uma carreira pública.

Após um ano e meio servindo no quartel, ele conseguiu um emprego em uma rede nacional de gelaterias Em pouco tempo se moveu para ocupar o melhor horário da loja, cujo expediente terminava às 15h. O ritmo permitia que ele trabalhasse enquanto se preparava para o próximo passo profissional. Com insistentes mudanças de posição na empresa, que o movia para trabalhar em unidades mais distantes da sua casa, ele pediu demissão.

Da saída do emprego até alcançar seu objetivo, ele trabalhou em vários locais. Atuou como serralheiro, músico (guitarrista), professor, dirigiu as finanças de uma empresa da família e até empreendeu em uma gráfica. Sempre em busca de postos que garantisse a sua renda, mas que possibilitasse estudar.

“O que me fez pular de trabalho foi a flexibilidade, precisava disso para estudar. Na música encontrei retorno financeiro e horário adaptável. Foram várias mudanças para manter o foco no que queria: o concurso militar”, conta Jean Barros.

Jean Barros: "O que me fez pular de trabalho foi a flexibilidade, precisava disso para estudar. Na música encontrei retorno financeiro e horário adaptável. Foram várias mudanças para manter o foco no que queria: o concurso militar."

Ele considera que a vivência no quartel militar, no começo da vida laboral, mexeu com seus objetivos profissionais. Olhando para outros jovens na mesma idade, ele acha que a Geração Z não aguenta “muito acocho”, no sentido de ser pressionado. “Quando a coisa aperta muito, é comum largar”.

COMUNICAÇÃO ABERTA E PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS

Entre as inúmeras diferenças, a Geração Z tem um perfil de comunicação mais aberto. De falar o que sente e valorizar o feedback sincero. Ao mesmo tempo, não topa se submeter a situações de assédio, mesmo que as condições gerais de trabalho e remuneração sejam boas. Contrariando os estudos que apontam que a geração não para em nenhum trabalho, Inoã Liberato, de 22 anos, está há três anos na Di2Win. Formado em análise e desenvolvimento de sistemas pelo Senac, ele e metade da sua turma foram contratados como estagiários na empresa e depois como profissionais.

A Di2Win se mostrou um ambiente desafiador e estimulante, essencial para seu desenvolvimento técnico e pessoal. "Preciso de um ambiente que me estimule e que tenha uma pressão saudável. Sem isso, perco o interesse", explica Inoã, que está cursando o mestrado na UPE e sonha conciliar a carreira de desenvolvedor com a docência na área de tecnologia.

Sobre o ambiente de trabalho, Inoã é enfático: "Transparência e comunicação assertiva são fundamentais. Isso gera confiança e um clima descontraído". Ele conta que a Di2Win valoriza a liberdade e a flexibilidade, permitindo que trabalhe remotamente quando necessário, sem comprometer seu desempenho. "Minha estratégia é a longo prazo. Valorizo o suporte que a empresa me dá para crescer tecnicamente e profissionalmente".

Inoã Liberato: "Preciso de um ambiente que me estimule e que tenha uma pressão saudável. Sem isso, perco o interesse. Transparência e comunicação assertiva são fundamentais. Isso gera confiança e um clima descontraído."

Ele mesmo não concorda muito com os estereótipos que cercam a Geração Z como problemática, por não ter foco no futuro. Mas considera que o ambiente profissional repetitivo e sem impacto é um fator comum para desestimular os jovens profissionais como ele.

DISTANCIAMENTO DOS SINDICATOS

A dificuldade de comunicação não é uma exclusividade das corporações mas, também, está visível nos índices cada vez menores de sindicalização. Os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelam que em uma década a participação de jovens trabalhadores (entre 18 e 24 anos) caiu 73%. A informalidade do trabalho, associada à pejotização e à preferência por manifestação direta nas redes sociais (ao invés de levar as reivindicações ao sindicato) podem estar relacionadas ao distanciamento das instituições sindicais.

