Qualidade da mão de obra, baixo associativismo e forte conservadorismo ainda presentes em alguns setores empresariais são alguns dos motivos que impedem que atores econômicos possam inovar no Estado, de acordo com Sérgio Cavalcante, professor da UFPE e head de Inovação/do Grupo Cornélio Brennand. Ele foi o palestrante do recente encontro do Pernambuco em Perspectiva - Estratégia de Longo Prazo
*Por Rafael Dantas - Fotos: Tom Cabral
O Brasil aparece na 50ª posição no Índice Global da Inovação, não figurando entre as principais potências mundiais no desenvolvimento tecnológico e na capacidade de criação de novos produtos e processos. No cenário nacional, Pernambuco, apesar de alguns cases de muito sucesso, também está devendo. Há gargalos importantes em mão de obra, além do baixo associativismo e do forte conservadorismo ainda presentes em setores relevantes da economia.
Discutir o cenário local da inovação e apontar a importância dela para o novo ciclo de desenvolvimento do Estado foram os desafios de Sérgio Cavalcante na edição de outubro do Pernambuco em Perspectiva – Estratégia de Longo Prazo. O projeto, uma realização da Revista Algomais e da Rede Gestão, com patrocínio da Copergás, tem promovido uma série de seminários com pautas estratégicas, como sustentabilidade, indústria e educação, com o objetivo de vislumbrar caminhos para o futuro da economia pernambucana.
Professor da UFPE, ex-presidente do CESAR e head de Inovação do Grupo Cornélio Brennand, Sérgio Cavalcante, apontou que o único cluster de inovação de toda a América Latina está localizado em São Paulo. Além disso, no Mapa das Startups, elaborado pela Cortex, o Recife possui apenas 138 dessas empresas emergentes e focadas em soluções escaláveis. Em São Paulo, são 3.693 startups.
Apesar da presença do Porto Digital e da pujança de polos que investem em muita tecnologia, como o de saúde e o automotivo, Pernambuco precisa dar saltos importantes para avançar, segundo o especialista. “Quando a gente analisa os principais problemas que foram identificados em 2009, na pesquisa publicada no livro Pernambuco Competitivo [editado pelo INTG], é muito interessante perceber em vários setores a repetição da falta de mão de obra adequada, da existência do conservadorismo e falta de associativismo. Também foram mencionados os problemas na infraestrutura”.
Em 10 setores econômicos protagonistas da economia local, o estudo revelou que em sete havia dificuldades com qualificação dos profissionais e também em sete foi registrada a falta de inovação (conservadorismo).
EDUCAÇÃO NA BERLINDA
Ao analisar com mais atenção os dados do Índice Global da Inovação, da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), em parceria com a Universidade Cornell e o Insead, há pontos críticos do Brasil que puxam seu desempenho para a incômoda 50ª posição. O País tem gargalos maiores em tópicos como efetividade governamental (103º no mundo), ambiente de negócios (125º) e educação superior (93º).
Sérgio Cavalcante avalia que uma das raízes da dificuldade de inovação no Brasil está no nosso modelo de educação. “Um dos principais problemas que temos é o modelo pedagógico brasileiro. Os alunos das universidades têm perdido o poder de abstração, é preciso ser muito concreto para eles compreenderem. No ensino médio, a quantidade de pontos de aprendizagem é muito alta. Não dá tempo de o aluno parar e analisar. A capacidade analítica da juventude acaba no ensino médio. Eles não são capazes de identificar uma fake news de uma situação real. Não são capazes de identificar uma oportunidade em um problema”, critica.
Como no ensino médio a pressão por decorar muitos conteúdos para a seleção nas universidades é um dos principais focos dos estudantes e das instituições, perde-se a oportunidade de ensinar os alunos a buscar e analisar informações. Cavalcante considera que a atenção mais acentuada na técnica e não nos valores ou no estímulo para resolver problemas contribui para a falta de capacidade inovativa desses jovens quando chegam no mercado de trabalho.
