Nada mais saboroso, dionisíaco, prazeroso do que um honesto, suculento, grossinho caldinho de feijão. Aliás, o feijão, inúmeros em cores, formatos e sabores, é um dos principais alimentos da mesa do brasileiro. Essa leguminosa dá o conceito e base de muitas receitas, geralmente acompanhadas por pratos complementares de arroz e mandioca, enquanto farinha seca, farinha de pau ou farinha de guerra, ou mesmo a carne bovina e embutidos, enriquecendo feijões: preto, mulato, macaça, fradinho ou mesmo seu parente o guandu, outra leguminosa popularmente chamada como feijão guandu.
Algumas receitas do Recôncavo baiano acrescentam azeite-de-dendê e camarões secos quando a comida é chamada de andu de Angola e com as clássicas carnes frescas e salgadas da feijoada é Anduzada. Contudo, o nosso olhar e desejo está no caldo, filho da feijoada, ou do feijão diário bem temperado.
Sem dúvida, a criação culinária fez do fazer caldinho de feijão uma especialidade e um campo para muitas variações de sabores e formas de oferecer e de consumir. Sempre quente, muito quente, para poder exalar os temperos, algumas especiarias que anunciam aquela receita, aquele estilo de fazer dessa bebida introdutória uma abrideira, quase refeição ou então nela mesma está o sentido da substância de um ampliado entendimento culinário. Pois, segundo o costume o que alimenta mesmo é um bom feijão com arroz.
Sozinho no copo, no copinho de vidro, de barro, o caldinho clássico que é resultado de alguns processos secretos de misturar cuminho (cuminum cyminum), especiaria do oriente médio, já mencionado na Bíblia como um fiel amigo da cozinha grega, turca e árabe, e outros complementos. Ainda, integra receitas da Índia, da antiga Roma e certamente chegando a nossa cozinha pelos mesmos caminhos que chegaram o cravo, a canela, as pimentas, o louro, o gengibre, nessa busca mundializada de conhecer e ampliar contatos com o oriente e com ocidente, pois “navegar é preciso”.
O caldinho de feijão com um cominho acentuado é sem dúvida o pernambucano que é feito de feijão mulato. O feijão preto, emblematizado na cidade do Rio de Janeiro para fazer feijoada, recebe acompanhamentos como: arroz branquinho, couve à mineira, farofa de ovos, laranja e como abrideira uma cachaça; uma cachaça com limão ou mesmo uma caipirinha de limão ou outras frutas, complementando ainda o caldinho com um enriquecimento de lombo e outros ingredientes que chegam do prato principal.
O caldinho de feijão pernambucano está nos restaurantes, nos bares tradicionais, naqueles de uma única porta, popularmente conhecidos como “pega bebo” ou mesmo nos bares em estilo botequim carioca, nos mercados tradicionais, na venda ambulante nas praias, juntamente com o caldinho de camarão, de sururu, de peixe; ovo de codorna, azeitona, charque frito, entre outras possibilidades comestíveis que são servidas ao sol, ao ar do mar, entre coqueiros e jangadas ao fundo – cenário intensamente tropical – paradisíaco.
Ainda, esse caldinho grosso poderá ser acompanhado de uma boa branquinha, cachaça nova para fazer aquele casamento na boca. Um pedaço de limão é indicado para aprimorar o gosto da água pura e filtrada da cana sacarina.
Temperos complementares como óleo, azeite de oliva, molho de pimenta, e eu particularmente sugiro as bem vermelhas, de odor forte, que só de olhar já arde à boca, fazendo do feijão uma bênção que forma e lembra paladares tão nosso, do gosto brasileiro.
Se há um sentimento de povo na comida ele compõe em memória e imagem com o feijão; feijão e Brasil, uma boa dupla.
*Por Raul Lody