Em um artigo para o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), o sociólogo Clemente Ganz Lúcio revela que há novos fatores que afastam esses jovens da filiação a um sindicato e propõe uma reflexão sobre o papel dessas organizações de trabalhadores. “O sindicato é antiquado? Está parado no tempo? Mantém-se longe do mundo real precário e inseguro? Atua com linguagem que não comunica? Gerar respostas críticas e qualificadas a essas questões pode iluminar a elaboração de inovações para o trabalho de sindicalização e de formulação de estratégias consistentes para o futuro do sindicalismo”, avalia o sociólogo.

Ao comentar sobre o relatório Negociando Nosso Caminho, da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), Clemente Ganz Lúcio afirma que, apesar da distância sindical, esses jovens “são mais apegados à solidariedade, apoiam mais ações coletivas como manifestações ou iniciativas para arrecadar fundos para causas sociais ou políticas”. Eles têm participação semelhante aos mais velhos em organizações ambientais ou de consumidores, mas não nos sindicatos.

QUALIDADE DE VIDA QUE RIMA COM SAÚDE MENTAL

Além dos desafios profissionais e da comunicação aberta com as lideranças, outro fator que não é negociável para a geração, segundo Inoã, é a saúde mental. Essa preocupação já é mapeada por vários estudos. Uma pesquisa do Workmonitor revelou que a ausência de uma rede de assistência à saúde mental é um dos principais motivos que impulsionam os jovens a abandonarem seus trabalhos. Mesmo que o desemprego seja um dos temores dessa geração, o levantamento apontou que 50% deles preferem se demitir a permanecer em um lugar que não gostam.

O médico e psicanalista Vitor Barreto considera que a ansiedade, tão característica da Geração Z, é um problema que afeta todas as pessoas, sendo ampliada por um conjunto de aspectos da vida moderna, como a superficialidade das relações humanas, a falta de profundidade no conhecimento e as diversas estratégias de captação da atenção pelos meios de comunicação para fins comerciais.

“A Geração Z cresceu nesse ambiente, então esses aspectos são normais para eles, mas ainda assim prejudiciais. Isso é evidente na forma como se envolvem em realidades virtuais e se distanciam da realidade social. Eles vivem em um constante ‘sonho acordado’, o que pode levar a uma normalização da ansiedade”, destacou Vitor Barreto.

Vitor Barreto: "A Geração Z enfrenta dificuldades emocionais como desconexão consigo mesma, com os outros, com a sociedade e até com a cultura. O que essa geração realmente precisa é de acolhimento humano."

O psicanalista destaca que a ansiedade dificulta a compreensão do estado emocional e existencial e afirma que os profissionais que sofrem com isso precisam de acolhimento e compreensão para desenvolver competências emocionais para superar esses problemas.

“A Geração Z enfrenta dificuldades emocionais como desconexão consigo mesma, com os outros, com a sociedade e até com a cultura. Os transtornos mais comuns incluem ansiedade generalizada, depressão, transtornos de personalidade, transtorno do espectro autista, TDAH e transtorno opositor desafiador. Vale lembrar que diagnósticos psiquiátricos são construções teóricas para tentar entender experiências humanas, mas são descritivas e não compreensivas. O que essa geração realmente precisa é de acolhimento humano”, sugere o médico.

Para receber melhor esses jovens e apoiá-los, o médico sugere que as empresas ofereçam atendimento individual e coletivo em saúde mental para seus profissionais. “É importante entender que o trabalho pode ter uma importância diferente para cada pessoa e evitar que ele tente suprir a experiência humana de forma global, pois isso nunca será suficiente. O trabalho não deve assumir esse papel”.

Os sonhos, motivações e disposições dos profissionais dessa geração não são exclusivos desses jovens, mas revelam algumas camadas de complexibilidade maior que as dos trabalhadores mais velhos. Os desafios diante deles também, com o avanço da inteligência artificial e desregulamentação cada vez maior das atividades laborais. Em meio a muitos estereótipos, verdades e versões desses jovens existe um grito por propósito e qualidade de vida.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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