Apesar desse cenário difícil na qualificação de mão de obra, o Recife tem se destacado na oferta de oportunidades de formação dos jovens da periferia em cursos no setor de tecnologia da informação e comunicação, com o Embarque Digital. O programa, capitaneado pela Prefeitura Recife, tem contribuído para a cidade se destacar no País em volume de estudantes no setor, que tem um forte apagão de profissionais no mundo.
Associando o programa a uma rede de instituições de formação em ensino superior na cidade, a capital tem 571 estudantes de TI a cada 100 mil habitantes, segundo dados do Censo do Ensino Superior. O segundo lugar no País é Porto Alegre, que aparece bem distante, com apenas 365 alunos a cada 100 mil habitantes.
DESCONEXÃO COM OS PROBLEMAS REAIS
Um dos desafios para o avanço da inovação no Estado é de focar os esforços públicos e privados para encontrar soluções para os problemas reais de Pernambuco. O professor da UFPE considera que a desconexão está nas universidades, que têm muita dificuldade de comunicação com o mercado e também das empresas de buscarem os cientistas. “Os nossos pesquisadores não sabem fazer pesquisa para inovação”.
Muitas empresas locais procuram parcerias com clusters de inovação de outros países, inclusive, para solucionar problemas locais por dificuldade de desenvolver alternativas com os players daqui. Apesar das críticas, Sérgio destacou uma diversidade de iniciativas locais que tem provocado a busca de alternativas para os gargalos dos setores econômicos do Estado.
A realização de estudos do IPA (Instituto Agronômico de Pernambuco) e da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), ambas públicas, para encontrar soluções para o plantio de algodão no semiárido é um dos cases destacados por Cavalcante. Na década de 1980, a praga do bicudo dizimou a cultura do algodão no Estado. As descobertas dessa iniciativa têm, portanto, a capacidade de colaborar para a prevenção de novas crises e para o desenvolvimento desse segmento produtivo.
Outras iniciativas locais demonstram os esforços de firmar parcerias entre atores públicos e privados para estudar alternativas para problemas reais do Estado, como na atuação do Atitude Pernambuco, um movimento empresarial que promove estudos de melhoria de infraestrutura pública e faz doação de equipamentos para o poder público, e do Lab Noronha pelo Planeta, focado na promoção da economia circular regenerativa e da sustentabilidade.
Cavalcante listou também as maratonas de inovação ou chamadas públicas para encontrar soluções de problemas reais promovidas tanto pelo Governo do Estado como pela Prefeitura do Recife. Ações que estimulam empresas, profissionais e estudantes a mobilizarem esforços e criatividade focados em necessidades sociais e empresariais que surgiram das comunidades e do mercado.
Seja com players locais de destaque internacional, como a Vivix Vidros Planos e a Baterias Moura, como por pesquisas e projetos vindos das universidades e dos poderes públicos, há uma dinâmica de inovação em movimento no Estado que não pode ser desconsiderada. O Porto Digital e o CESAR, talvez, sejam os principais símbolos desse esforço. Para dar passos maiores para um novo ciclo de desenvolvimento de Pernambuco, Sérgio Cavalcante defendeu que haja uma maior proatividade dos agentes locais na formação de mão de obra, na atuação focada em problemas sociais e no avanço do associativismo.
PROPOSTAS PARA PERNAMBUCO SER MAIS INOVADOR
Apesar de mapear o avanço das estruturas de inovação do Estado, Sérgio Cavalcante avalia que há percursos importantes a serem atravessados no novo ciclo de desenvolvimento de Pernambuco. “Eu me surpreendi com várias iniciativas que estão acontecendo no Estado e nos municípios com relação à inovação tanto do ponto de vista público quanto privado. Mas, eu diria que nós deveríamos ter um impacto mais amplo com as prefeituras para evoluir no ensino fundamental, não apenas no que concerne ao conhecimento mas, também, com ênfase nos valores e comportamentos como proatividade, autoaprendizado, inteligência emocional, flexibilidade, pensamento crítico, colaboração, escuta ativa, entre outros”.
