Apesar das barreiras para levar seus produtos e serviços para o exterior, na última década mais empresas pernambucanas de pequeno porte começaram a atuar no mercado internacional
*Por Rafael Dantas
Já imaginou circular em Buenos Aires em um veículo fabricado em Goiana, comprar uma frutinha num supermercado norte- -americano que foi colhida em Petrolina ou mesmo encontrar uma toalha de mesa confeccionada em Salgadinho em uma loja portuguesa? Mesmo com uma economia ainda um tanto fechada, Pernambuco, desde 2014, exporta mais do que importa. Embora o maior volume e faturamento envolvido nesses números seja das grandes empresas, há um movimento para estimular os pequenos negócios a também acessarem o mercado global.
Direto da pequena cidade de Salgadinho, no Agreste Pernambucano, que tem menos de 6 mil habitantes, Letícia Martins comemora a primeira exportação da CoopMulheres (Cooperativa de Costura Bordado e Confecção de Salgadinho). Com a marca Fios de Ouro, lençóis, guardanapos, toalhas e fronhas atravessaram o Oceano Atlântico para entrar na vitrine de uma loja portuguesa. As peças bordadas chegaram a ser expostas também em Paris.
“Fizemos a primeira exportação neste ano. Nossa expectativa é de fazer mais. Conseguimos enviar nossos produtos a partir de uma consultoria e da parceria com outra empresa. Não tem como comparar o mercado. Além do faturamento, é uma venda importante para que essas mulheres sintam a importância do bordado delas saindo do interior do Estado”, afirmou Letícia, que é presidente da cooperativa que reúne 20 cooperadas e gera serviço para aproximadamente 30 bordadeiras.
A entrada das peças bordadas no mercado português permite a venda dos produtos por uma margem bem maior que a praticada em Pernambuco, além de representar um portfólio importante para a CoopMulheres. “Tivemos uma pequena mostra em Paris, em um desfile, dos nossos produtos. Nossa ideia agora é de expansão, ganhar o mercado de hoteis de luxo com os produtos de cama, mesa e banho, além de acessar lojas de artesanato que valorizam a cultura brasileira”, conta Letícia.
De acordo com dados da Secex/MDIC (Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), os MEIs, micro e pequenas empresas pernambucanas representam em 2024 quase um terço (31%) do total de corporações que fazem exportações no Estado. Apesar de percentualmente ser um número relevante, a verdade é que a minoria dos negócios locais conseguem ultrapassar as fronteiras, especialmente quando comparados a outros estados da região e à média nacional.
“Neste mesmo ano, 2024, a participação de MEI, micro e pequenas empresas nas exportações brasileiras representou 41% do total de empresas, contabilizando 11.456 dos 28.524 CNPJs exportadores. Importante comentar que, em relação aos Estados da Bahia, Ceará, e Paraíba, Pernambuco possui a menor participação de MEIs e MPEs nas exportações”, compara João Canto, vice-presidente do Iperid (Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia). Os números são também da Secex/MDIC.
Apesar disso, a tendência dos últimos anos foi de avanço. Em 2023, último ano fechado, 91 empresas desse porte (MEIs, micro e pequenas) do Estado faziam exportações. Em 2019, antes da pandemia, apenas 50 dessas empresas tiveram a experiência de levar seus produtos made in Pernambuco para fora do País.
Entre 2018 e 2023, a tendência, portanto, foi de aumento da participação dos pequenos negócios. “Nota-se uma curva ascendente a partir de 2019, refletindo um movimento de crescimento na quantidade MEI, micro e pequenas empresas no quantitativo de exportadores”, afirmou João Canto. A única exceção nesse período foi justamente entre os anos de 2022 e 2023, quando a presença de empresas desse porte nas exportações teve uma oscilação negativa de 2%.
A falta de cultura exportadora e as dimensões do mercado nacional são alguns dos fatores que justificam que as empresas locais tenham menos ambição de chegar ao consumidor internacional. “O que se percebe é que os pequenos negócios não têm uma cultura exportadora. Eles entendem que as exportações são mais para grandes empresas, não veem o mercado externo como uma oportunidade, mas é uma excelente oportunidade para vários segmentos”, avalia Jussara Siqueira, analista do Sebrae-PE.
