Embora Pernambuco não seja um grande exportador para os Estados Unidos, alguns setores, como frutas e açúcar, serão fortemente atingidos pela sobretarifa imposta por Trump
*Por Rafael Dantas
Em poucos dias, as exportações brasileiras para os Estados Unidos terão uma sobretarifa de 50%. A barreira é considerada intransponível para o empresariado nacional e pernambucano. No entanto, após uma semana de acusações – muitas inverídicas, como o suposto déficit da balança comercial favorável ao Brasil – e declarações de afronta à soberania nacional – como a tentativa de interferência no processo na Justiça do ex-presidente Jair Bolsonaro – Donald Trump lançou uma longa lista de exceções. Um recuo de quase 700 itens que deve ser ainda maior. O anúncio foi um alívio para parte dos produtores brasileiros porém setores pernambucanos exportadores foram prejudicados pelo governo estadunidense.

As frutas do Vale do São Francisco e o açúcar da Zona da Mata, por exemplo, não escaparam da tarifa imposta por Donald Trump. A boa notícia ficou por conta do coque do petróleo, produzido em Suape, que figurou na lista de exceções, como um derivado do petróleo. O novo cenário forçará uma reinvenção dos setores e um socorro emergencial.
De acordo com nota técnica da Amcham Brasil (Câmara Americana de Comércio para o Brasil as exportações da lista de exceções representam US$ 18,4 bilhões em exportações brasileiras de 2024. O valor corresponde a 43,4% do total de US$ 42,3 bilhões exportados pelo Brasil para os EUA. “Embora essas exceções atenuem parcialmente os efeitos da tarifa, a Amcham reforça que ainda há um impacto expressivo sobre setores estratégicos da economia brasileira. Produtos que ficaram de fora da lista continuam sujeitos ao aumento tarifário, o que compromete a competitividade de empresas brasileiras e, potencialmente, cadeias globais de valor.”

IMPACTO SERÁ MAIS LOCALIZADO
Pernambuco é um Estado com déficit na sua balança comercial. Ou seja, importa mais que exporta. O economista Edgard Leonardo lembra que o Estado é o terceiro maior exportador do Nordeste, mas apenas o 16º do Brasil. A pauta dos produtos locais que acessam o mercado internacional no ano passado foi dominada por açúcares e melaços (21%), sendo seguida por veículos e automóveis de passageiros (19%) e frutas e nozes frescas ou secas (14%). Aparecem ainda entre os destaques os óleos combustíveis de petróleo ou minerais betuminosos, exceto os óleos brutos (11%), e veículos automotores para transporte de mercadorias e usos especiais (9,6%).
No entanto, nem todos esses produtos tinham os EUA como destino. E embora seja o segundo maior mercado dos produtos locais, ele representa apenas 9,1% das exportações, estando praticamente empatado com Singapura (9%) e bem atrás do mercado argentino (24%). Embora o país de Tio Sam não represente um percentual significativo, alguns segmentos foram fortemente atingidos. “Apesar de Pernambuco não ser economicamente superdependente do mercado americano, o tarifaço imposto pelos EUA afeta setores estratégicos, especialmente as exportações de frutas”, alertou o economista. Além das frutas, os principais produtos made in Pernambuco que chegam ao povo estadunidense são o açúcar e o coque do petróleo.

O DRAMA DO SETOR DE FRUTICULTURA
A imposição da tarifa causou alarme entre os produtores de frutas do Vale do São Francisco. A medida atinge em cheio o setor de exportação de mangas cuja safra destinada ao mercado norte-americano estava prestes a começar. “Estamos muito aflitos”, afirma Jailson Lira, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Petrolina. Segundo ele, 14% das mangas produzidas na região têm como destino os EUA, especialmente a variedade Tommy Atkins, que exige um rígido tratamento hidrotérmico e atende a exigências específicas desse país.
A janela de exportação para os Estados Unidos vai de agosto a outubro, e a programação logística – que envolve acordos marítimos, embalagens e fiscalização – já estava em andamento. “Essa fruta passa por um processamento em água quente a 60ºC para eliminar larvas da mosca-da-fruta. É uma exigência específica e só algumas empresas da região têm capacidade para isso”, explica Lira. Apenas dez exportadores possuem a estrutura para realizar esse tratamento e toda a operação é cuidadosamente planejada com antecedência.
Ele ressaltou que o impacto social e econômico pode ser grande. Jailson estimou que 120 mil trabalhadores dependem diretamente da fruticultura irrigada do Vale. Só com a manga, o prejuízo estimado é de US$ 46,8 milhões, considerando anos anteriores. A exportação de uvas, embora comece mais tarde, também corre risco. Os EUA representam 23,5% do total exportado da fruta, somando 920 contêineres e US$ 36,8 milhões. Os produtores locais buscam apoio da Abrafrutas (Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas), além de articulações com deputados, prefeitos e a governadora de Pernambuco.

