Instituto Histórico, Geográfico, Arqueológico e Antropológico do Paulista articula várias ações para preservar a memória da identidade local.
*Por Rafael Dantas
Vizinha de municípios com amplo patrimônio arquitetônico, como Olinda e Igarassu, a cidade do Paulista tem se destacado na luta pela preservação de sua história. Conhecida pelo passado industrial têxtil da família Lundgren, ainda abriga lugares de diferentes períodos históricos, como o Forte de Pau Amarelo, com aproximadamente 300 anos, e as ruínas da Igreja Nossa Senhora dos Prazeres de Maranguape. A criação recente do IHGAAP (Instituto Histórico, Geográfico, Arqueológico e Antropológico do Paulista), em 2023, um desdobramento do Movimento Pró-Museu, tem reforçado a defesa da preservação desses edifícios de grande importância para a identidade local.
As iniciativas para preservar o patrimônio histórico do Paulista são variadas e ambiciosas, especialmente por meio do IHGAAP. “Queremos oficializar junto ao Iphan a existência de um centro histórico que reflita tanto o período colonial quanto o operário têxtil da cidade” que já foi o maior parque têxtil da América Latina. Essa história precisa ser resgatada”, afirma Ricardo Andrade, presidente do instituto e historiador.
A falta de reconhecimento formal desse patrimônio dificulta o acesso a recursos financeiros para o município. Sem um centro histórico oficializado, Paulista ficou de fora dos investimentos do PAC Cidades Históricas. Recife, Olinda, Igarassu e Goiana, por exemplo, já possuem essa “distinção” e puderam concorrer.
As disputas recentes mais intensas pela preservação do patrimônio arquitetônico da cidade estiveram em volta do Cine-Teatro Paulo Freire. Fundado em 1944, o espaço está em ruínas. Há um projeto municipal para a construção de um complexo multicultural, que derrubaria a estrutura atual. Mas a iniciativa recebe críticas dos cidadãos que têm interesse na preservação da memória da cidade. Uma ação de embargo evitou a demolição.
Bernadete Serpa, escritora e ex-funcionária das fábricas têxteis da cidade, estava presente na inauguração do espaço, quando era criança. Na época, com o nome de Cine-Teatro Municipal, ele recebeu na sua cerimônia de abertura a visita do então interventor Agamenon Magalhães. Ela lembra que o político brincou com o cabelo dela ao entrar no prédio.
“Sou da primeira turma do Grupo Escolar Dantas Barreto, fundado no dia 28 de maio de 1944, em plena guerra. Ele foi inaugurado no mesmo dia do teatro, eu não me esqueço porque Agamenon brincou com os cachinhos do meu cabelo quando ele entrou no auditório, de noite. Eu fui atriz do Teatro Paulo Freire, com uns 17 anos. Recentemente vieram com um megaprojeto para o local. Já está demolido o teto do grupo escolar e do teatro, além de uma sala anexa muito especial”, afirma a escritora.
Além da destruição do prédio, que integra a identidade patrimonial da cidade, uma das críticas do instituto ao projeto é pelo fato de o teatro ter sua capacidade reduzida. Enquanto as instalações antigas comportavam 400 lugares, sua nova versão proposta pela prefeitura é de que tenha 250 assentos. A falta de diálogo com a classe artística no redesenho do projeto também é questionado pela população. O valor da obra de todo o complexo, anunciado no ano passado, foi de R$ 10 milhões. Só a construção do novo-cine teatro custará R$ 7 milhões segundo o último anúncio da Prefeitura do Paulista.
Outra reclamação dos defensores do patrimônio do Paulista é acerca do Forte de Pau Amarelo. Ele foi construído no Século 18, tendo suas obras iniciadas em 1729. No século seguinte, após a chegada da família real ao Brasil, há um projeto de reconstrução, que duraria décadas. Apesar de uma trajetória secular, vindo ainda do período colonial e construída no local por onde os holandeses invadiram Pernambuco anteriormente, a fortificação foi abandonada.
Nos últimos anos, a Prefeitura do Paulista anunciou uma revitalização, com previsão de restauro de equipamentos históricos, das instalações sanitárias, hidráulicas e elétricas, concretagem, remoção e reassentamento de telhas, pinturas, entre outros serviços. O investimento anunciado em 2023 era de R$ 340 mil. Neste ano, o poder municipal anunciou uma vistoria, mas sem declarar uma previsão de conclusão.
“Para esse tipo de obra é preciso uma empresa com notória especialidade na área de preservação e restauro. As obras estão ‘às baratas’.
O Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural está parado também. É o segundo de Pernambuco, após fundado o de Paulista. Infelizmente, essa pauta da preservação, da identidade e da memória não existe”, critica Ricardo. “Nossa luta no Instituto, o bom combate, é para que haja ações e políticas públicas voltadas para a preservação do patrimônio”.
Procuramos o poder municipal para se pronunciar sobre as obras em andamento, mas até o final desta edição não houve resposta.
PATRIMÔNIO RELIGIOSO
O ícone mais conhecido da cidade de Paulista é a Igreja de Santa Isabel Rainha de Portugal. Inaugurada em 1950, ela está preservada e em atividade. Porém, o patrimônio religioso da cidade guarda outros templos importantes Quem redescobriu as ruínas da antiga Igreja Nossa Senhora dos Prazeres foi o padre Renato Maia, que chegou na cidade nos anos 1980.
“Quando se fala em Paulista, o que vem à mente das pessoas é a história dos Lundgren, da Fábrica de Tecidos e das Casas Pernambucanas. Quando cheguei, falava-se de uma igreja em ruínas no meio da mata”, relembra o religioso.
Ele relembra que ao estudar a obra do historiador Pereira da Costa descobriu que, para comemorar a expulsão dos holandeses, foram construídas duas igrejas em homenagem a Nossa Senhora dos Prazeres. Uma no Monte dos Guararapes e outra no chamado na época Monte Maranguape. Ela foi construída por Fernandes Vieira em 1656.
“A igreja estava em ruínas, não tinha condições para nada. Era muito difícil de chegar, com muito mato ao redor. Descobrimos o lugar, fizemos caminhadas e celebrações nas proximidades das ruínas. Minha preocupação sempre foi de criar essa identidade e um sentimento pela história da cidade”, afirmou o padre Renato. O processo de ocupações irregulares na região é um fator atualmente que pressiona pela manutenção dessas ruínas. O pleito do religioso e dos membros do instituto é de que haja ao menos um trabalho de preservação dessas ruínas diante do risco de desabamento favorecido pelas novas dinâmicas sociais da região.
Na cidade, no entanto, há outra edificação religiosa ainda mais antiga. Trata-se da Capela de Santo Antônio de Paratibe, um pequeno templo de 1559. “Essa igreja era capela do Engenho de Gonçalo Leitão, irmão de Pero Leitão, segundo bispo do Brasil, que consagrou a igreja em 1559. Essa igreja mais adiante teve problemas e foi restaurada em 1731. Ela está de pé, conservada e segue com celebrações. É o monumento mais antigo do Paulista”, celebra o padre.
Outra descoberta do religioso relativa à história da cidade é sobre o nome do templo mais conhecido de Paulista. Enquanto a população o conhecia como Igreja de Santa Elisabeth. No altar inclusive se vê a inscrição: Santa Elisabeth Regina. Uma versão popular para explicar o nome é que seja uma homenagem à matriarca da família, Elisabeth Lundgren. O registro de Santa Isabel Rainha de Portugal está no livro de tombo da paróquia. O templo tem um local ainda onde estão os ossuários da família Lundgren.
A MEMÓRIA DA INDÚSTRIA TÊXTIL
Se Paulista guarda um forte centenário e algumas igrejas também muito antigas, é na sua atividade industrial que estão alguns dos cartões postais do município. O Casarão dos Lundgren e o Jardim do Coronel, no centro da cidade, são peças fundamentais do imaginário popular do município.
Uma excelente novidade para a população é que o casarão será transformado em um memorial, com forte vocação educativa, e o Jardim do Coronel, hoje cercado, se tornará uma praça pública. Não há data para nenhuma das inaugurações, mas é um compromisso da família Lundgren com a preservação da memória da cidade.
“A gente tem mantido a casa em perfeito estado, temos investido bastante, sempre dinheiro privado. É uma honra para mim poder preservar esse conjunto aqui do casarão, que foi a residência do meu avô, e do Jardim do Coronel”, afirmou Anton Lundgren. “Nossa intenção é dar uma finalidade diferente para a casa, fazer com que ela converse mais com a população. Ela tem que oferecer cultura e educação”
No projeto, a proposta é que esse conjunto seja um espaço aberto para os artesãos, poetas, cantores, compositores e artistas visuais do Paulista. Além disso, que seja um lugar para contar a história da cidade. “A gente tem o Jardim do Coronel, que é um espaço maravilhoso, é uma praça no Centro da cidade. Hoje ela está fechada, mas a intenção dentro desse contexto é também abrir esse espaço ao público. Então a gente já vem trabalhando nisso há mais de dois anos. Já foram investidas quantias substanciais nesse projeto. Isso vai acontecer e esse conjunto tombado vai transformar a cidade. Ele tem uma essência para trazer cultura para a nossa população e para visitação turística”, afirma.
