Por diferentes motivações, cada vez mais profissionais têm dado alguns passos atrás para se reinserir no mercado de trabalho em outra ocupação, as vezes em áreas completamente diferentes. Carolina Holanda, sócia da TGI e da ÁgilisRH, analisa nesta entrevista sobre o fenômeno da transição de carreiras, que se acentuou na pandemia.
Uma pesquisa recente da Kaspersky indicou que 53% dos brasileiros consideram mudar de emprego devido à pandemia. Por que esse momento de crise sanitária está empurrando tantas pessoas a reverem a sua carreira e profissão?
A pandemia e todas as situações de medo, insegurança e incerteza que nos foram impostas geraram em boa parte das pessoas uma grande reflexão sobre seus projetos de vida, o que inclui o projeto profissional.
Muitos profissionais, durante o isolamento, fizeram home office o que permitiu vivenciarem alguns momentos com a família, filhos que com a rotina pré-pandemia não era possível. E há muito as pessoas, em geral, têm buscado por um maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Têm ficado mais atentas para a saúde física e emocional.
Temos também a busca por melhores oportunidades de desenvolvimento profissional ou por melhores remunerações. É importante ficar claro que essas questões já eram uma tendência no mundo do trabalho, mas foram acentuadas pela reflexão provocada pelo período pandêmico.
Os profissionais estão pensando e repensando como podem ser mais felizes, mais produtivos e ter mais qualidade de vida.
Quais são as principais motivações que as pessoas têm para enfrentar uma mudança de rumo profissional?
Tenho visto nas empresas muitos profissionais passando por dificuldades emocionais que surgiram nesses dois últimos anos ou foram intensificadas pela pandemia. Parece que agora a saúde emocional vai se tornar uma real prioridade na vida das pessoas.
Por isso, algumas motivações estão vinculadas ao que pode satisfazer profissionalmente, como trabalhar num ambiente com um bom clima e tratamento respeitoso (não cabe mais tratar mal as equipes e falta de respeito), perspectiva clara de crescimento e um pacote de remuneração atrativo.
Outro fator importante, é que a experiência com home office, em geral, foi bem sucedida. Foi possível experimentar trabalhar em casa, ser produtivo e não perder o tempo com deslocamento, o que significa mais tempo com a família. Voltar a trabalhar 100% no presencial significa perder esse conforto.
Uma das migrações que temos percebido com maior intensidade é de profissionais de áreas que estão em baixa ou ameaçadas pela automação investindo em formação no setor de TI. Esse é o principal fenômeno que assistimos no País hoje em relação à transição de carreira?
De fato, percebemos com muita clareza a alta demanda por profissionais de TI, inclusive com muitas empresas tendo dificuldade de contratar profissional da área diferenciado. A pandemia acelerou o processo de digitalização de muitas empresas, o que requer esse investimento na formação de profissionais da área.
Mas outro fenômeno também foi consequência da pandemia. O aumento de empreendedores que abriram seu negócio quando perderam o emprego no início de 2020 ou pediram demissão recentemente para colocar seu negócio e poder ter uma maior governabilidade na gestão do seu tempo.
Eu diria que o grande fenômeno, na verdade, é a demanda dos profissionais em buscarem realização profissional em equilíbrio com a vida pessoal.
Além de TI, você destacaria alguma área que cresceu na pandemia e que tem atraído profissionais que atuavam em outros campos?
Entendo que de um modo geral houve crescimento por profissionais qualificados, diferenciados e com múltiplas competências, além da valorização da inteligência emocional. Não vejo na nossa região crescimento de uma área específica, mas a demanda por pessoas que façam as atividades com eficiência e que tenha competência para lidar com as adversidade, imprevisibilidade e situações difíceis.
Que condições caracterizam um cenário em que é importante que o profissional repense a sua carreira?
É preciso inicialmente que o profissional tenha clareza do seu projeto de vida e profissional. A reflexão sobre como é possível realizar seus objetivos alinhados aos seus valores mostrará se ele deve ou não repensar sua carreira.
Outro ponto importante a considerar é a dinâmica de mercado, avaliando se existem oportunidades reais para a área desejada.
Sem esquecer que devemos ter clareza que tudo na vida é um processo em construção e não é diferente com a carreira. Pé no chão para entender e vivenciar com calma e tranquilidade na vida profissional é essencial. Vejo hoje muitos jovens querendo queimar etapa e atingir um lugar nas empresas que exigem tempo e amadurecimento. Crescer profissionalmente significa um desafio com muitas disputas e exigências de competências.
Para quem deseja mudar de rumo profissional, quais as dicas que você daria para preparar uma transição de forma mais segura e consistente?
O primeiro passo é fazer uma reflexão com base em alguns questionamentos como: será mesmo que tenho visibilidade do que eu quero para a minha vida profissional e do que preciso fazer para chegar até lá? Será que as escolhas que estou fazendo estão alinhadas com o meu projeto profissional? Os resultados colhidos até agora atendem às minhas expectativas? Estou refletindo sobre as dificuldades encontradas e transformando-as em desafios e oportunidades de melhoria? Diante das frustrações e impossibilidades, costumo tentar novamente e buscar alternativas? Costumo refletir sobre as minhas necessidades de aperfeiçoamento para chegar aonde quero? Tenho possibilidade de realização profissional no lugar que estou?
O segundo passo é definir aonde se quer chegar de fato e fazer uma avaliação das suas competências e necessidades de desenvolvimento.
Sempre indico nesse processo que o profissional faça conversas com outros profissionais mais experientes na área e/ou função desejada para entender melhor como funciona, quais são as dificuldades em geral e os desafios.
Concluir a reflexão com a formulação de um plano de ação faz toda diferença. Sem esquecer que o lema deve ser insistir, persistir e não desistir. As oportunidades nem sempre aparecem com facilidade, é preciso busca-las.