Wagner Gomes conta como, de apresentador de shows em Arcoverde, tornou-se um dos mais conhecidos profissionais do rádio pernambucano, fala da sua trajetória que começou como repórter esportivo de campo e do trabalho com ícones como Graça Araújo e Geraldo Freire. Também analisa as perspectivas desse meio de comunicação diante do avanço das mídias digitais.
O ano de 2024 tem sido muito especial para Wagner Gomes. O jornalista, natural de Arcoverde, recebeu no mês passado o título de Cidadão do Recife, na Câmara de Vereadores da cidade, festejou seus 50 anos e comemorou a edição nº 500 do programa Mesa de Bar, que completa em dezembro 10 anos no ar. Para falar da sua trajetória de sucesso no rádio pernambucano, Wagner conversou com Cláudia Santos e Rivaldo Neto. Ele também analisou as perspectivas desse meio de comunicação diante das transformações provocadas pela internet.
Afirmou que o rádio teve a capacidade de se renovar ao agregar as novas ferramentas digitais. “Tudo que foi surgindo, ele foi incorporando. Toda emissora de rádio que se preze hoje transmite, no mínimo, pelo Youtube e coloca imagens, cortes, vídeos”, constata. “Mas mantém a plataforma. Inclusive agora, nessa crise das enchentes no Rio Grande do Sul, o que salvou a comunicação por todo o estado foi o rádio. Como a TV e a internet não funcionavam, o radinho de pilha estava lá informando”, salienta, mas afirma não acreditar na longevidade dos podcasts.
Como começou sua carreira no rádio?
Fale um pouco da sua trajetória. Começou por acaso. Depois de ser reprovado no vestibular para engenharia mecânica no Recife, precisei voltar para minha cidade, Arcoverde. Lá, em brincadeiras com amigos, festas, eventos e depois fui apresentando shows, todos diziam que eu tinha boa dicção, mas eu nunca levei a sério. Então, em 1994, quando tinha 20 anos, entrei pela primeira vez no ar em um estúdio de rádio, na Itapuama FM. Depois, passei pela Metropolitana FM, de Pesqueira.
Em 1997, voltei para o Recife para fazer vestibular novamente, dessa vez passei e cursei Comunicação na UFPE. Em 1999, Luciano do Vale veio para o Recife, pois havia comprado os direitos de transmissão do Campeonato Pernambucano e precisou montar uma equipe aqui. Entrei para a equipe como um dos repórteres de campo. Depois que o campeonato acabou, Luciano vendeu os direitos de transmissão para a TV Globo e eu fui para rádio Universitária AM fazer o estágio da grade curricular.
Em junho de 2000, passei na seleção de estagiário no Sistema Jornal do Commercio. Quando ainda não havia começado no estágio, recebi uma ligação de Roberto Souza, que era chefe de jornalismo da rádio, perguntando se eu estava disponível para cobrir uma cerimônia, e eu aceitei. Na rádio, Roberto disse que a pauta era a publicação da ordem de serviço da duplicação da BR-232 no Palácio do Campo das Princesas. O evento estava lotado.
Quando cheguei, Jarbas estava discursando. Havia deputados, vereadores e a imprensa com várias emissoras de rádio, TV e jornais. Quando o governador fez a cerimônia e assinou, todos os jornalistas foram pra cima pra pegar o depoimento dele, as câmeras se posicionando. Eu fui por baixo de todos e subi com um gravadorzinho da Rádio Jornal no meio das pessoas. Quando me abaixei, fui entrando, ele foi chegando e eu já engatei a primeira pergunta antes de todo mundo. No dia seguinte, quando cheguei na redação para trabalhar e editar minhas matérias, Roberto me mostrou a foto de capa do Jornal do Commercio, em que eu aparecia ao lado do governador. Ele me disse: “que estreia, hein!”.
