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Pernambuco na rota da inovação e da tecnologia

Revista Algomais

Com startups em expansão, ecossistema fortalecido e soluções sustentáveis, o Estado se consolida como polo estratégico do Nordeste, mas ainda enfrenta desafios de escala e inserção no mercado nacional.

*Por Rafael Dantas

A inovação tornou-se palavra de ordem no planejamento estratégico das empresas, nos debates sobre gestão pública e, também, na busca por respostas aos novos desafios de um mundo cada vez mais tecnológico e marcado pelas mudanças climáticas. Impulsionados pelo Porto Digital, pelos investimentos privados e pelas universidades, os empreendimentos de base tecnológica pernambucanos – verdadeiras pontas de lança dessa engrenagem – vêm ganhando força em atividades produtivas de grande relevância para a economia local. O Estado lidera o número de startups no Nordeste, com 780 em operação, segundo pesquisa do Sebrae. Na semana passada, parte desse ecossistema marcou presença em um dos maiores eventos do setor no País, o Startup Summit, levando para Santa Catarina insights e soluções made in PE.

O ecossistema local já movimenta cifras relevantes. Segundo pesquisa da Caravela a partir de dados da Neoway, o faturamento do setor de tecnologia – que tem 14.858 empresas no Estado – em 2024 foi de R$ 13,8 bilhões, 5,9% superior ao registrado em 2023. O movimento é crescente nos últimos anos. Em 2018, por exemplo, o faturamento total foi de R$ 9,2 bilhões. 

info faturamento tecnologia

Porém, quando a lupa se volta para a participação da economia pernambucana, o setor responde por 4,79% do PIB de Pernambuco. Além disso, o Estado ocupa a 10ª posição nacional no ranking de maior protagonismo do setor na economia estadual, que é liderado pelo Amazonas (14,9%), por São Paulo (10,5%) e por Santa Catarina (7,7%). 

Quando analisada a parcela de contribuição de Pernambuco na produção nacional, o Estado responde por apenas 1,69% do faturamento do setor no Brasil. Uma participação ainda tímida, mesmo com todo crescimento do Porto Digital nos últimos anos.

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Pernambuco tem vantagens claras em serviços de tecnologia, saúde, mas também sobre o bioma da Caatinga e na economia azul. São segmentos com grande potencial de inovação e mercado”. Evelyne Labanca

POTENCIAIS LOCAIS

Os estudos empreendidos pelo ecossistema de inovação do Sebrae no Estado revelam alguns diferenciais competitivos. Na pesquisa Startups Sebrae Report 2025, 14,75% dessas empresas são da tecnologia da informação. Na sequência já aparece o segmento de saúde e bem-estar, com 12,82% de representação.  “O Estado tem vantagens claras em serviços de tecnologia, saúde, mas também sobre o bioma da Caatinga e na economia azul (modelo econômico focado no uso sustentável dos recursos oceânicos e costeiros para promover o desenvolvimento). São segmentos com grande potencial de inovação e mercado”, destaca Evelyne Labanca, gerente de Negócios Inovadores do Sebrae-PE.

Dois exemplos ajudam a ilustrar esse potencial: a Gumlife, que aposta no bioma da Caatinga ao desenvolver insumos sustentáveis para cosméticos a partir da resina do cajueiro, e a AICury, que inova na saúde com inteligência artificial para monitorar pacientes no pós-operatório. Ambas foram destaques no Startup Summit e mostram como ciência e empreendedorismo podem se transformar em impacto econômico e social.

Com um olhar na Caatinga, tanto na pesquisa quanto no mercado, a Gumlife nasceu dentro da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Ela apresentou ao País soluções inovadoras a partir da resina do cajueiro, que é adquirida diretamente de agricultores familiares, criando uma nova fonte de renda no campo. 

Incubada no Parque.TeC UFPE, a empresa surgiu em 2020 a partir de pesquisas acadêmicas de estudantes de farmácia, biomedicina e medicina, consolidando-se como empresa em 2022. O objetivo é claro: transformar ciência em impacto real. “A gente sentia a necessidade de trazer algo para o mercado. A sociedade cobra muito: ‘o que é que vocês trazem de volta para a gente?’”, destaca a CEO Joandra Leite.