Além do olhar acerca da educação municipal, o head de inovação do Grupo Cornélio Brennand defende um avanço na disponibilidade de dados para que o Estado planeje e execute políticas públicas de forma mais efetiva. “A gente precisa ter mais dados de como é que o Estado está com relação aos fatores que permitem e induzem a inovação e também com os resultados obtidos. A gente tem isso no nível do Brasil e alguma coisa do ponto de vista estadual, mas a gente precisa de mais informações para saber como atacar melhor os problemas que nós temos, com base em dados”.
A terceira ênfase proposta por Cavalcante é no investimento do planejamento para além dos curtos ciclos políticos e com participação social. “Precisamos da recuperação da capacidade de planejamento em longo prazo, com avaliação constante dos desafios socioeconômicos. Entender as forças e fraquezas, oportunidades e ameaças, além de garantir a execução desse planejamento com planos bem definidos e acompanhados pela sociedade."
PERNAMBUCO EM PERSPECTIVA
Após tratar de pautas como indústria, investimentos regionais e economia regenerativa, o Pernambuco em Perspectiva vai abordar a formação, segundo anunciou o sócio da TGI e mediador dos encontros Ricardo de Almeida. O próximo palestrante convidado será o ex-vice-governador Raul Henry, com o tema O papel essencial da educação de qualidade em todos os níveis para a competitividade de Pernambuco.
A sucessão de debates e a sistematização de reflexões sobre o presente e as perspectivas de futuro para Pernambuco são demandas impostas pelo esgotamento do modelo de desenvolvimento do Estado, desenhado pelo Padre Joseph Lebret na década de 1950. “Partimos da hipótese de que esse modelo de desenvolvimento de Pernambuco, que foi gestado em meados da década de 1950, simplesmente se esgotou, apesar de ter sido bem esboçado e bem-sucedido (e até por isto mesmo!)”, avalia Francisco Cunha, sócio da TGI .
O consultor lembra, porém, que apesar de a maioria dos projetos propostos por Lebret ter sido concretizada, como o Porto de Suape e a refinaria, há uma peça estratégica que ainda não foi montada que é a ferrovia Transnordestina, conectando o porto ao sertão pernambucano e a outros estados.
Os próximos passos da construção dessa grande agenda em Pernambuco são de avançar nas pesquisas e na mobilização da sociedade, segundo Francisco Cunha. “Neste momento, estamos sob a demanda de avançar num amplo debate na sociedade que permita ajudar a formular um outro modelo de desenvolvimento, sintonizado com os novos e exigentes desafios da atualidade”.
A evolução dessa iniciativa passa por pautas contemporâneas como sustentabilidade ambiental e climática, educação de alta qualidade e infraestrutura adequada. No eixo dessa visão estão gestão pública eficaz, ciência, tecnologia e inovação e empreendedorismo dinâmico.
“A visão de futuro almejada é que em 2037, quando o Recife completar 500 anos, Pernambuco será um Estado mais próspero e com mais qualidade de vida e justiça social, adequando-se às exigências das mudanças climáticas, mas tirando o máximo proveito disso para a geração de energia limpa e mais barata para o desenvolvimento do Estado”, propôs Francisco Cunha.
Os desafios não são pequenos para traçar um novo modelo de desenvolvimento de Pernambuco, nem é fácil promover a inovação no Estado para aumentar a competitividade dos diferentes setores produtivos. A proatividade da sociedade pernambucana nesse debate, aliada às contribuições técnicas de especialistas e representantes setoriais, são ingredientes importantes para construir estratégias que impulsionem o crescimento, a qualidade de vida da população e a modernização da atividade econômica.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)