O que também acaba desestimulando investir no mercado internacional é o fato de o próprio Brasil oferecer enormes possibilidades de consumo interno. “Normalmente, esses pequenos produtores quando querem estar além de Pernambuco acabam comercializando para outros Estados do Nordeste ou mesmo outras regiões dentro do País. Isso contribui para que a cultura exportadora não seja tão buscada”.
Para quem já atravessou as fronteiras, vencer as barreiras burocráticas de acesso aos principais mercados do mundo é um dos fatores relevantes. “As pequenas empresas locais enfrentam várias barreiras para exportar, incluindo o conhecimento limitado sobre os processos de exportação e os requisitos legais, o que torna difícil a adaptação às normas internacionais”, afirma a coordenadora do CIN (Centro Internacional de Negócios) da FIEPE (Federação das Indústrias de Pernambuco) Sthefany Miyeko.
Além disso, a própria exigência de padrões de produção e certificações entra no pacote de desafios a serem superados para quem deseja ver seus produtos saindo do Brasil. “Essas empresas têm acesso restrito a financiamentos e apoio financeiro, o que compromete os investimentos necessários para adequar seus produtos aos padrões exigidos por mercados externos. Essa adequação a normas e certificações internacionais exige investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Por fim, os altos custos logísticos impactam diretamente a competitividade dos produtos no exterior, tornando mais difícil competir em mercados distantes”, reforça Sthefany Miyeko.
O diretor de gestão estratégica do NTCPE (Núcleo Gestor da Cadeia Têxtil e de Confecções em Pernambuco), Wamberto Barbosa, afirma que o Brasil tem uma grande participação na importação no seu setor, mas a exportação ainda é muito pequena. “Essas empresas historicamente encontram obstáculos em acessar o mercado exportador por questões de dificuldade de logística, gestão, infraestrutura e capital para investimento”. Ele destacou ainda que as legislações do setor têm elevado as exigências para acessar o mercado internacional. “Isso, sem dúvida, é mais um desafio para o mercado brasileiro”.
BENEFÍCIOS INTERNOS E POTENCIALIDADES
O primeiro benefício mais óbvio para quem consegue exportar é aumentar o faturamento, especialmente conquistando maiores margens de lucro se comparadas às praticadas com as vendas internas. Mas, além das cifras, há outros fatores que são positivos para os negócios que desejam voar mais longe.
“A empresa que exporta se profissionaliza mais, dadas as exigências do mercado externo. Em geral, ela melhora sua gestão, qualifica os processos internos e começa a ter uma visão mais ampliada do seu negócio”, afirmou Jussara. A analista do Sebrae acrescentou ainda que a travessia de fronteiras permite um posicionamento diferente da marca nas redes sociais e a ampliação do seu modelo de negócios.
Dentro da diversidade de segmentos produtivos de Pernambuco, muitos negócios de pequeno porte têm possibilidades reais de acessar o mercado internacional, segundo a consultora do Sebrae-PE. As frutas do Vale do São Francisco estão nesse radar, mas não estão sozinhas. Desde o tradicional artesanato pernambucano até mesmo as cachaças têm experimentado as vitrines do exterior.
No Programa de Internacionalização de Pequenos Negócios — Negócios Além das Fronteiras, realizado por uma parceria entre o Sebrae e a Fiepe, 10 empresas locais estão sendo capacitadas para chegar no exterior ou fortalecer a sua presença no mercado internacional. Elas são de setores como o farmacêutico, de calçados, polpa de frutas, metalmecânico, pescado, têxtil, entre outros.
O diretor de gestão estratégica do NTCPE, Wamberto Barbosa, considera que o setor têxtil e de confecções tem condições para exportar. “Além de ter um volume importante, a produção pernambucana é bastante eclética, o que permite ao Estado se credenciar como fornecedor, não só no Brasil, mas também no mercado exterior. Infelizmente, o País tem uma posição bem aquém da sua capacidade”.
