Lígia Lima é uma das coordenadoras da Ameciclo, que é a Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife. Nesta entrevista concedida ao jornalista Rafael Dantas, ela avalia a implementação do Plano Diretor Cicloviário da Região Metropolitana e fala da relevância do incentivo ao modal para tornar a capital pernambucana numa cidade mais humana.
Qual a sua avaliação sobre os avanços da implantação do Plano Diretor Cicloviário da Região Metropolitana do Recife (PDC)?
LÍGIA – Avançou bem pouco. Tem uma parte da sua malha que é para o Estado fazer e tem uma parte que é para as cidades executarem, cada uma das 14 cidades. Sendo que a maior parte dessa malha está dentro do Recife. A ideia do plano é interligar as várias zonas da região metropolitana para onde tem mais empregos, que é o Recife. O plano foi bem construído e bem pensado, mas está sendo negligenciado até hoje. A PCR não executou esse plano. O projeto que eles têm de infraestrutura cicloviária é o das 12 rotas, que é a parte do PDC. Destaco que o plano partiu de pesquisas de contagem de ciclistas, de destinação, motivos de cidade e da avaliação das zonas de maior perigo. Tem toda justificativa para a malha correr naquelas vias que o PDC indica. O Governo do Estado começou a trabalhar esse plano recentemente. O plano tem metas de curto, médio e longo prazos. O Estado lançou nesse ano o primeiro trecho, de cinco quilômetros. Ele vai da Av. Rio Branco até a Fábrica do Tacaruna. Em 2016 o Estado tinha construído um projeto para ciclofaixa na Avenida Caxangá. Mas o projeto ficou atrelado ao corredor do BRT. Pelo que nos informaram, a ciclofaixa da Caxangá só sairia depois que o corredor do BRT estiver completamente terminado. Nossa luta hoje é para descasar esse projeto do BRT para ver se ele sai antes. Recentemente a questão da ciclomobilidade foi para secretaria de turismo. Está a passos lentos, mas ao menos o Governo do Estado está trabalhando para o plano se concretizar.
Como o estímulo ao uso das bicicletas na cidade contribui para o desenvolvimento do urbanismo sustentável?
A gente conversa muito sobre a importância de fazer o Recife ser uma cidade mais humana. Ter uma estrutura urbana mais humana. Quando toda sua malha viária é construída para o automóvel, você tira a cidade das pessoas e as ruas viram apenas canal de passagem e não de vivência. Quando diminui a velocidade na cidade é possível fazer que as pessoas não só passem pelas vias, mas vivam a cidade. E uma das formas de reduzir essa velocidade é diversificando o modo como as pessoas fazem seus percursos no dia a dia, estimulando principalmente o andar a pé e o andar de bicicleta, que são os percursos de menor distância. Quando as pessoas vivem a cidade, elas conseguem enxergar tanto as potencialidades que ela tem quanto as suas mazelas. E aí, enxergando as mazelas, a população passa a se preocupar com o seu bem estar, como se preocupa com a sua casa. Isso faz com que as pessoas comecem a querer cuidar mais do espaço público. Isso gera um sentimento de cidadania e um empoderamento coletivo, de responsabilidade coletiva maior. Isso é muito a visão que a gente tem de quem começa a andar de bike. Os novos ciclistas passam a ter esse outro olhar da cidade. Deixam de ver as ruas apenas como ponto de passagem e começam a enxergar a cidade inteira como sua casa. E começam a se engajar e exercer a sua cidadania.
Do ponto de vista ambiental, qual o impacto na inversão dessa lógica de deslocamento?
