Por Yuri Euzébio
O carnaval acabou. Com certo pesar e saudade, voltamos a programação normal da coluna falando de um gênero que tem tudo a ver com a folia de momo: o frevo. Pupillo, ex-baterista da Nação Zumbi e prodigioso produtor musical, lança o primeiro volume da Orquestra Frevo do Mundo. Projeto que ressignifica e revigora o ritmo pernambucano.
Não é o apego às tradições do mais célebre gênero da música popular pernambucana que dá impulso ao álbum. Ao contrário, o projeto traz o ritmo para o centro do universo da música pop nacional, juntando, em oito gravações inéditas, as colaborações de Caetano Veloso, Céu, Siba, Otto, Duda Beat, Arnaldo Antunes, Tulipa Ruiz, Almério e Henrique Albino.
Figura fundamental da geração manguebeat, o baterista Pupillo produziu o projeto, idealizado por ele e Marcelo Soares, com o norte na renovação. Sua busca primeira foi por tirar o frevo do lugar “sagrado” – e, portanto, imutável – de manifestação popular que só é visitada no período carnavalesco. E construir um ambiente em que o gênero pudesse ser criado e consumido em escala mais ampla, em qualquer período do ano e não necessariamente atrelado à cartilha da cultura popular.
O olhar pop de Pupillo sobre a história do frevo não podia minimizar a importância da Bahia na retomada do gênero no início dos anos 1970. Àquela altura, o frevo estava em baixa em sua terra natal. Tanto assim que Nelson Ferreira, seu principal compositor então em atividade, foi dispensado por todos os clubes da sociedade pernambucana. Convidado pelo Carnaval da Bahia, partiu para influenciar não apenas os instrumentistas, mas toda a geração de compositores baianos, sobretudo Moraes Moreira e Caetano Veloso.
Algumas faixas de Orquestra Frevo do Mundo são especialmente exemplares da conexão entre Pernambuco e Bahia. Frevo tropicalista lançado em 1975, “A Filha da Chiquita Bacana” (Caetano Veloso) é reflexo justamente do efeito de Nelson Ferreira sobre a música baiana. Na nova gravação, ela junta a voz do autor à da paulistana Céu e aos metais de Maestro Duda, de Pernambuco. A mesma origem tem a canção interpretada pela nova musa pernambucana Duda Beat. Sucesso na voz de Gal Costa em 1982, “Bloco do Prazer” (Moraes Moreira/ Fausto Nilo) foi lançada por Dodô e Osmar em 1979 e é um dos diversos frevos compostos por Moraes e transformados em hits nacionais.
Outras faixas de Orquestra Frevo do Mundo fazem essas conexões entre Bahia e Pernambuco por meio do arranjo. Lançada originalmente pelo autor Otto em seu eletrônico álbum de estreia em 1998, “Ciranda de Maluco” (Otto/ Dengue) ganha agora uma versão de trio elétrico com a adesão da guitarra baiana de Roberto Barreto, do BaianaSystem, e, mais uma vez, dos metais de Maestro Duda. Outro tema composto pela nova geração pernambucana é “Vida Boa” (Fabio Trummer), lançado pela banda Eddie em 2006. Na nova versão, interpretada por Almério, a canção ganha versos extras escritos pelo próprio cantor, tornando-se um manifesto pelos direitos das minorias no Brasil de hoje.
Tulipa Ruiz reviveu o “Frevo Mulher” (Zé Ramalho), clássico do compositor paraibano gravado em 1978 pela cantora cearense Amelinha. Mais mestiça do que qualquer outra faixa deste álbum, “Ela É Tarja Preta” (Arnaldo Antunes/ Betão Aguiar/ Felipe Cordeiro/ Luê/ Manoel Cordeiro) ganha nova versão de Arnaldo Antunes. Mas, se repararmos no time de autores dessa faixa, vamos identificar também três paraenses e até um filho de sangue dos Novos Baianos, Betão Aguiar.
Em suas pesquisas de repertório, Pupillo buscou canções clássicas que extrapolassem o Carnaval. A já citada “Frevo Mulher” é uma delas. Outra é “Linda Flor da Madrugada” (Capiba), interpretada aqui por Siba. Um dos compositores mais importantes não apenas de Pernambuco, mas da história da música popular brasileira, Capiba fez desse um frevo de meio de ano, para ser tocado além da folia.
Este primeiro volume de Orquestra Frevo do Mundo fecha com a instrumental “Último Dia” (Levino Ferreira), levada por um naipe de sopros (saxes tenor, barítono e alto, flauta e flugelhorn) arranjado e tocado por Henrique Albino sobre as programações de Pupillo e Luccas Maia. Uma homenagem a todos os instrumentistas que carregaram o frevo pelo planeta, dentro e fora do Carnaval, muitas vezes sendo hostilizados pelos mais puristas, que não admitiam que se incluísse qualquer variação estilística no gênero.
A banda base de “Orquestra Frevo no Mundo” embaralha músicos de São Paulo (Lucas Martins e Meno Del Picchia, tocam baixo; Mauricio Fleury, teclados; Alexandre Fontanetti, guitarra), Pernambuco (Luccas Maia nas programações e o próprio Pupillo em todas as baterias), Rio de Janeiro (Carlos Trilha nos sintetizadores), Rio Grande do Sul (Guri em outras guitarras) e outro filho sanguíneo dos Novos Baianos (Pedro Baby, também nas guitarras). O elenco se completa com o guitarrista belga David Bovée. Além de Maestro Duda, os também pernambucanos Roque Netto e Nilsinho Amarante assinam os arranjos de sopros.
O álbum cumpre a promessa de modernizar um ritmo tão nosso. Cada versão é melhor do que a outra, ainda não consegui escolher a que gostei mais. Enfim, ouça!!! Com a Orquestra Frevo do Mundo é carnaval o ano inteiro.
Faixas:
“A Filha da Chiquita Bacana” (Caetano Veloso), por Céu e Caetano Veloso
“Linda Flor da Madrugada” (Capiba), por Siba
“Bloco do Prazer” (Moraes Moreira/ Fausto Nilo), por Duda Beat
“Ciranda de Maluco” (Otto/ Dengue), por Otto e Roberto Barreto (BaianaSystem)
“Frevo Mulher” (Zé Ramalho), por Tulipa Ruiz
“Ela É Tarja Preta” (Arnaldo Antunes/ Betão Aguiar/ Felipe Cordeiro/ Luê/ Manoel Cordeiro), por Arnaldo Antunes
“Vida Boa” (Fabio Trummer), por Almério
“Último Dia” (Levino Ferreira), por Henrique Albino (instrumental)