Patrícia Smith: “O cenário aponta para uma perspectiva híbrida: ensino presencial e remoto”

A escola voltará a ser como “antigamente” quando passar o furacão da pandemia? Ou teremos uma nova realidade, com mais uso das tecnologias digitais? Com a proximidade do dia dos professores, conversamos com a pedagoga Patrícia Smith, que é docente da UFPE e Ph.D. em Educação pela University Of Newcastle Upon Tyne, para discutir sobre os desafios desse “novo normal” que está ainda sendo construído no ambiente escolar. Em muitos casos envolta de muitas dificuldades, mas com várias histórias de superação.

 

O estresse e a ansiedade são algumas das reclamações mais constantes dos professores nesse período de ensino remoto durante a pandemia. O excesso de trabalho também. Quais as principais causas desse cenário de tanto desconforto dos professores?
PATRÍCIA SMITH – A pandemia e o isolamento social tornaram o ensino presencial inviável praticamente durante 2020 todo, no mundo e no Brasil. Os professores de todas as redes e níveis de ensino precisaram se adaptar ao chamado ensino remoto. Essa adaptação foi bastante grande e sistêmica:


1- A estrutura e funcionamento das escolas e redes passou a ser online, por meio de redes sociais, telefones ou com horário reduzido de atendimento. Isto alterou a gestão da escola e a forma como os docentes trabalhavam entre si, com as coordenações de áreas, com as direções das escolas e com os gestores das redes de ensino.
Essa mudança forçada na forma de gerir a escola e as redes de ensino produziu diversas decisões sobre como a educação ocorreria no Brasil, desde novas legislações federais flexibilizando dias letivos, carga horária, atividades online ou remotas, até decisões bastante particulares de cada instituição de ensino sobre como o semestre iria ocorrer, os modelos e plataformas utilizadas para o ensino remoto, calendário, entre outros.
Para mim este representou uma das causas para a ansiedade dos professores e de toda comunidade escolar: Até quando as escolas precisarão ficar fechadas? Vamos voltar às aulas normais? Vamos trabalhar remotamente? Como?
Com uma pandemia sem precedentes, onde não é possível prever muita coisa, os docentes ficaram aguardando o reinício das atividades, sem saber ao certo como e quando e sem terem o mesmo grau de interação com seus pares, a fim de produzir uma solução colaborativamente.

2- Ainda nessa linha da gestão, Coordenadores, Diretores, Chefes tem se comunicado de todas as formas possíveis com os docentes. São reuniões online, diversos grupos de whatsapp, hangout, email, entre outros. Todos os trabalhadores remotos passaram a responder, em diversos canais, a todo momento, aos grupos gestores das instituições de ensino. Isso gerou e ainda gera uma sensação de sobrecarga, de que o trabalho nunca termina.

Todos os trabalhadores remotos passaram a responder, em diversos canais, a todo momento, aos grupos gestores das instituições de ensino. Isso gerou e ainda gera uma sensação de sobrecarga, de que o trabalho nunca termina.

3- Quando o Ministério da Educação permitiu o ensino remoto, cada instituição e rede de ensino produziu sua solução e teve pouco tempo para formar os docentes para sua solução. Os sistemas brasileiros de ensino são, em sua maioria, presenciais. O Brasil tem know how no ensino presencial, seus sistemas de gestão, material didático, calendário, carga horária, estratégias didáticas são presenciais. Cada solução de cada escola alterou toda esta forma de trabalhar. Esta para mim é uma outra causa da ansiedade e do stress dos professores: migrar para o ensino remoto significa mudar tudo o que se sabia e fazia desde então! O espaço onde a aula se processa, os materiais utilizados, as estratégias didáticas, a mediação pedagógica, as avaliações de aprendizagem. As únicas coisas que permanecem são os conteúdos das matérias e o conhecimento do professor sobre esse conteúdo.

4- O Brasil tem realizado algumas ações nacionais e estaduais para formação docente para o uso das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDICs), como o Projeto UCA do MEC (Um Computador por aluno); o Professor Conectado e Aluno Conectado de PE, só para citar alguns. Porém estes, foram na perspectiva do uso das TDICS no ensino presencial e não no remoto, ou ainda na educação a distância. Não se promoveu formação em plataformas online, produção de material didático online, aulas televisivas, ou qualquer outro curso que permitisse uma preparação em larga escala para os docentes brasileiros. Este seria um outro motivo para o stress e a ansiedade dos docentes: toda a formação que tive não foi para o ensino remoto, portanto, embora em possa fazer adaptações não tenho certeza de que vão funcionar e gerar aprendizagem em meus estudantes. Estarei em grande grau testando, no ensaio e erro. Vale salientar que muitas instituições e sistemas promoveram cursos rápidos, terceirizaram certas atividades e criaram auxílios em serviço. Porém, não houve tempo do professor consolidar sua própria aprendizagem e a sensação é sim de pouco preparo.