Um ano depois, o diretor me ligou e falou: “eu quero ver como você se comporta no estúdio”. Comecei a apresentar o programa Redator de Plantão com o locutor principal na ocasião, que era o Rinaldo Melo. Eu estava bem tranquilo, li a abertura do programa. Mas quando Rinaldo começou a falar, eu tremi. Pensei: o que eu estou fazendo aqui?. Ele com um vozeirão, uma elegância. Mas ele sempre muito gentil, muito elegante, no final me parabenizou.
Depois, fui convidado para produzir o programa de rádio de Graça Araújo, com aquele formato de consultório, que estava muito desacertado por falha de produção. Elaborei um script, que o programa não tinha, levantei as vinhetas, a abertura do programa, as falas e coloquei na mesa dela, entreguei um para o operador e fiquei com o meu para apresentar com Graça. Quando terminou o programa, ela me pegou pela mão e disse: “o cara é esse aqui”. Fiquei na produção com ela e aprendi muita coisa. Graça Araújo contribuiu muito na minha formação como jornalista. Eu estava terminando a faculdade.
Como começou sua parceria com Geraldo Freire?
Quando terminei o curso, saí da rádio e voltei em 2004 já contratado por Geraldo Freire para ser seu produtor. Acordava todos os dias às 3 horas da manhã, tinha que estar na redação às 4h para montar o programa com ele. Comecei em fevereiro, bem pertinho do Carnaval. Como eu já tinha aquele trabalho de experiência de palco em Arcoverde, nesse período de 2002 a 2004, comecei a apresentar o Carnaval do Marco Zero para a Prefeitura do Recife. Era um contrato muito bom, eu ainda estudando e ganhava o dinheiro de praticamente um ano.
Prestes a apresentar o Carnaval em 2004, Geraldo me chamou para trabalhar com ele e eu disse que aceitava o convite, mas com a condição de começar depois do Carnaval. Ele disse “não, quero você amanhã indo lá. Se vire”. E eu me virei. Terminava no Marco Zero lá pelas 3h30 para 4h ir para a rádio. Virava direto, pois eu chegava às 17h no Marco Zero. Só sei que numa dessas viradas, eu produzi um material sobre saúde com perguntas para médicos. No outro dia o outro produtor, Roberval Medeiros me disse: “oh, Wagner, vem cá, onde tu ouvisse falar em trombose venenosa?” Eu morrendo de sono do Carnaval, escrevia e começava a cochilar e, no lugar de digitar trombose venosa, escrevi trombose venenosa e saiu a pergunta no ar “como evitar uma trombose venenosa?” Enfim, aconteceram essas coisinhas bem pontuais.
Quando foi em setembro daquele mesmo ano, 2004, Geraldo me chamou para apresentar o programa com ele. Um dia ele me chamou no estúdio e, daquele jeito dele, me perguntou: “você tem culhão?”. Respondi: “claro, tenho”. Aí ele falou: “sábado é você que apresenta o programa”. A partir daí, além de produzir o programa na semana, passei também a apresentar aos sábados. Fiquei até 2010, quando fui demitido e retornei em 2014, a convite de três diretores da rádio como reforço no projeto do JC News. Quando o JC News chegou ao fim, fui convidado a voltar a trabalhar aos sábados na Rádio Jornal com Geraldo Freire. Aceitei com a condição de implementar alguns projetos, entre eles, o programa Mesa de Bar, que foi ao ar no dia 5 de dezembro de 2014. Portanto vai completar 10 anos este ano, e faremos um evento para celebrar.
Como foi a estreia do Mesa de Bar? É um formato bem diferente para um programa de rádio, não é?
Sim, é bem diferente. O formato não é inédito, mas é diferente devido às conversas e à música fora do estúdio. Ele não é um programa de entrevista, é um programa musical, em que falamos de gastronomia, cultura, futebol, de tudo. A conversa surge naturalmente, sem script, é abrir o microfone e falar. Tem uma hora e trinta minutos de duração e sempre termina com o pessoal reclamando que durou pouco.