Diante das especificidades exigidas pelos EUA, o preço comercializado e a perecibilidade do produto, é muito difícil o redirecionamento para outros países no curto prazo, segundo Edgard Leonardo. “Esses produtos têm características específicas que dificultam uma adaptação rápida a outros mercados, principalmente por causa da sua alta perecibilidade. Além disso, redirecionar a produção para novos destinos apresenta desafios significativos, como o cumprimento de exigências específicas, especialmente no que se refere às embalagens, que frequentemente precisam atender a requisitos rigorosos quanto a tamanho, rótulos, idioma e outras normas regulatórias”, ressaltou o economista.
Somadas, as mangas e as uvas do Vale do São Francisco representam cerca de 15% das exportações do Estado, segundo o internacionalista João Canto, membro do Iperid (Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Desenvolvimento). Ele destaca que a medida anunciada por Trump, caso não seja revertida, esses produtos devem ficar fora do mercado estadunidense. “O custo adicional reduz drasticamente a competitividade frente a países com acordos preferenciais com os EUA”, afirma João Canto.

Mesmo com o anúncio de Donald Trump, ainda há expectativa ao menos de a manga escapar do tarifaço, a exemplo do pleito nacional pelo café. As negociações têm como foco uma brecha que é para itens não cultivados nos Estados Unidos.
IMPACTO EM SUAPE, MAS NEM TANTO

A participação dos produtos enviados via Suape para os Estados Unidos é de menos de 1%, segundo o presidente do Complexo de Suape, Armando Monteiro Bisneto, em entrevista à Rádio Jornal. No Porto do Recife, de onde parte a produção de açúcar, o impacto na queda de movimentação deve ser maior. “Em 2024, Suape registrou a exportação de 137.945 toneladas de cargas para os Estados Unidos, o que correspondeu a menos de 1% do volume total movimentado no ano, que foi de 24,8 milhões de toneladas".
Os dados de movimentação com o comércio americano, em relação ao Porto de Suape, já vinham em declínio acentuado mesmo antes da tarifa anunciada por Trump. “De janeiro a maio de 2025, só houve a exportação de 173 toneladas de produtos conteinerizados para o Porto de Houston, no Texas. Esse volume representou uma queda de 99,8% em relação ao total exportado no mesmo período do ano anterior”, respondeu em nota o Complexo de Suape. Os principais produtos exportados nesse fluxo foram: óleo de petróleo (78%), coque de petróleo (11%) e ferro e aço (7%).
REDUÇÃO DE IMPACTOS
Antes mesmo da confirmação oficial do tarifaço imposto pelos Estados Unidos, a Fiepe (Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco) já atuava em busca de alternativas para minimizar os impactos sobre o setor produtivo local. Segundo o presidente Bruno Veloso, a prioridade da entidade é o diálogo e a moderação, evitando medidas de retaliação que possam agravar ainda mais a crise comercial. “Retaliação não deve ser usada em momento algum, só agrava a crise”, afirmou.

No campo técnico, a Fiepe está estruturando, via Observatório da Indústria, um mapeamento preciso dos produtos afetados e dos potenciais novos mercados internacionais. A proposta é apoiar as empresas na reacomodação de seus fluxos de exportação, especialmente no caso dos bens industrializados que perdem totalmente a competitividade com a tarifa de até 50%. “Com esse nível de taxação, o produto não entra mais no mercado americano. Precisamos encontrar novos destinos”, explicou.
Além disso, a entidade solicitou aos governos estadual e federal linhas de financiamento com juros baixos para ajudar as empresas a atravessarem esse momento difícil sem demitir trabalhadores. Bruno Veloso alerta, porém, que a crise tem um forte componente político e geopolítico, ligado à aproximação do Brasil com os BRICS e à defesa de uma moeda internacional alternativa ao dólar. “Temos que ter cautela. A tendência é de agravamento. Podemos sofrer uma punição exemplar para servir de alerta a outros países”, avaliou o presidente da Fiepe.
Em nota, o Governo de Pernambuco afirmou que “está acompanhando de perto os desdobramentos do recente anúncio do governo dos Estados Unidos sobre a imposição de tarifas de importação a produtos brasileiros. Ciente dos possíveis impactos para a economia do Estado, especialmente no setor exportador, a governadora Raquel Lyra tem mobilizado esforços para buscar soluções que minimizem os efeitos da medida”.
Para enfrentar os impactos do tarifaço anunciado pelos Estados Unidos, o Governo de Pernambuco sugere ao Governo Federal três propostas prioritárias com foco na proteção dos empregos e da economia local. A primeira é a criação de linhas emergenciais de crédito, via Banco do Nordeste, com condições especiais para os setores mais afetados. A segunda propõe medidas compensatórias, como o incentivo à diversificação de mercados e políticas de apoio à exportação. Já a terceira frente busca garantir a defesa dos interesses do setor produtivo nordestino nas negociações com os Estados Unidos. Raquel Lyra participará nos próximos dias de uma reunião com os demais governadores do Nordeste com o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin.