5- Trabalhar online remotamente, de sua casa, implica em ter equipamentos adequados e não compartilhados, um local adequado e silencioso para dar sua aula, uma internet confiável e que suporte horas de conexão e tempo para preparar e dar suas aulas. O que observamos é que, em grande maioria, os professores não possuem equipamentos novos e potentes, a internet de casa é ruim e ainda compartilhada com a família, não há cômodos isolados em casa para dar as aulas (na verdade muitos dão aulas em seu próprio quarto), o tempo profissional do professor é bastante misturado com seu tempo familiar fazendo com que membros da família apareçam sem querer nas aulas e que tarefas domésticas às vezes vazem durante as aulas (roupas lavadas estendidas, comida no fogão etc). Este seria um outro motivo de grande desconforto, stress, uma sensação de improviso e de ter sua vida privada um pouco invadida.

Diante de tudo isso quero dizer que a maiorias das instituições tentaram realizar processos de ensino e aprendizagem remotos. Com maior ou menor grau de sucesso, todos tentaram trabalhar de maneira remota apesar do enorme tamanho do desafio.

Quais os caminhos/soluções para conseguir construir um trabalho de mais qualidade e até de menos sofrimento dos docentes?
PATRÍCIA SMITH – Hoje o cenário de incertezas melhorou um pouco. Já compreendemos que teremos trabalho remoto pelo menos até o final de 2021. Muitas instituições já estão há 3 ou 4 meses testando suas soluções e já podem avaliar o que deu certo, o que deu errado e escolher com base na experiência e no aprendizado prévio. Muitas redes e instituições consolidaram seus modelos e estão formando melhor seus professores. Alguns convênios para compra de equipamentos e internet mais barata para estudantes e professores começam a ser pensados. Legislação que protege o trabalho remoto foi produzida pelo Governo Federal.
Então, o cenário está um pouco melhor, inclusive apontando para uma perspectiva híbrida: presencial e remoto. Os professores continuam precisando de bastante apoio para:
1- Equipamentos e internet de qualidade
2- Horários mais definidos de trabalho remoto
3- Apoio no desenvolvimento de materiais didáticos e estratégias didáticas online
4- Formação para trabalho remoto, com acompanhamento em serviço

 

Com o retorno das aulas – não estou tratanto dessa volta neste momento, mas num cenário em que tenhamos uma vacina e mais segurança sanitária – você acredita que essas experiências digitais desse momento irão construir um novo normal das escolas?
PATRÍCIA SMITH – Sim, acredito que teremos um cenário híbrido, com a permanência das plataformas de ensino remoto por algum tempo. Com a necessidade de distanciamento social, as turmas devem ser divididas e alguns grupos ainda permanecerão remotos, num sistema de rodízio presencial. Além disso, os professores vêm desenvolvendo um know how no uso de aplicativos online, estratégias didáticas em ambientes virtuais e redes sociais. Estas aprendizagens poderão ser utilizadas no ensino presencial, trazendo as TDICs para sala de aula presencial de forma mais sistemática.

Quais os desafios os professores terão pela frente num cenário híbrido da escola?
PATRÍCIA SMITH –  Na realidade todo o sistema educacional terá esse desafio. Protocolos sanitários, Protocolos de convivência, organização da estrutura física observando o distanciamento social, horários e calendários organizados por grupos de estudantes. Tudo isso impacta as estratégias de ensino e aprendizagem, as aulas e os professores. Minha percepção é que vencida a etapa de definição do formato que as instituições usarão, a adaptação dos professores poderá ser mais rápida porque estes já tinham experiência no ensino presencial e agora ganharam experiência no ensino online, com a docência remota. Desta forma, estão mais à vontade para combinar as duas possibilidades didáticas.
Identifico desafios na manutenção da carga horária do professor, uma vez que as turmas deverão ser divididas em sub-grupos. O professor não terá carga horária para repetir várias vezes a mesma aula até ensinar a todos os sub-grupos de uma única turma.
Também haverá necessidade de repetir conteúdos, para aqueles que não tiveram aulas remotas ou que ficaram com lacunas de aprendizagem. Na prática teremos mais conteúdo do que normalmente teríamos em um ano regular.
Os professores precisarão ser treinados nos protocolos sanitários, de convivência e receber os EPIs necessários.
Portanto, ainda teremos de realizar muitas adaptações e formações docentes.

Minha percepção é que vencida a etapa de definição do formato que as instituições usarão, a adaptação dos professores poderá ser mais rápida porque estes já tinham experiência no ensino presencial e agora ganharam experiência no ensino online, com a docência remota.

Mais que nunca se fala na necessidade de capacitação. Nesse aspecto como você acredita que acontecerá a formação dos docentes para esses novos desafios (seriam processos de educação continuada, por exemplo)?
PATRÍCIA SMITH –  Em 2020 houve diversas formas de capacitação docente e muita experimentação. Praticamente todas as redes e níveis de ensino fizeram alguma ação neste sentido, em maior ou menor grau. Para continuarmos a responder aos desafios que se apresentam as formações docentes deveriam ser online, curtas, frequentes e contínuas. O professor precisa acessar sua formação de qualquer lugar, no tempo disponível e sempre que precisar. Importante oferecer o conteúdo necessário, num formato adequado que o professor consiga atender. Reuniões de acompanhamento e avaliação, bem como helpdesks ou plantões de dúvidas podem ser estratégias interessantes também.
Os professores sempre precisaram estudar para se manterem atualizados, agora mais que nunca.

*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)

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