Apesar das barreiras, ele avalia que o mercado europeu e da América do Norte seguem procurando fornecedores externos para atender o consumo interno. “É uma oportunidade para as empresas que decidirem estrategicamente participar desse mercado, mas é preciso fazer um investimento no médio prazo. Exige dos empresários uma decisão estratégica e todo um planejamento para que possam realmente lograr êxito nessa investida”.
Se o setor têxtil ainda tem uma longa trajetória pela frente, o polo de fruticultura de Petrolina tem essa vocação há décadas. A Cooperativa de Produtores Exportadores do Vale do São Francisco (Coopexvale) reúne pequenos fruticultores de uvas para colocar suas frutas no mercado internacional. Cerca de 30% da produção dos 35 cooperados segue para o exterior. Estados Unidos, Canadá e os países da União Europeia recebem as uvas colhidas no perímetro irrigado do Vale do São Francisco. “Já iniciamos a cooperativa com o pensamento em exportação. Havia um mercado muito atrativo na época. Quando veio a crise econômica, abrimos também o consumo interno, que hoje abarca 70% da produção. Mas nossa expectativa com o mercado lá fora é grande, porque estão procurando as nossas frutas”, afirmou Álvaro Solano, presidente da Coopexvale.
Atender os mercados local e internacional é importante para o setor, visto que o cultivo e a comercialização de uvas é muito sensível a vários fatores. Desde as condições climáticas, como a ocorrência de mais chuvas, até mesmo as oscilações do consumidor, que em momentos de menor poder de compra pode abrir mão da fruta.
VOCAÇÃO EXPORTADORA DE BERÇO
Um desafio local é despertar o mercado internacional para as empresas pernambucanas desde o berço. Muitas startups tecnológicas já brotam de olho no consumidor de fora, por exemplo. Nascida no Sertão Pernambucano, a HAP Gesso ainda nem comercializa seu produto, mas já tem um pé em Portugal. A startup pernambucana é dedicada à produção de hidroxiapatita de cálcio sintética, um biomaterial inovador para regeneração óssea, desenvolvido a partir do gesso.
“Nosso foco é atender ao setor de saúde, especialmente em mercados que demandam produtos de alta qualidade e tecnologia. A experiência de internacionalização tem sido desafiadora e enriquecedora, exigindo adaptações significativas tanto nos processos quanto no desenvolvimento de parcerias estratégicas”, afirma a sócia Ceissa Campos Costa.
Ela é natural de Araripina, onde os pais têm uma fábrica de gesso, e os demais sócios são de Petrolina. O laboratório, inclusive, com a planta piloto, fica incubado na Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco). Apesar de muito recente, a empresa inovadora já estabeleceu uma base no exterior, onde está incubada no Porto Digital Europa, em Aveiro. Atualmente, o produto está em fase de testes e certificações no Brasil e em Portugal. Simultaneamente, a startup busca a certificação europeia para atender às normas de saúde vigentes no continente.
Os desafios para chegar nas prateleiras internacionais não são pequenos. Mas são várias as iniciativas de sensibilização e capacitação para impulsionar as empresas locais para entrar em novos mercados. “Pernambuco foi pioneiro no Nordeste em participar da política nacional da cultura exportadora. Há um movimento do Governo Federal para incentivar pequenos e médios negócios a exportar. Isso é fundamental pois a estatística aponta que apenas 1% das empresas do Brasil têm experiência com mercado externo. É uma participação muito baixa”, afirmou Urbano Nóbrega, coordenador de Pesquisa e Indicadores da Agência Condepe-Fidem.
Seja no campo, na indústria ou nos serviços desenvolvidos nas grandes cidades, os passos para Pernambuco vender para o mundo são conhecidos. O desenvolvimento da cultura exportadora e a sensibilização dos pequenos negócios para aproveitar as oportunidades nesse amplo mercado global são os próximos passos para levar os produtos locais pelos mares, ares ou pela “nuvem” para o exterior.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)