RECIPROCIDADE É MAIOR TEMOR DOS PERNAMBUCANOS
Empresários especialistas advertem que quaisquer ações de reciprocidade poderiam trazer um impacto ainda maior. Isso porque, somadas as movimentações de importação e exportação, os EUA passam a ser nosso principal parceiro comercial. Muitos dos produtos que chegam ao mercado pernambucano integram nossas cadeias produtivas, o que levaria a um processo de inflação interna e queda na competitividade.
“Se o Brasil vier a impor tarifas recíprocas aos Estados Unidos, Pernambuco sofreria impactos negativos significativos. O aumento dos custos de insumos essenciais, como combustíveis e componentes industriais importados dos EUA, elevaria os preços para indústrias e consumidores locais, prejudicando a competitividade da economia estadual. Além disso, a medida agravaria as perdas já causadas pelo tarifaço americano nas exportações pernambucanas, pressionando empregos e a produção”, explicou Edgard Leonardo.
Em poucas palavras, a reciprocidade elevaria os custos, reduziria a competitividade e traria mais efeitos econômicos negativos para o Estado. Uma pesquisa realizada pela Amcham com exportadores brasileiros indicou que 86% das empresas avaliam que eventuais medidas de reciprocidade tenderiam “a agravar as tensões bilaterais e reduzir o espaço para negociações”, bem como trariam potenciais efeitos negativos sobre setores que dependem de insumos, tecnologias ou equipamentos americanos.
João Canto acredita que o Brasil não deve entrar em uma guerra tarifária, como aconteceu, por exemplo, com a China. “A nossa cadeia produtiva é complexa e tem limitações para aplicar tarifas tão elevadas em setores estratégicos que possuem relações com os EUA, seja por conta de demandas domésticas ou de acordos multilaterais”, explicou o membro do Iperid.

OLHAR PARA OS CONTRATOS FUTUROS
A advogada Gabriela de Almeida Figueiras, sócia-gestora da área de Negócios Internacionais do Queiroz Cavalcanti Advocacia (QCA) alerta que o episódio evidenciou uma fragilidade recorrente dos exportadores brasileiros: a ausência de contratos robustos. Segundo ela, o cenário atual exige cláusulas específicas que considerem riscos como pandemias, guerras, tarifas e variações cambiais.
A advogada destaca que boa parte dos contratos de exportação opera por pedidos avulsos, sem vínculo contratual duradouro. Isso facilita cancelamentos unilaterais e dificulta reequilíbrios em caso de elevação tributária inesperada, como a que está acontecendo agora. “Se o contrato tiver cláusula rígida com preço fixo, o exportador pode arcar sozinho com a nova tarifa. A solução judicial existe, mas é lenta e incerta”, explica Gabriela.
Outro problema enfrentado é o enfraquecimento dos canais de resolução internacional. Com a paralisação da OMC (Organização Mundial do Comércio), também sabotada por Trump, restam poucos mecanismos institucionais de contestação legal. A alternativa, segundo Gabriela, seria buscar as cortes federais americanas, como já fez o setor do aço em 2024 – um caminho jurídico mais complexo e custoso.
Diante do novo ambiente global, marcado por maior instabilidade, protecionismo e riscos geopolíticos, a expectativa é que as empresas brasileiras devem redobrar a atenção na elaboração de contratos e prever cláusulas de reequilíbrio. O contrato deixa de ser mera formalidade e passa a ser um verdadeiro escudo contra incertezas, cada vez mais comuns, do comércio internacional.
COMPLEXO XADREZ POLÍTICO E ECONÔMICO
As sanções do governo estadunidense – que não são apenas contra o Brasil – tem somado aspectos que vão muito além da economia. Nos dois comunicados feitos pelo presidente Donald Trump, ele mencionou o processo contra Jair Bolsonaro, pela tentativa de golpe no dia 8 de janeiro, como um dos motivos pelo tarifaço. Os analistas apontam que embora esse fator esteja no radar, o maior protagonismo dos BRICS e a possibilidade de adoção de uma “moeda” comum seriam os principais fatores. Mas a lista de interesses não param por aí.
A defesa das big techs no mercado brasileiro tem sido apontada como uma das peças chaves na afronta contra o País. O combate às fake news e o esforço de regulamentação das redes sociais são duramente enfrentados por Donald Trump. Outra motivação estadunidense na punição ao Brasil estaria relacionadas também a efetivação do PIX que têm reduzido espaço para o mercado das grandes bandeiras de cartões de crédito e débito, além do WhatsApp Pay.
Outro tema na “mesa de negociações” são as chamadas terras raras do Brasil. A crescente pressão dos Estados Unidos estaria relacionada às reservas brasileiras de minerais estratégicos para tecnologias avançadas e a transição energética.
A posição de resistência do governo brasileiro ao que está sendo chamado de “chantagem” tem opiniões opostas. No meio empresarial local, há uma crítica do uso de posicionamento ideológico dos dois lados ou mesmo questionamentos dos esforços nacionais nas negociações. Joseph Stiglitz, Nobel de economia em 2001, ex-economista chefe do Banco Mundial, por outro lado, elogiou a atuação do Brasil na defesa da soberania e sugeriu que os demais líderes mundiais seguissem esse caminho.
A imposição geral de tarifas, meses atrás, de 10% e a atual ampliação indicam que a sede do presidente americano não deve parar por aí. Mares turbulentos ao comércio global são esperados nos próximos anos, com tsunamis partindo da Casa Branca.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)