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Nascida na UFPE, a Gumlife, aposta no bioma da Caatinga ao desenvolver cosméticos a partir da resina do cajueiro, e um suplemento prebiótico voltado para a saúde intestinal. Segundo Joandra Leite, a proposta é entregar soluções veganas e sustentáveis.

O principal produto desenvolvido pela Gumlife é uma goma purificada, obtida da resina extraída do cajueiro, que  pode ser aplicada nas indústrias cosméticas, alimentícias e farmacêuticas. O insumo natural traz propriedades hidratantes, anti-inflamatórias e estimulantes da síntese de colágeno para o rejuvenescimento facial. Além dele, a empresa desenvolve um suplemento prebiótico voltado para a saúde intestinal. Segundo Joandra, a proposta é entregar soluções veganas e sustentáveis, reforçando a inovação nordestina. “Além de ser natural, nosso cosmético é vegano e traz propriedades de rejuvenescimento e saúde para a pele”, explica.

O modelo de negócio da Gumlife combina a venda de insumos para outras empresas (B2B) e o desenvolvimento de produtos próprios. A startup mostra em feiras os cosméticos, enquanto aguarda o registro da Anvisa para lançar sua primeira linha de dermocosméticos ao consumidor, prevista para dezembro de 2025. Já o suplemento prebiótico deve chegar ao mercado ao longo de 2026.

Várias inovações ancoradas no semiárido estão despontando nos eventos de mercado e científicos. Essas novas tecnologias partem de centros de pesquisa acadêmicos, como também de instituições estatais como Embrapa e IPA (Instituto Agronômico de Pernambuco), além de empresas que já descobriram os potenciais da Caatinga.  

INOVAÇÃO QUE RIMA COM SAÚDE, IA E WHATSAPP

No campo da saúde, o Recife desponta como o segundo polo médico no País. É nesse contexto que nasceu a AICury, startup recifense incubada também no Parque.Tec da UFPE. Ela desenvolveu uma tecnologia pioneira que utiliza inteligência artificial para acompanhar pacientes no período pós-operatório, diretamente pelo WhatsApp. 

Criada há dois anos, a solução garante assistência remota por até 30 dias após a alta hospitalar, permitindo que complicações sejam detectadas mais cedo e os pacientes retornem ao hospital com menor risco. “Conseguimos identificar com 99% de acurácia uma infecção pós-cirúrgica mais cedo, o que melhora a qualidade de vida do paciente e reduz custos para os hospitais”, explica José Willian Nascimento, diretor de produtos da AICury.

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Conseguimos identificar com 99% de acurácia uma infecção pós- cirúrgica mais cedo. O objetivo é garantir qualidade de vida ao paciente e gerar economia de recursos, especialmente para o setor público. José William do Nascimento

Batizada de Lucy, a IA conversa com pacientes de diferentes faixas etárias e níveis de escolaridade, analisando padrões de resposta para identificar sinais de alerta. Caso seja detectado risco de complicação, o sistema aciona automaticamente a equipe médica responsável. A tecnologia já está em operação no Hospital das Clínicas e no Hospital Barão de Lucena, onde acompanha cerca de mil pacientes por mês.

Além de oferecer mais segurança e qualidade de assistência, a solução proporciona economia significativa aos hospitais, reduzindo dias de internação, uso de antibióticos e ocupação de leitos de UTI. “Nosso objetivo é garantir qualidade de vida ao paciente e, ao mesmo tempo, gerar economia de recursos, especialmente para o setor público”, reforça Nascimento. Com uma equipe de 10 profissionais entre sócios, desenvolvedores, pesquisadores e especialistas em marketing, o foco da startup agora é escalar a operação e expandir a tecnologia para hospitais de todo o Brasil.

Evelyne destaca que a força das healthtechs no Estado é motivada pelo potencial do próprio setor de saúde. “A gente tem um ambiente muito propício de pesquisa dentro das universidades. Temos também grandes players de saúde, hospitalares, do setor privado, que têm o interesse de consumir os serviços de inovação que existem no Porto Digital”. A cidade abriga ainda a Foz, um centro de inovação especializado nas áreas de saúde e educação, ligado a FPS (Faculdade Pernambucana de Saúde).