A estreia foi meio desencontrada, pois comecei fazendo no estúdio, que geralmente recebia apenas três convidados, e eu chamei um monte de gente. O intuito era dar a aquela ideia de confusão de mesa de bar. Um dos convidados, nesse primeiro programa, foi Maciel Melo, que disse: “como que tem um programa chamado Mesa de Bar e aqui a gente só toma água?” (risos).
No segundo programa, convidamos André Rio, Ed Carlos e Renato Teixeira. No início de 2015, a rádio vendeu o patrocínio para um bar, saímos do estúdio e passamos a fazer temporadas do programa em bares como o Caldinho do Neném, Bistrô e Boteco no Shopping Recife e Entre Amigos – O Bode. Em janeiro de 2023, saí da Rádio Jornal e, em 13 de março, comecei o Mesa de Bar na Rádio CBN, onde também apresento programas com Geraldo Freire durante as manhãs. Levei o programa, porque fui eu quem o projetou, eu pensei, criei, tive a ideia. Então, fiz um registro no Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), um registro federal do programa para rádio, televisão, internet, qualquer meio de comunicação.
E a audiência acompanhou você?
Uma parte da audiência migra e outra parte fica, isso é normal, acontece. Mas tivemos que construir outra audiência. Hoje temos uma audiência no digital, pois transmitimos o programa pelo Facebook, Youtube e Instagram. Agora, na CBN, temos uma audiência que nunca tivemos antes, que é in loco. Onde estamos, a casa é cheia, principalmente quando vamos ao interior. No ano passado, na abertura do São João de Caruaru, fizemos o programa em ambiente público, na Casa Rosa que é um tipo de mercado. Foi uma loucura, estava lotado. Mas isso é um sintoma também da audiência do programa. O anúncio onde será gravado o programa é feito no rádio e na internet, então as pessoas sabem onde o programa está, por isso elas vão.
Esse formato híbrido, em que a audiência está no local e na internet, lembra um programa de auditório. Nesse tempo de convergência, como você vê o futuro do rádio?
O que está acontecendo hoje é uma divisão de mídias. A mídia mudou, os veículos tradicionais precisam migrar para a internet. Quem está sofrendo com isso hoje é a TV e o impresso. Os jornais maiores estão sobrevivendo, porque têm um grande número de assinantes em todo o País, os outros estão com dificuldade, mas migraram para a internet, para que as pessoas possam acompanhar as informações sempre atualizadas. A TV também está entrando nessa onda, migrando para uma plataforma na internet. O rádio, ao contrário, mantém a plataforma. Inclusive agora, nessa crise das enchentes no Rio Grande do Sul, o que salvou a comunicação por todo o estado foi o rádio. Como a TV e a internet não funcionavam, o radinho de pilha estava lá informando. Nessa guerra em que a Rússia cortou todas as comunicações da Ucrânia, a BBC de Londres reativou o sinal de onda curta para se comunicar com os ucranianos e quem tinha seu radinho de pilha em casa ouvia as notícias. Então, o rádio não vai acabar porque tem essa versatilidade, no momento que precisa, ele apresenta aquela ferramenta que a gente esqueceu.
É essa mistura da inovação com o tradicional que faz com que o rádio sobreviva? Que outras reconfigurações podemos destacar com a digitalização?
O rádio tem um diferencial em relação aos outros veículos. Tudo que foi surgindo, ele foi incorporando. Quando surgiu a internet, o rádio foi o primeiro a transmitir online, e as pessoas passaram a sintonizar em qualquer lugar do mundo, vencendo as dificuldades de transmissão. Se você estiver no Japão, consegue sintonizar a Rádio CBN. Com o avanço da internet, o rádio incorpora imagens. Ou seja, além de romper as barreiras do transmissor, ganhou imagem, tornando possível a transmissão de programas em mais de uma plataforma. Toda emissora de rádio que se preze hoje transmite, no mínimo, pelo Youtube e coloca imagens, cortes, vídeos.
