Com a inauguração ainda este ano da primeira empresa do setor, a expectativa é de que novos players sejam atraídos para o Estado. Também espera-se a instalação de um cabo submarino e o impulsionamento das energias renováveis, já que essas estruturas são intensivas em consumo energético.
*Por Rafael Dantas
Com a explosão de informações geradas pelo avanço da inteligência artificial no mundo, um setor que tem uma grande demanda para crescer é dos data centers. Essas infraestruturas abrigam servidores, sistemas de armazenamento e equipamentos de rede usados para processar, armazenar e gerenciar dados. Pernambuco coloca um pé nesse mercado com a chegada do primeiro empreendimento que deve ser inaugurado ainda em 2025.
O investimento de R$ 300 milhões foi anunciado pela empresa pernambucana Um Telecom que criou a unidade de negócios Atlantic Data Centers. O investimento é dividido em três fases, a primeira será o Recife1, que será instalado no Parqtel (Parque Tecnológico de Eletrônicos e Tecnologias Associadas de Pernambuco), no Recife, e vai requerer R$ 50 milhões, com recursos financiados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
No primeiro momento, o empreendimento ocupará uma área de aproximadamente 14 mil metros quadrados, com 150 racks (estruturas metálicas usadas para organizar e acomodar servidores e dispositivos de rede) e potência de 1 MW dedicada a equipamentos de TI. Nas duas fases seguintes, a expectativa é de atingir até 6 MW.
“Infraestrutura digital é um conjunto composto por conectividade e data centers. O Brasil hoje tem uma taxa enorme de penetração da conectividade, mas temos uma grande carência de data centers. E isso não é um ‘privilégio’ do País”, afirma Daniel Gomes, presidente da Atlantic Data Centers. “Essa carência é forte no mundo todo, com o avanço da inteligência artificial. E a tendência é que a IA chegue em todos os aplicativos que usamos”.
O data center local, que nascerá conectado com mais de 22 mil quilômetros de redes de fibra óptica, tem como potenciais clientes um amplo leque de empresas, que vai das big techs globais às operações de companhias nacionais e pernambucanas. Entre os possíveis usuários estão os players do ecossistema do Porto Digital e grandes protagonistas da economia pernambucana, como a Stellantis, em Goiana, e o Porto de Suape, no litoral sul.
SEGURANÇA DA DESCENTRALIZAÇÃO
Atualmente, a maioria dessas infraestruturas está instalada em São Paulo. No Nordeste, o destaque é o Ceará. A centralização delas em poucas cidades, no entanto, não é um fator recomendado, por questões de segurança. “Os data centers são considerados infraestruturas críticas porque armazenam e processam grandes volumes de dados essenciais para operações governamentais, empresariais e de serviços públicos. A descentralização desses data centers é importante por várias razões”, afirma Leandro Oliveira Moraes, que é professor da UniFBV Wyden e especializado em gerenciamento de projetos e em big data.
Ele aponta que a descentralização ajuda a garantir que, se um data center falhar, outros possam assumir suas funções, minimizando interrupções nos serviços. Além disso, a distribuição dessas estruturas em diferentes locais reduz também o risco de ataques cibernéticos ou físicos afetarem todos os dados simultaneamente.
Além desses aspectos, há fatores tecnológicos importantes para o mercado local. “Ter data centers mais próximos dos usuários finais melhora a velocidade de acesso aos dados e a eficiência dos serviços”, destacou Leandro Moraes.
No caso do Recife, por exemplo, a latência com a disponibilidade de um data center local será de 2 milissegundos. Se o mesmo dado estivesse em São Paulo, o tempo seria de 40 milissegundos, e nos Estados Unidos seria de 120. A latência é o intervalo que um dado leva para ir de um ponto a outro em uma rede, como o atraso entre clicar em um link e o site começar a carregar.
NEGÓCIOS PARA ENERGIAS RENOVÁVEIS TAMBÉM
O Brasil tem potencial, inclusive, de se tornar um exportador dos serviços desses data centers. Um dos motivos é a disponibilidade de energias renováveis no País. O avanço desse setor tem promovido um crescimento exponencial do consumo de eletricidade.
Para se ter ideia, em 2022, o setor no mundo utilizava o equivalente a 0,85% do consumo no Brasil em um ano. Para 2026, a estimativa é que os data centers no planeta precisem de duas vezes todo o uso de energia do País. Em 2034, daqui a menos de 10 anos, seriam necessários três vezes o nosso consumo de energia apenas para dar conta desse setor. O Eletric Power Research Institute estima que poderá alcançar nos Estados Unidos 9% da geração de eletricidade anual. Em 2023, era de 4%.
Diante da urgência da agenda das mudanças climáticas e do aquecimento global, os países que têm a matriz energética mais limpa, como é o caso do Brasil, em especial do Nordeste, ganham um atrativo maior. Para se ter ideia do quão elevado é o gasto de energia pelas inteligências artificiais que representam uma parte dos clientes desse setor. Uma pesquisa no ChatGPT, por exemplo, equivale ao consumo de um banho de 4 minutos em um chuveiro elétrico. Ela gasta 10 vezes mais que uma busca no Google.
“Esses investimentos foram alocados e direcionados para regiões ricas em energias renováveis. Isso ocorre porque essas áreas podem fornecer uma fonte de energia limpa e sustentável, o que é crucial para reduzir a pegada de carbono desses empreendimentos. Data centers são, de fato, grandes consumidores de energia. Eles precisam de uma quantidade significativa de eletricidade para alimentar servidores, sistemas de resfriamento e outros equipamentos essenciais para o seu funcionamento”, afirmou Leandro Moraes.