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DESAFIOS A SEREM SUPERADOS PELO SETOR

Pernambuco tem uma coleção de outras startups que uniram pesquisas acadêmicas aplicadas a problemas práticos da sociedade e das empresas. Iniciativas que estão em incubadora, centros de inovação ou já estão com seus produtos no mercado. Apesar do volume expressivo de novos negócios no Estado, a maioria absoluta delas (81,33%) são ainda microempresas. Quando analisado o grau de maturidade, 32,44% ainda está na fase de ideação e 40,38% na validação.  

O estudo do Sebrae revelou que mesmo diante de um exponencial crescimento das startups ao longo dos últimos anos, há um grande desafio da monetização. “Muitas startups ainda operam com faturamento limitado ou nulo”, assinalou o relatório. 

O Ibid (Índice Brasil de Inovação e Desenvolvimento), também apresentado no Startup Summit, revelou que apesar desse dinamismo local, Pernambuco apareceu apenas na 13ª posição nesse ranking que mede o desempenho dos ecossistemas de ciência e tecnologia. O relatório indica uma “perda relativa de competitividade” em relação a estados líderes, como São Paulo. Apesar desse dado, o Ibid avaliou que “os estados do Nordeste são mais eficientes na conversão de seus insumos em produtos de inovação”.

Para Péricles Negromonte, do Sebrae-PE, a saída para impulsionar essas empresas inovadoras está em acelerar a exposição das startups ao ambiente natural – e competitivo – de negócios. “O grande professor é o mercado. Precisamos colocar nossas startups em fase de validação e tração diante dele de maneira estratégica e estruturada”, afirma.

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O grande professor é o mercado. Precisamos colocar nossas startups em fase de validação e tração diante dele de maneira estratégica e estruturada.” Péricles Negromonte

O analista do Sebrae-PE explica que Pernambuco tem um ecossistema de apoio que fomenta o desenvolvimento de inovação e de novas tecnologias. Porém, há alguns passos a serem dados em outras direções. “Falta fazer uma estratégia de aproximação com o mercado. E ainda falta toda a estratégia de financiamento dessas iniciativas. E aí vem o fomento e o capital privado. Aí reside o papel de instituições como o Sebrae e o Porto Digital, para prover esses ecossistemas desses outros agentes, senão a gente não desenvolve”.

Outro desafio pernambucano, mas que está em curso, é a interiorização. Santa Catarina, por exemplo, que é um dos estados que mais avançou no setor, tem centros de inovação em vários polos pelo seu território. Apesar de o setor de TI ser responsável por 25% do PIB da capital Florianópolis, seis mesorregiões também se destacaram nos últimos cinco anos, com aumento de faturamento e já contribuindo com a arrecadação de ISS dos seus municípios. Cidades polos no Sul (Criciúma) e Norte (Joinville), no Vale do Itajaí (Blumenau, Rio do Sul e Itajaí), registraram aumento significativo na arrecadação de impostos sobre serviços de base tecnológica.

Apesar da concentração de empresas e de negócios inovadores no Recife (o que não é exclusivo desse setor) desponta um processo em desenvolvimento já há anos em Caruaru, onde funciona o Armazém da Criatividade, e em Petrolina que receberá um hub de inovação do Porto Digital – em um antigo prédio do Museu Espaço Arte, Ciência e Cultura da Universidade Federal do Vale do São Francisco. A cidade sertaneja, inclusive, é sede, há décadas, da Embrapa Semiárido.

INOVAÇÕES NAS ÁGUAS

Com a capital pernambucana sendo uma das 20 mais ameaçadas pelo mundo com as mudanças climáticas e com o litoral abrigando algumas joias do turismo brasileiro, como Porto de Galinhas, as inovações envolvendo as “águas” não poderiam ficar de fora. Do Estado há experiências reconhecidas como na captação e tratamento das chuvas e a regeneração da vida marinha dos corais.

