O mercado de produtos orgânicos no Brasil não sabe o que é crise. Com um faturamento em 2017 de R$ 3,5 bilhões, o segmento cresce numa média de 20% ao ano, de acordo com pesquisa realizada pelo Organis (Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável). Em Pernambuco, 16% da população urbana já consome alimentos e bebidas produzidos sem agrotóxicos. Embora os benefícios à saúde sejam a principal motivação dos consumidores (64%), há outro grande motivo que impulsiona a demanda: a proteção do meio ambiente. A eliminação da presença de venenos no processo produtivo e uma série de práticas sustentáveis que imitam a natureza contribuem para a preservação e para a recuperação dos ecossistemas.
O agricultor Sebastião Pessoa, 38 anos, morador da zona rural do município de Pombos, começou há oito anos a cultivar orgânicos por um processo de transição agroecológica. A agroecologia é uma ciência, prática social e filosofia de vida que propõe a criação de ecossistemas produtivos que preservem a natureza e sejam socialmente justos e economicamente viáveis. Ele deixou os métodos tradicionais de cultivos, como queimadas, uso de agrotóxicos e adubos químicos, e mergulhou nesse movimento que está em expansão. “Produzir de forma orgânica é uma transformação de vida. Deixar de trabalhar com um produto que está lhe ‘ofendendo’ e passar a respeitar mais a natureza é uma mudança muito grande”, conta. Hoje ele comercializa toda a sua produção nas feirinhas da Beira Rio e da Ampla, ambas no bairro da Torre, e no Colégio Apoio, em Casa Amarela.
A cada ano produtores da agricultura familiar com cultivos orgânicos ou de base agroecológica, como Sebastião, têm-se deparado com um público maior de clientes. O aumento do consumo dos recifenses por esses produtos pode ser medido pelo crescimento das feirinhas segmentadas. São 30 em funcionamento na cidade de acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. As primeiras foram criadas em bairros de classes média e alta da capital, mas hoje já começam a chegar nas periferias e em cidades da região metropolitana e do interior.
A administradora Paula Gomes frequenta há cinco anos as feirinhas, principalmente em Casa Forte e em Santo Amaro. Além de frutas, verduras e legumes, a sua lista de compras inclui pães, bolachas e produtos de higiene pessoal, como desodorantes, sabonetes e cremes dentais. “O fator principal que me levou para esse tipo de consumo foi a saúde. Depois percebi outros benefícios, como o de incentivar a agricultura mais sustentável, sem o uso de pesticidas”.
Ela destaca também o valor social desse tipo de consumo, que contribui para a geração de renda na agricultura familiar. “Muitos produtores falam que tendo essa venda garantida, eles evitam que seus filhos queiram sair do campo para a cidade. Acaba sendo um incentivo aos pequenos agricultores”, justifica Paula.
Como os produtores que frequentam esses espaços são de municípios com no máximo 120 quilômetros de distância da capital, o primeiro benefício ao meio ambiente é a redução da geração de gases poluentes na logística de distribuição. Abreu e Lima, Igarassu, Vitória de Santo Antão, Gravatá e Glória do Goitá são a origem de vários produtores de orgânicos que comercializam na Região Metropolitana do Recife.
A vantagem ambiental mais conhecida da produção desses alimentos, no entanto, é a eliminação de agrotóxicos no plantio, que contaminam diretamente o solo. De acordo com o coordenador da Comissão de Produção Orgânica de Pernambuco (Cporg-PE) e assessor de comercialização da agricultura familiar do Centro Sabiá, Davi Fantuzzi, o uso desses venenos degrada os solos e reduz a sua fertilidade. Quando associados à monocultura, reduzem também a biodiversidade.
Além da própria contaminação dos lençóis freáticos, Fantuzzi afirma que esses sistemas convencionais, ao se tornarem ineficientes, demandam o uso excessivo de recursos hídricos. Segundo a ANA (Agência Nacional das Águas), 72% da água captada no País destina-se à agricultura. “O plantio convencional luta contra a natureza o tempo todo, enquanto na perspectiva agroecológica procuramos imitar os processos naturais. Os sistemas convencionais tratam o solo como uma bucha, retirando deles o máximo, sem repor seus nutrientes com outras plantas. Não há um componente florestal que ajude a manter água no sistema e isso faz com que sempre seja necessário mais recursos hídricos para produção”, afirma o coordenador da Cporg-PE.
