O porto que marcou a retomada do desenvolvimento pernambucano vive um momento decisivo, pressionado por gargalos logísticos e pela reconfiguração da ferrovia.
*Por Geraldo Eugênio
Um bom começo, Suape
O Porto de Suape, localizado entre os municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, foi uma das iniciativas mais ousadas do Governo do Estado de Pernambuco. Sua pedra fundamental foi instalada em 1974 pelo então governador Eraldo Gueiros Leite, depois de ao menos 20 anos de estudos técnicos que identificariam a região como a mais adequada a um empreendimento dessa magnitude. Este ano o porto completou 51 anos desde seu início. Ele representou o despertar de Pernambuco de um longo período de decadência do Estado.
O Recife, de terceira cidade mais importante no País, começou a ceder espaços para outras, sendo ultrapassada por Salvador e Fortaleza e se contentando em ser a terceira cidade da região. Passaram-se nada menos do que 38 anos até quando, no primeiro Governo Lula, em uma decisão dos governos do Brasil e da Venezuela, bateu-se o martelo para a instalação da Refinaria de petróleo Abreu e Lima no Complexo Industrial Portuário de Suape. Poucos pernambucanos têm ideia do que representou a escolha do presidente Hugo Chávez tomando como base um fato histórico, pouco comemorado por aqui, que foi a participação do General Abreu e Lima nas guerras de libertação de vários países da América do Sul, sob a liderança de Simón Bolívar.
Uma segunda decisão estratégica tomada pelo presidente Lula foi a escolha de Goiana como sede da empresa Stellantis, base de fabricação dos veículos Toro, da Fiat e dos SUVs da marca Jeep. Portanto, Suape, a Refinaria Abreu e Lima e a fábrica da Stellantis representam os três pilares nos quais está assentada a nova política industrial de Pernambuco.

Suape – Salgueiro, um plano de risco
Alguns condicionantes foram negociados para que a obra se tornasse completa. Primeiro, a construção de uma ferrovia ligando a região de minérios, no estado do Piauí, e a construção do Arco Metropolitano, ligando a cidade de Goiana ao Porto de Suape.
O primeiro, após 20 anos de discussão, decidiu-se pela construção da alça sul, que conecta a BR-232, mas – que se diga em bom tom – não atende ao que havia sido negociado. Este semiarco não resolve o problema do congestionamento do transporte de automóveis de Goiana ao porto. Quanto à alça norte do projeto, desencontros, pressões, timidez nas decisões governamentais impedem que se continue com o traçado que atravessa uma área de reserva florestal comprometida com as invasões de classe média que dela se apropriou. Não são poucos os países do mundo em que ferroviais, rodovias, canais, arcos metropolitanos foram construídos em áreas de reserva, obedecendo-se às exigências ambientais de cada nação ou comunidade.
Chama-se a atenção que na cidade de Hyderabad, sul da Índia (um país sete vezes mais populoso que o Brasil e com 40% da área), foi possível a construção de um arco metropolitano de 156 quilômetros, com oito faixas de rolamento e quatro adicionadas, quando da aproximação de vilas e comunidades em um período de 15 anos. Um outro fato que merece um comentário nada apropriado é o fato de que o arco metropolitano da cidade de São Paulo, com uma dimensão aproximada do de Hyderabad, demandou 46 anos para sua conclusão.
O segundo condicionante estratégico para a plena integração do Complexo Industrial Portuário de Suape com o interior do Estado, com as áreas de mineração do oeste de Pernambuco e do Piauí e com o cerrado brasileiro era a ferrovia Transnordestina em seu traçado inicial que se inicia em Suape e iria até Eliseu Martins, no estado do Piauí. Considerando-se que uma ferrovia com aproximadamente 1.124 quilômetros, não poderia deixar de ser construída a partir do porto. Mas foi o que aconteceu, fazendo com que essa obra permaneça inacabada após investimentos vultosos tenham sido comprometidos.
A construção foi tocada sem a devida atenção e acompanhamento por parte do Estado que mais necessita dela, Pernambuco. Até que em 22 de dezembro de 2022 o Governo Federal renegociou com a concessionária um novo traçado para ferrovia, alijando o que seria seu trajeto principal. Salgueiro-Suape foi substituído pelo traçado que priorizava o Porto de Pecém, no estado do Ceará e que se encontra próximo de ser concluído.
Anos de descaso e a pá de cal
Merece o registro da falta de reação por parte das lideranças políticas e empresariais do Estado para com esse anúncio, o que definitivamente limitaria o Porto de Suape a um hub secundário. Até hoje não há como se entender este misto de passividade e descaso. O problema é que entre Salgueiro e o município de Custódia haviam sido instalados 170 quilômetros de trilhos que há 10 anos seguem em processo de deterioração irreversível.
Ainda em relação ao fator estratégico para Pernambuco pouco se deu atenção ao fato de que a ligação do Estado com um dos principais polos agropecuários passou despercebido, mesmo para a indústria de gesso, instalada na região Oeste do Estado, a principal beneficiária a partir de sua aproximação com as áreas agrícolas do Brasil Central. Isso porque o gesso agrícola é produzido a partir do minério da gipsita, cujas jazidas estão localizadas no Sertão do Araripe, e sua utilização pode melhorar a produtividade do solo do Cerrado brasileiro.
Recomeço sem a devida atenção
Em 2023 o Governo Federal decide pela retomada do trecho original e há duas semanas lança-se o edital para o reinício das obras de ligação entre o hub Salgueiro e Suape. Mesmo tendo consciência do valor estratégico dessa obra e do que representa para o futuro de Suape, o projeto foi tocado sem a devida atenção e agora se depara com duas situações que merecem uma atenção mais que especial. A primeira é quanto à bitola dos trilhos. Entre Salgueiro e Pecém a ferrovia pode receber comboios de bitola estreita, para cargas mais leves e de bitola larga, demandada para cargas de alta densidade, tal qual minérios de ferro e derivados. Já que Pernambuco não conta com uma siderurgia que demande bitola larga, esta não seria no primeiro momento, tão demandante quanto os trilhos de bitola estreita. Uma segunda limitação com que se depara a obra é que a partir de Arcoverde o novo traçado exigirá a presença de uma terceira locomotiva acoplando-se ao comboio, para vencer o aclive ou declive existente.
Ou o Estado de Pernambuco passa a tratar a ferrovia como uma obra estratégica para seu futuro ou, quando for concluída, poderá ter um efeito limitado ao que dela poderia se esperar. O grau de amadorismo dispensado excedeu ao máximo, desde a decisão de se iniciar a construção por onde não havia cargas, seguindo-se das questões apresentadas que podem comprometer severamente a boa vontade e a torcida pela conclusão desse instrumento estratégico para Pernambuco, mas também para os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas que contavam com a ferrovia em seu traçado original para fortalecer seus planos de conexão a Suape que, assim, se tornaria o principal hub do Nordeste Oriental.