A Pluvi Soluções Ambientais Inteligentes, startup incubada no Parque Tecnológico e Criativo da UFPE, completará quatro anos em setembro e já coleciona resultados expressivos em projetos socioambientais. Seu carro-chefe é o Plugow, um sistema inovador que capta e armazena água da chuva, transformando-a em água potável sem aditivos químicos. “O Plugow tem a missão de promover dignidade, porque leva água de qualidade para dentro das casas das pessoas que mais precisam”, afirma Alyne Mesquita, assessora de mobilização de recursos da Pluvi.

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O Plugow tem a missão de promover dignidade, porque leva água de qualidade para dentro das casas das pessoas que mais precisam. A ideia é irradiar essa tecnologia pelo Nordeste e, em breve, levá-la também para fora do Brasil.” Alyne Mesquita

A solução já foi aplicada em comunidades vulneráveis do Recife, como o Alto da Telha, onde foram instaladas 87 unidades em parceria com a UFPE e o Ministério do Meio Ambiente. O sucesso da iniciativa levou o Governo de Pernambuco a expandir o projeto para o Jardim Monte Verde, em Jaboatão dos Guararapes, com a instalação de 500 novas unidades. A startup também atua na região Norte, em Belém do Pará, beneficiando famílias ribeirinhas.

Composto por um reservatório vertical de mil litros acoplado a uma cisterna de 300 litros, o sistema consegue armazenar até 1.300 litros de água da chuva, eliminando impurezas já no primeiro milímetro captado. O sistema utiliza filtragem para remover poluição atmosférica e agentes patogênicos, garantindo água segura para beber, cozinhar e tomar banho. Atualmente, a Pluvi conta com uma equipe de 19 pessoas e já mira a internacionalização. “A ideia é irradiar essa tecnologia pelo Nordeste e, em breve, levá-la também para fora do Brasil”, projeta Alyne.

Se, por um lado, soluções como a da Pluvi mostram como é possível garantir acesso à água limpa e segura para populações vulneráveis, por outro, iniciativas como a da Bio Fábrica de Corais revelam como a inovação também pode regenerar ecossistemas inteiros. A startup, fundada em 2017 como projeto de pesquisa e transformada em empresa em 2022, atua na restauração de recifes marinhos, desenvolvendo tecnologias para cultivo e transplante de corais.

O CEO, Rudã Santos, destaca que a empresa desenvolveu um conjunto de soluções inovadoras para cultivo e transplante de corais, processo ainda pouco conhecido pelo público em geral. Além da atuação direta na recomposição de ecossistemas marinhos, a biofábrica também busca traduzir esse trabalho em experiências educativas e de turismo.

Nos últimos anos, o tema ganhou maior relevância diante do avanço das mudanças climáticas e do branqueamento dos corais. Segundo Rudã, se antes havia dúvidas sobre a necessidade da restauração, hoje há um consenso crescente de que essa é uma estratégia indispensável de mitigação ambiental. “Nosso desafio é transformar a restauração em algo escalável e sustentável, com processos cada vez mais padronizados”, afirmou.

Bio Fabrica de Corais
Rudã Santos informa que a Bio Fábrica de Corais desenvolveu um conjunto de soluções para cultivo e transplante de corais. Além da atuação direta na recomposição de ecossistemas marinhos, a empresa também busca traduzir esse trabalho em experiências educativas e de turismo.

O modelo de negócios da Bio Fábrica abrange desde projetos de educação e comunicação até parcerias com empresas que têm agendas ESG. A startup já atua com marcas, como a CVC e o Grupo Amarante, além de manter mais de 30 parceiros estratégicos.

O cenário pernambucano demonstra que a inovação já é um vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental para o Estado. O crescimento constante do faturamento, a presença em eventos nacionais e a multiplicidade de soluções – que vão da saúde à economia azul – comprovam o potencial do ecossistema local. No entanto, para que Pernambuco transforme esse protagonismo em maior participação no PIB e relevância nacional, será essencial avançar em estratégias de monetização, interiorização e financiamento. O futuro aponta para um terreno fértil.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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