Para reverter esse cenário, diversas instituições têm atuado na formação dos homens do campo para capacitá-los a produzir numa perspectiva sustentável. Um processo educativo que se complicou nos últimos anos, após a redução drástica de recursos para a extensão rural no País. Há também ações para conscientizar consumidores e facilitar o acesso a esses produtos. Além das feirinhas, várias lojas se especializaram na venda de orgânico e até mesmo grandes redes de supermercados aumentaram seu espaço dedicado a esses alimentos.
O Serta (Serviço de Tecnologia Alternativa) é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público de referência há 25 anos em formação agroecológica em Glória do Goitá. De acordo com o permacultor e professor da instituição Roberto Mendes os agricultores que atuam dentro dos princípios da agroecologia, além de excluir o uso de agrotóxicos, conseguem uma regeneração do ecossistema das suas propriedades. “Os sistemas agroecológicos tentam restaurar a paisagem anterior e toda a harmonia que existia dentro do ambiente. Os solos começam em processo de recuperação, podendo acumular mais água e minerais. Criam-se microclimas que melhoram o conforto térmico para animais, plantas e para as pessoas”, explica Mendes. Com esse equilíbrio, as propriedades, segundo o permacultor, conseguem ser mais produtivas e geram alimentos de maior qualidade.
Técnico em agroecologia, o agrônomo Arlan Clímaco está iniciando um sistema agroflorestal em sua propriedade, no município de Vitória de Santo Antão. Atualmente ele e sua família já comercializam ovos de galinha de capoeira e produzem para consumo próprio macaxeira, acerola, limão, banana, entre outras culturas. “Quando fiz a universidade não aprendi muito sobre agricultura familiar e orgânica, que passei a conhecer, de fato, no Serta e nos estágios. Estamos em transição. Meu projeto é reflorestar tudo aqui, ver ressurgir as nascentes, com um plantio diversificado. Recuperando o solo, o meio ambiente faz o resto”.
O sítio, que tinha uma pequena criação de gado e cabras, passa por uma experiência de agricultura sintrópica − um modelo desenvolvido pelo pesquisador Ernst Götsch, em que as práticas agrícolas imitam os processos naturais. Apesar da experiência ser recente, estudantes têm visitado o sítio para aprender mais sobre o sistema.
Natural de Jaqueira, Manoel Messias da Silva, está em processo de formação no Serta. “Nasci dentro da agricultura. Cresci com a produção de cana-de-açúcar, banana e mandioca com métodos convencionais. Mesmo com a força da monocultura ainda presente na Mata Sul, já vemos outros meios para gerar renda para as famílias”.
Sem os pesticidas e trabalhando com os princípios da agroecologia, a família de Messias comemora a rentabilidade rápida, saudável e financeira, mesmo que numa área menor que a cultivada no passado. O excedente é comercializado principalmente por meio de políticas públicas sociais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Entre as vantagens ambientais do novo sistema produtivo, Messias destaca a redução do lixo na zona rural. “Estamos conseguindo transformar os ambientes que sofriam por falta de coleta regular”, conta.
No estímulo ao consumo desses alimentos, um dos projetos em desenvolvimento no Recife é o XepaCult, que se define como uma Mostra de Gastronomia de Tradição pelo Consumo Consciente. Idealizado pela educadora popular e mestranda em Memória Social e Patrimônio Cultural Mônica Jácome, o projeto ensina a cozinhar com ingredientes locais e com a xepa da feira de orgânicos, destacando a importância da agroecologia e o combate ao desperdício de alimentos. Cada evento da XepaCult traz mestras cozinheiras quilombolas ou indígenas para o preparo de pratos tradicionais.
EXPANSÃO
Além de espaços mais tradicionais de comercialização de orgânicos, como o das Graças e de Boa Viagem, surgem novas feirinhas. Algumas das mais recentes são localizadas na Várzea, fruto de uma demanda e mobilização da associação de moradores do bairro, e a da agência Ampla, na Torre.
