Presidente da Sociedade Pernambucana de Psquiatria, Amaury Cantilino, foi um dos entrevistados da edição 195.3 da Algomais sobre a epidemia de ansiedade que atormenta a população. Nesta conversa com o repórter Rafael Dantas, o psiquiatra alerta para os ricos dos transtornos relacionados à ansiedade e sobre como lidar com eles.
Sobre a ansiedade: o que é normal e o que não é tolerável? Quando podemos identificar se ela chegou em um nível preocupante para a saúde?
A ansiedade normal tende a ser útil para o indivíduo. Ele acaba se precavendo de situações adversas do futuro, consegue evitar desfechos negativos, se mobiliza para resolução de problemas. Claro, sem desconsiderar que todos nós temos, de fato, limites. A ansiedade patológica atrapalha, paralisa, faz com que o indivíduo superestime os riscos e subestime as suas capacidades de enfrentamento de problemas. Se, na maioria das vezes, a ansiedade prejudica a pessoa, ao invés de ajudar na produtividade, é sinal de que algo deve ser feito.
A OMS tem falado de uma epidemia de ansiedade, dentro desse contexto de pandemia da Covid-19. Como a pandemia contribuiu para o aumento dos casos de ansiedade?
O estresse é gerador de ansiedade e a pandemia nos deu vários motivos para preocupação. A COVID com seus lutos e sequelas, as perdas financeiras, o desemprego, a mudança na rotina de trabalho, dentre outros inúmeros fatores, todas as indefinições deste período nos deixaram num alerta constante. O ser humano se sente mais confortável com o que lhe é previsível. Da incerteza germina a apreensão.
A economia do País – com o risco do desemprego e a perda do poder de compra – são fatores importantes para o estresse da população de maneira geral e da classe média?
A falta de emprego pode ser particularmente perturbadora. Em qualquer classe social, com o tempo, a pessoa se habitua a um determinado padrão de consumo. Já foi dito que “quanto mais você tem, mais você tem com o que se preocupar”. É o apego, o medo atávico da privação. Todos nós temos em maior ou menor intensidade. A queda da renda exige adaptações que nem todos conseguem assimilar. No país em que vivemos, onde a pobreza e as dificuldades de acesso ao básico ainda são tristes realidades para uma parcela significativa da população, não surpreende que as pessoas tenham essa aflição constante.
O que é possível fazer para minimizar ou prevenir as situações mais críticas da ansiedade (já que muitos fatores geradores da ansiedade são absolutamente externos ao indivíduo)? Quando é o momento de buscar um profissional para apoio? Quando a situação deve ser direcionada a um psicólogo e quando deve ser orientado um psiquiatra?
Embora boa parte dos fatores geradores sejam externos ao indivíduo e ninguém seja completamente livre, da mesma forma, ninguém é integralmente aprisionado pelas circunstâncias. Todos temos um campo de ação e, neste espaço, podemos fazer escolhas que nos conduzam a um estilo de vida mais próximo ao que nos propicia equilíbrio. Outro aspecto relevante é sempre ter a consciência de que, no mais das vezes, como diria a minha avó, “não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe”. O sofrimento agudo, na grande maioria das vezes, é passageiro.
No entanto, para algumas pessoas, esse sofrimento ansioso pode ser duradouro em demasia e vir acompanhado de uma constelação de outros sintomas como insônia, irritabilidade, crises repetitivas de taquicardia, tremores, falta de ar, etc. Ele pode se constituir numa síndrome que requer tratamento. Normalmente deve-se pensar numa consulta psiquiátrica quando ele é significativamente intenso a ponto de prejudicar sobremaneira o funcionamento social, familiar, acadêmico ou ocupacional. Atualmente, há medicamentos bastante seguros e eficazes para tratar os chamados transtornos de ansiedade, assim como diversas modalidades de psicoterapia, além de meditação, atividades físicas, etc. que podem conjuntamente promover uma melhor qualidade de vida para o indivíduo atormentado com a ansiedade.