A Secretaria de Meio Ambiente do Recife conseguiu fazer em 2014 o Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa, a partir dos dados de 2012. A partir desse cenário a gente vê que 69% das emissões de gases de efeito estufa têm especificamente origem no transporte. E Recife é uma das cidades listada pelo IPCC como uma das que mais vai sofrer com as mudanças climáticas no mundo. Literalmente vai ficar metade do seu território embaixo d’água. Precisamos começar a construir ações de mitigação por causa desses efeitos. Ano passado a prefeitura lançou um Plano de Baixo Carbono que abraça o PDC como um dos eixos prioritários de ação, que é justamente diminuir as emissões. Quando se consegue tirar as pessoas que estão no carro para usar o transporte coletivo e usar as bicicletas, andar um pouco mais a pé, vamos fazer cair drasticamente as emissões de gases no Recife. É gritante que mais da metade dessa poluição seja do transporte. Nesse ponto é importante a gente dizer que não negamos a necessidade do carro, mas ele não pode ser o principal modal de transporte do dia a dia. Isso é insustentável em qualquer cidade do mundo. Todas as principais cidades que estão conseguindo resolver os problemas do trânsito estão fazendo a partir dos eixos do que fala a Política Nacional de Mobilidade do Brasil, que é primeiro mobilidade a pé, segundo os meios ativos, que é onde está a bicicleta. E o terceiro o transporte público. O uso do carro é direcionado para viagens, compras, emergências ou alguns tipos de profissionais que realmente precisam, mas não é uma opção para todo mundo.
Vocês têm ideia de qual a participação das bicicletas na mobilidade do Recife?
A gente não tem um número certo. A última pesquisa de Origem-Destino aqui foi feita em 1997. Tem uma nova do Instituto Pelópidas Silveira (IPS), mas não dá para comparar porque a metodologia é diferente. Essa nova, do IPS, aponta que a mobilidade de bicicletas está entre 10% e 14%. A pesquisa antiga indicava em torno de 7%. Não conseguimos dizer se aumentou, porque as metodologias são diferentes. Mas como o estudo promovido pelo IPS será realizado a cada ano, poderemos comparar se aumentou ou não. O que poderíamos dizer, a partir da nossa observação nas ruas, é que aumentou a quantidade de ciclistas desde o inicio da implantação das ciclofaixas de lazer. Isso conseguimos ver no comércio, por exemplo. Várias lojas de bikes estavam fechando na época se mantiveram abertas. Vários tipos de comercio, formal e informal, ligados às bikes se multiplicaram de maneira estrondosa. Nossa percepção é que a classe média começou a andar mais de bicicletas. Antes era majoritariamente a classe baixa, seja pela falta de condições de pagar o transporte público ou por ser mais prático. E a classe média, a partir da iniciativa de implantar as ciclofaixas de lazer, começou a observar que essa pode ser uma opção de deslocamento cotidiano, não só lazer ou esporte. A PCR deveria ter feito aproveitado esse boom de ciclistas que ela conseguiu promover com o uso das ciclofaixas temporárias, ampliando a malha viária permanente, ligando as pessoas de onde moram para onde trabalham. Se ela tivesse feito isso teríamos hoje muito mais bicicletas e menos engarrafamentos. Muita gente que trabalha na zona norte, por exemplo, está entre 6 e 7 km até o centro, isso representa 15 minutos de deslocamento de bike a passo lento. Sem correr. Isso sem infraestrutura. Com infraestrutura seria possível fazer bem mais rápido e desafogaria o ônibus e as principais vias.
Como a Ameciclo tem discutido a questão da segurança para o ciclista?
Na segurança relacionada aos roubos e assaltos, que é a insegurança patrimonial, aumentou muito como todo Recife. Voltamos aos números de 2008. Esse fenômeno tem atingido mais as pessoas que saem como esporte e lazer. Esse tipo de violência tem piorado, como reflexo de toda piora no Recife. Outra é a violência é a do transito, que no recife sempre foi muito alta. Temos uma das maiores taxas de mortes no trânsito. São 32 mortes por 100 mil habitantes, é maior que a brasileira. É um tipo de violência que nunca foi tratada com seriedade. Em 2015, o último ano de cálculo do Datasus, tínhamos tantas mortes quanto a gente tinha por armas de fogo. Em relação as armas de fogo temos um plano especifico que é o Pacto pela Vida, mas não temos nenhum plano para o trânsito.