Consumidora assídua de orgânicos há 18 anos, a vice-presidente da Ampla, Ana Cristina Queiroz, se aproximou desse segmento quando conheceu um projeto de formação de jovens em agroecologia em evento da Ação Empresarial da Cidadania no ano 2000. Desse trabalho de capacitação surgiram algumas das feiras do Recife.
A partir de dezembro do ano passado, conversando com os agricultores da feirinha da Beira Rio, na Torre, Ana conheceu produtores de Pombos que no mês de março passaram a atender o público de funcionários e, principalmente, vizinhos da agência no estacionamento da empresa. São cinco barracas erguidas todas as quintas-feiras, com hortaliças, temperos, plantas ornamentais e lanches. “Todos estão bem motivados com essa oportunidade de comprar produtos saudáveis perto de casa.
Além disso, os agricultores estão muito satisfeitos em ter mais esse canal para escoar seus produtos”, constata.
Para além das charmosas feirinhas, há algum tempo estão sendo estruturadas alternativas para consumir esses produtos nos grandes supermercados e até pela web. Nas lojas do Walmart, em 2017, a empresa registrou 20% de crescimento de vendas em volume de orgânicos, com 120 itens cadastrados, entre folhagens, temperos, legumes, frutas e ovos. Nas reformas das lojas da marca, a categoria dos orgânicos deve ganhar mais espaço dentro do setor de hortifrúti, além de maior destaque de comunicação nas gôndolas.
Uma experiência pernambucana no e-commerce no segmento é do Tulasi. A loja virtual que completou recentemente um ano tem um trabalho de referência no Estado. Para oferecer as 170 variedades de hortifrútis para seus clientes, o Tulasi mantém três famílias agricultoras certificadas pelo IBD (Instituto Biodinâmico), maior certificadora da América Latina, além de quatro produtores agroecológicos do município de Glória do Goitá.
Sócia do Tulasi, Renata Nascimento começou a se interessar pela agricultura orgânica há 15 anos, quando conheceu a experiência do segmento em São Francisco, nos Estados Unidos. Retornando ao Brasil, sempre teve dificuldades em fazer a feira com produtos livres de agrotóxicos. Daí surgiu a ideia do negócio.
Além de atender o varejo na loja virtual e pelo whatsapp, o Tulasi também vende a estabelecimentos como o Mercadinho Sinas, em Setúbal, aos restaurantes It e Bigode Verde, e ao Manu Tenório Café em Boa Viagem. Neste ano a loja vai encampar a Terça Orgânica, uma campanha para estimular o consumo no Estado. “Não distribuímos produtos, mas conceito, informação e conscientização. Achamos que o consumo é uma forma de expressão importante. É como se você votasse por um modelo de mundo diferente. O modelo convencional de produção traz lucro e dinheiro, mas não felicidade”, afirma a empresária.
O crescimento de estabelecimentos orgânicos no Recife não está restrito aos alimentos. Recém-inaugurada no bairro do Parnamirim, a Empório GreenCare é pioneira no segmento de cosméticos veganos e orgânicos. A loja é um empreendimento da nutricionista Flávia Hanusch que decidiu apostar na chamada segunda “onda verde”. Ela acredita que o uso de produtos, como desodorantes, maquiagens, óleos corporais e xampus devem seguir o mesmo caminho dos alimentos. “Sei que as pessoas estão preocupadas com alimentação saudável. O próximo alerta é para o que passamos na pele, que é o maior órgão do corpo humano. Esses produtos levam para nosso corpo os malefícios dos seus aditivos químicos”, comenta.
A preocupação ambiental na produção de cosméticos orgânicos vai desde o cultivo das matérias-primas, o incentivo à agricultura familiar, até o uso de embalagens biodegradáveis. “O descarte do que não foi absorvido na pele pelos cosméticos vai para os esgotos e segue para rios e mares. Se ele contém agrotóxicos, chegará aos peixes e, assim, volta para alimentação humana”, alerta a empresária.
O avanço da conscientização da população e a acelerada mudança no padrão de consumo são os primeiros sinais da transformação que o campo, as mesas e até o estojo de maquiagem devem passar nos próximos anos.
*Por Rafael Dantas, repórter da Algomais (rafael@algomais.com)