Conhecido por abrigar a Sudene por décadas, o Edifício Celso Furtado, um marco na arquitetura moderna tropical, vai sediar um parque tecnológico vinculado à UFPE e destinado a instituições públicas e à iniciativa privada.
*Por Rafael Dantas
O Edifício Celso Furtado, um dos ícones da arquitetura pernambucana e brasileira, se tornará o mais novo Parque Tecnológico da cidade: o Parque TeC. Inaugurado em 1974 e famoso por ter sido a sede da Sudene por décadas, o prédio, que passou a fazer parte do patrimônio da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), jogará um papel estratégico de conexão da instituição com o setor produtivo e o ecossistema local de inovação.
O Recife, que já é berço do Porto Digital, no Bairro do Recife, e do Parqtel (Parque Tecnológico Industrial), ganhará essa nova âncora de inovação e ainda promoverá a recuperação de um prédio histórico. “O Parque TeC tem como principal missão transferir o conhecimento gerado pela UFPE para o setor produtivo, com startups vinculadas à Incubadora do Parque, por meio de PD&I (projetos de desenvolvimento e inovação) em parcerias com empresas e em conjunto com outros ICTs (Institutos de Ciência e Tecnologia) de Pernambuco”, define o diretor Roberto Guerra.
Sendo assim, o Parque TeC contribuirá para o desenvolvimento da inovação atrelada à pesquisa científica, expertise que a UFPE já possui. “O Recife contará com um parque vinculado diretamente a uma universidade, alinhado com um modo de desenvolvimento de inovação que transborda para a cidade e que possui o potencial de desenvolver a Zona Oeste do município”, planeja Guerra. O prédio fica na região da Cidade Universitária, ao lado da Reitoria e em frente à BR-101, no bairro do Engenho do Meio.
O pró-reitor de Pesquisa e Inovação da UFPE, Pedro Carelli, explica que o novo parque nasce para o desenvolvimento de uma inovação mais baseada em pesquisa científica da universidade, sendo voltado para transferência de tecnologia. “Temos foco nas áreas de saúde, bioeconomia, transição energética e deep techs (tecnologias profundas). Temas que não estavam contemplados no ecossistema de inovação do Porto Digital e Parqtel e apresentam demanda de inovação”, afirma.
REFORMA DESAFIADORA
Os primeiros investimentos já estão em curso, a partir de dois financiamentos do Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), em um valor de aproximadamente R$ 9,8 milhões. A princípio, três andares da ala norte estão sendo reformados para receber uma incubadora de startups e um espaço maker será instalado no subsolo. “Estamos trabalhando com um horizonte de no primeiro semestre de 2025 já estarmos com a incubadora e o espaço maker já em operação”, afirmou o coordenador do Parque TeC, Roberto Guerra.
A ocupação geral do imóvel deve ser viabilizada por meio de uma parceria público-privada. O investimento estimado para recuperação do prédio é de R$ 100 milhões. Os recursos necessários para reabilitar todo o complexo (que envolve também subestações, auditório e biblioteca, por exemplo) são de R$ 200 milhões. O projeto é inspirado no mesmo caminho da recuperação do Canecão, no Rio de Janeiro. Fechado em 2010, o famoso espaço de shows tem sido desde o ano passado gerenciado por um consórcio de empresas, com direito de administração por 30 anos.
“Estamos em conversa com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para estabelecermos uma PPP para a reforma e gestão do Edifício Celso Furtado, a exemplo do que ocorreu recentemente na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) para a reforma do Canecão”, explicou Roberto Guerra. A expectativa dos gestores envolvidos no projeto é que o modelo, que deve contar com o apoio do banco público, seja atrativo para a iniciativa privada e viável para a manutenção do espaço.
OPERAÇÃO DO NOVO PARQUE TEC
Enquanto a ala norte do antigo prédio da Sudene será dedicada ao uso de instituições públicas, a ala sul será destinada para a iniciativa privada. O diretor do Parque TeC explica que, além das unidades da UFPE voltadas para a pesquisa e inovação, o novo parque já tem o alinhamento para contar com a presença do InpiI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual) e da Fejepe (Federação das Empresas Juniores do Estado de Pernambuco). “Estamos em negociação com outros ICTs de Pernambuco para o desenvolvimento conjunto de atividades de inovação, como incubação e laboratórios, e isso poderá impactar na destinação de espaço físico para essas instituições também”, afirmou Guerra.
O processo de incubação do Parque TeC será direcionado para apoio a startups de base científica. Com a conexão com a universidade, a operação do espaço contará com a atuação do qualificado corpo docente da UFPE, segundo o professor Pedro Carelli. “Estudantes e egressos desenvolvem soluções baseadas nas pesquisas que realizaram na UFPE. Neste sentido, os professores da universidade atuam como mentores destes projetos que podem, inclusive, contar com o uso dos laboratórios da UFPE para desenvolvimento e validação das tecnologias”.