Assim, o rádio consegue agregar tudo isso. Quando surgiu, era muito elitizado, porque existia o transmissor, mas o receptor era muito caro. Então, a elite se organizava, comprava a rádio e pagava um valor, como se fosse um rádio por assinatura. Era um clube ou uma sociedade de rádio. Por isso, muitas emissoras têm nomes como Rádio Clube de Pernambuco, Rádio Clube do Pará, Rádio Sociedade da Bahia. Nessa época, o rádio só tinha o cinema e o impresso como concorrentes, que também eram elitizados, e foi se popularizando.
Quando surgiu a TV, pensava-se que o rádio iria acabar, mas não acabou. Eles dividiram o espaço, houve uma divisão de mídias: a mídia TV ocupou um espaço e a mídia rádio ocupou outro. Depois foram surgindo outros artifícios que ajudaram o rádio, como o telefone celular, por exemplo, que ajudou na produção das reportagens. Mas a evolução digital trouxe um problema de readaptação em relação à publicidade, pois a internet chegou com uma proposta inovadora, barata e com grande assertividade, e todos os outros veículos tiveram que se modificar, porque o bolo de publicidade passou a ser dividido entre rádio, TV, impresso, internet e mídias sociais. As fatias vão diminuindo.
O rádio precisa trazer mais a internet para dentro, pois ele não é mais algo mítico que você ficava ouvindo. O rádio hoje é um veículo muito mais completo, com áudio, vídeo, fotos, com uma interação muito maior. Mas é o fim do rádio? Não, ele está em todo lugar, está no radinho de pilha, mas também no computador, no celular por receptor ou aplicativo, na Alexa e até na TV, pela Globoplay, você acessa a CNB.
Portanto, o rádio vai ter que se reinventar a cada minuto sempre: linguagem, plataforma, relacionamento com anunciantes e com o público, entendendo que a plataforma digital vai ser a base para toda comunicação. Mas o rádio vai continuar sendo o rádio, até porque, a audição é o sentido primário na formação do ser humano. O primeiro som que escutamos na vida é o som grave da circulação sanguínea e dos batimentos cardíacos da nossa mãe quando estamos na barriga. Por isso, o rádio é tão importante, e é um veículo que atende a vários públicos, como os deficientes visuais, entre outros. Além disso, com o rádio, é possível se informar fazendo outras atividades como dirigindo, no transporte público, caminhando.
Como você analisa o surgimento do podcast?
Sendo bem sincero, não vejo futuro nenhum porque é um rádio fatiado para um segmento que não está muito interessado naquilo. Eu só vejo alcance de podcats quando são as grandes corporações de comunicação que fazem, como a TV Globo que anuncia lá no podcast. Se for um podcast em vídeo, ainda vai. O podcast de áudio é uma coisa que eu, sinceramente, não acredito, é algo que surgiu e vai se transformar porque, na minha opinião, o formato não é adequado e o que se propõe a fazer não é nada novo.
E quais os seus planos agora?
Preciso investir no programa Mesa de Bar. Ele está crescendo muito e já está demandando investimentos e mudanças, principalmente para as plataformas digitais. Então meu projeto hoje passa exclusivamente pelo programa. Sinceramente, não penso mais em jornalismo, acho que o que eu tinha para fazer no jornalismo eu já fiz, os sonhos que eu tinha pra atingir eu já atingi e os que não atingi não atinjo mais. Então tenho que pensar nesse programa até porque eu sou um cinquentenário e quem faz 50 anos tem mais passado que futuro.
E há pouco espaço para a música local atualmente.
Exatamente. Além disso, a música que temos hoje já é pronta, você grava sua música e coloca na plataforma, mas e a contextualização dessa música? Como foi gravada e a composição? A música se enriquece muito quando a gente contextualiza o produto. Um exemplo dessa contextualização é o show do Moacir Franco, ele interpreta a música e também narra a história da composição, ele encena a música, fala sobre ela antes de começar a cantar. E o Mesa de Bar é isso, essa humanização ou encenação da música. Até porque o programa não é só música, tem conversa também.