Mesmo antes da inauguração de fato, o casarão já é um espaço que recebe visitação de escolas da cidade. Além da preservação do imóvel, a casa tem ainda algumas mobílias da época. Anton afirma inclusive que o instituto não será uma homenagem à família, mas para contar a história da cidade que, evidentemente, os Lundgren contribuíram para escrever.
Além desse conjunto, dois outros marcos dessa presença industrial na cidade eram os parques fabris. Em um deles foi construído o atual Paulista North Way Shopping, que preserva uma chaminé e um antigo imóvel do escritório. O Grupo Nilson Lundgren é detentor detentor da Aurora, conhecida como a fábrica nova, que tem suas caldeiras e chaminés preservadas numa ampla área onde está sendo erguido um conjunto imobiliário, com mais de mil unidades residenciais.
Anton Lundgren considera que há uma experiência bem-sucedida nessa participação da iniciativa privada em preservar o patrimônio local. “É difícil manter um bem histórico sem proporcionar uma atividade econômica em volta. Aqui foi viável, se criou um tombamento sustentável. Para mim foi um case de sucesso. Em outros espaços é importante um incentivo agressivo do poder para a preservação”, afirma.
Fora desse corredor principal, que envolve as fábricas e o casarão, ele ressalta que há um casario antigo, no Alto Sumaré, que foi construído pela Companhia de Tecidos Paulista para os trabalhadores da fábrica, que demanda uma maior atenção. Houve um tombamento municipal, mas não foi encontrado um modelo sustentável para a sua preservação, como a que ocorreu nos parques industriais.
OUTRAS LUTAS E MEMÓRIAS DA CIDADE
O instituto já promoveu abraços coletivos em torno de bens arquitetônicos, já brigou pela manutenção das chaminés, entrou com ações de embargo para evitar demolição de alguns imóveis pelo poder público, entre outras batalhas. Até na escolha do nome do shopping que se tornou uma grande centralidade no município, os representantes do IHGAAP opinaram.
O nome do shopping seria apenas North Way. Com uma consulta popular e atuação do instituto, o empreendimento ganhou o nome escolhido pela população Paulista North Way.
Alguns ativos ambientais e lugares também históricos foram ficando só na lembrança dos moradores. Bernadete Serpa, por exemplo, destaca o antigo Porto Arthur. Era por onde chegavam e saíam carregamentos e muitas pessoas no passado. Ela recorda que a sua avó, moradora de Itapissuma, veio em canoas pelo Rio Timbó com a mudança para Paulista para trabalhar na fábrica.
Entre suas memórias mais saudosas do município estão também o prédio da primeira loja dos Tecidos Paulista, que anos depois formaria as Casas Pernambucanas. Atualmente, funciona no imóvel uma Agência do Trabalho e uma secretaria municipal.
Outro morador saudoso da cidade é Joel Andrade. Autor do hino do município, ele lembra da paisagem natural, cheia de eucaliptos, que embelezava e trazia um aroma especial para Paulista. “A vegetação era muito intensa. Paulista tinha duas coisas: a igreja e os eucaliptos, que deram fim. Até hoje, eles fazem falta visualmente e pelo aroma. Em todo canto de Paulista ficava aquele aroma”, relembra.
Na letra do hino, ele menciona que “Em cima, o céu é mais azul, é mais bonito / Em baixo, a brisa tem aroma de eucalipto / Teu povo é mais ordeiro e mais gentil / Paulista, fração linda do Brasil”.
Outra memória ambiental que ficou para trás foi o Baldo da Levada, um riacho do Paulista cercado por bambus e com água límpida e clara. Era o lugar onde a população se direcionava para beber e carregar água visto que não havia, décadas atrás, abastecimento por encanamento . “Todos bebiam, mas acabou. O progresso levou de volta”, questiona.
Seja pelo seu passado colonial ou pela história industrial, Paulista tem atrativos e potenciais importantes para fomentar a atividade de turismo e cultural nesses espaços de memória. Os edifícios preservados, os que estão em ruínas e as lembranças da cidade que se dissiparam formam um sonho de futuro, primordial para quem deseja instituir e resgatar um Centro Histórico e uma pauta relevante para o debate municipal em vigor.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)