Haverá no prédio um conjunto de estruturas para dar suporte ao trabalho de desenvolvimento tecnológico e de inovação. Espaços voltados para startups, como um grande ambiente de coworking livre e salas para locação. No espaço maker, serão dedicados 700 metros quadrados para prototipagem. “Teremos também três laboratórios especiais da universidade, um na área de computação quântica, outro na área de bioeconomia e um na área de energias renováveis, que será o Centro de Energia Renováveis do Nordeste”, antecipa o professor Pedro Rosas, assessor da reitoria.
O docente explica que está em tratativas com o Governo do Estado para instalar um deep tech. “Não há no Brasil ainda nenhum parque de profundidade tecnológica mesmo, a gente vai fazer aqui um andar para esse fim. Será uma área com laboratórios com muita profundidade em química. Uma empresa para utilizar um laboratório desse investe milhões, mas aí vamos disponibilizá-los para startups utilizarem”, explica Rosas. “É importante frisar que não vamos competir com o Porto Digital, nem com o polo do Curado (Parqtel), a ideia na verdade é uma complementação. Ter os três trabalhando em áreas bem específicas”.
PARCEIROS A CAMINHO
As tratativas com o setor privado para ocupar o prédio também já iniciaram. A expectativa é trazer para o empreendimento núcleos de inovação de grandes empresas locais, nacionais e até multinacionais. Os contatos, no entanto, são ainda iniciais, já que não foi definido ainda o modelo de gestão (que deve ser via PPP), nem os valores para as empresas se instalarem no espaço.
O primeiro grupo de pesquisa de inovação aberta na universidade, o BioNat (Grupo de Pesquisa Biotecnologia de Produtos Naturais) liderado pela professora Cláudia Lima, já sinalizou a chegada ao prédio. Outra instituição que também ocupará o edifício é o ITCBio (Instituto Tecnológico das Cadeias Biossustentáveis), também presidido pela pesquisadora.
A aproximação com o setor produtivo e a possibilidade de desenvolver e escalar novos produtos na estrutura são pontos importantes ressaltados por Cláudia Lima. “Isso é uma evolução do ponto de vista de trabalho da universidade para a sociedade, uma ponte real que já começa a acontecer a partir da instalação desse prédio. Todos os dias a equipe que está desenvolvendo o parque já recebe visitas de instituições públicas e privadas”.
No edifício, o ITCBio e o Bionat prometem fazer análises finas quantitativas e desenvolver novos produtos. “É um desenvolvimento altamente tecnológico, vai ter química fina, microbiologia, cultura de células, prototipagem de biomateriais e desenvolvimento de novos materiais”, anuncia a pesquisadora.
PATRIMÔNIO EM RECUPERAÇÃO
Outro fator que merece atenção nesse empreendimento é a recuperação do prédio. Roberto Montezuma, arquiteto e professor da UFPE, afirma que o Edifício Celso Furtado é um marco na história da arquitetura brasileira. Construído na mesma época que os emblemáticos edifícios do BNDES e da Petrobras (localizados na cidade do Rio de Janeiro), ele se destaca como um ícone da arquitetura tropical brasileira, integrando princípios de sustentabilidade ambiental.
Trata-se de um exemplo de como a arquitetura pode ser adaptada ao clima tropical, como ressalta o pesquisador. "Ele é estruturado de maneira a utilizar a ventilação natural (todas as salas não têm ar-condicionado) e controlar a iluminação solar", destaca Montezuma. O uso de elementos como o cobogó e cerâmicas regionais, como as produzidas pela Brennand, demonstra uma preocupação com a utilização de materiais locais. "É um edifício-manifesto da arquitetura do Nordeste, brasileira e pernambucana, simultaneamente".
Mais do que um simples prédio, Montezuma explica que o Celso Furtado representa uma época de grande otimismo e progresso no Brasil. "Foi um edifício onde o grupo de arquitetos foi livre para pensar o melhor, independentemente de custo. Era visto como um símbolo do desenvolvimento do Nordeste", relembra Montezuma. A Sudene, sediada no prédio, desempenhou um papel crucial no planejamento e desenvolvimento regional. Ele considera que a preservação do Edifício Celso Furtado vai além de manter sua fachada. "Preservá-lo não significa se ater somente à sua fachada, mas a esses princípios que o qualificaram e que o colocaram como referência", enfatiza Montezuma.
O retorno da vida do antigo prédio da Sudene com o Parque Tec representa a retomada da relevância deste imóvel a um papel importante para a cidade e para o Estado. As cifras e o processo para ver a concretização do projeto são ainda desafios, mas conectados com muitas demandas locais e de tendências do Século 21. Em outras palavras, uma oportunidade de revitalização de um patrimônio arquitetônico, com uma iniciativa voltada para encontrar soluções para o mundo contemporâneo.
*Rafael Dantas é jornalista, repórter da Algomais e doutorando em Comunicação (rafael@algomais.com | rafael.dsantos@ufpe.br)