Esse é o motivo que torna a proximidade com fontes de energia renovável, como solar e eólica, altamente vantajosa para esse setor, tanto do ponto de vista econômico quanto ambiental. “Além disso, a utilização de energias renováveis pode ajudar a mitigar os custos operacionais a longo prazo e melhorar a sustentabilidade dos data centers, tornando-os mais atraentes para investidores e clientes preocupados com a responsabilidade ambiental”, destacou o professor da UniFBV.
A Um Telecom, inclusive, já possui uma usina solar, instalada na cidade de São Caetano, que gera 120 mil KWh/mês e atenderá parcialmente a demanda da Atlantic Data Centers. O empreendimento ocupa 1 hectare na cidade do Agreste pernambucano.
EMPREGOS E O ADENSAMENTO DA CADEIA PRODUTIVA
O empreendimento em si não é intensivo em mão de obra. No primeiro momento, após a construção, é esperada a contratação de 30 profissionais para o Recife1. Porém, esses espaços funcionam como grandes plataformas, a exemplo dos galpões logísticos, onde as empresas clientes levam suas instalações e fazem a operação. Logo, em cada conjunto de racks operados dentro do data center, outros profissionais devem trabalhar.
O adensamento dessa cadeia produtiva, tanto para dentro dos data centers, como para fora, em relação ao impacto no mercado pernambucano, são significativas. “Temos oportunidades de infraestrutura digital que vão desde a parte de conectividade, até a parte de data centers e das energias. Temos que aproveitar e a hora é agora para Pernambuco sair da estagnação. Fortaleza, por exemplo, tem um cinturão digital há muitos anos. É preciso que empresários e o governo estejam juntos para deixar o Estado apto para receber esses investimentos. Esse data center é a primeira semente, precisamos trazer cabos submarinos para o Recife”, afirmou Rui Gomes, CEO da Um Telecom.
Cabos submarinos são estruturas de fibra óptica instaladas no fundo dos oceanos para transmitir dados entre continentes. Eles são essenciais no setor de tecnologia pois garantem a conexão global da internet, suportando a troca de informações em alta velocidade e com baixa latência. Atualmente, Fortaleza, no Ceará, é o principal ponto de chegada dos cabos vindos dos EUA, América Latina, Europa e África. A maioria conecta-se ao Rio de Janeiro e São Paulo, enquanto apenas um passa por Salvador.
A expectativa é que o desenvolvimento do setor de data centers no Estado possa aumentar a atratividade para a chegada de um cabo submarino para a capital pernambucana. Para acelerar a vinda de novas estruturas ao Estado, o executivo sugeriu a criação de uma Secretaria de Infraestrutura Digital em Pernambuco. “Acreditamos que o data center possa ser um grande drive (impulsionador ou catalizador) para atração do cabo submarino. Acreditamos que podemos atrair esse tipo de infraestrutura”, projetou Joselito Bergamaschine, vice presidente da Atlantic Data Centers.
Os aportes, inclusive, dos clientes desse setor são muito maiores do que aqueles relacionados à instalação do empreendimento. “Além de fomentarmos o mercado de energia local, cada recurso gasto na construção do data center gasta 10 vezes mais para poder ‘recheá-lo’ com equipamentos. Então, esse dado é realmente muito importante. Se a gente está investindo R$ 300 milhões, são esperados R$ 3 bilhões em equipamentos. Isso gera impostos, renda, empregos, enfim, que movimentam a economia de uma forma geral”, afirmou Rui Gomes, CEO da Um Telecom.
PORTO DIGITAL POTENCIALIZADO TAMBÉM
Quando se fala em tecnologia em Pernambuco, o ecossistema de inovação do Porto Digital é uma referência. A chegada do data center pode beneficiar as atividades do nosso cluster tecnológico. Além de mais velocidade e segurança nas conexões, a estruturação de mais esse setor pode atrair outras empresas e até a vinda de um cabo submarino para o Estado.
“Investir em data centers aqui não apenas fortalece a infraestrutura necessária para o armazenamento e a transmissão de dados como, também, redefine a forma como distribuímos conteúdo digital no Nordeste”, avalia Mariana Pincovsky, diretora-executiva do Porto Digital. “Na economia digital, algumas aplicações demandam uma experiência de uso mais imersiva e interativa, como é o caso do streaming de vídeo, por exemplo. Nesse cenário, quanto mais próximo o conteúdo estiver do usuário, melhor será a qualidade da experiência”.
A ampliação de investimentos tecnológicos locais é um dos frutos esperados pela diretora do Porto Digital que ganha ainda mais competitividade. “A chegada de data centers é um passo importante não só para o avanço tecnológico mas, também, para a ampliação da conectividade, permitindo que mais empresas da região se integrem ao ecossistema digital global. Isso potencializa o desenvolvimento do Nordeste e atrai investimentos locais e internacionais, consolidando ainda mais Pernambuco como um hub de inovação e tecnologia no Brasil”, afirma Mariana.
Com a inauguração do primeiro data center em Pernambuco, o Estado dá um passo estratégico para fortalecer seu posicionamento como um polo de inovação e tecnologia no Brasil. A combinação de infraestrutura digital, energias renováveis e o fortalecimento de ecossistemas como o Porto Digital não apenas atrai investimentos mas, também, impulsiona o desenvolvimento econômico e social da região, consolidando Pernambuco como uma referência no cenário da economia digital global.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)