Pernambuco No Palco Global: Desafios E Oportunidadesda Internacionalização - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
Pernambuco no palco global: desafios e oportunidadesda internacionalização

Revista Algomais

Especialistas apontam potencial estratégico do Estado como hub no Atlântico Sul, destacam parcerias com a África e Europa Central e cobram protagonismo da iniciativa privada para impulsionar novo ciclo de desenvolvimento. O Pernambuco em Perspectiva é uma promoção da Revista Algomais e da Rede Gestão, com patrocínio do Banco do Nordeste e do Governo Federal.

*Por Rafael Dantas

A internacionalização da economia pernambucana desponta como um dos principais desafios do novo ciclo de desenvolvimento do Estado. Durante o encontro Pernambuco em Perspectiva - Estratégia de Longo Prazo, realizado em julho, Gilberto Freyre Neto, presidente do Iperid (Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia), e Rainier Michael, cônsul da Eslovênia, chamaram atenção para oportunidades ainda pouco exploradas pelos atores locais, como as parcerias com países da África e da Europa Central. Ambos defenderam a urgência de um planejamento estratégico que posicione Pernambuco na agenda global e cobraram maior protagonismo da iniciativa privada nesse processo. Os palestrantes também destacaram a longa trajetória internacional do Estado, com raízes no ciclo colonial, e o potencial diplomático de abrigar o segundo maior corpo consular do Brasil.

No passado, Pernambuco teve um papel de protagonismo nas exportações durante o ciclo do açúcar. Na palestra, Gilberto Freyre Neto apresentou uma leitura histórico-estratégica da posição do Estado no mundo, defendendo sua relevância geopolítica como ponto de conexão entre continentes e culturas desde o período das Grandes Navegações até os desafios atuais da globalização.

Ele argumenta que Pernambuco deve assumir seu papel como elo ativo no cenário internacional, investindo em ciência, tecnologia, educação e diplomacia cultural. Para isso, propõe uma revalorização do passado para projetar um futuro de protagonismo mais uma vez como um “Farol Estratégico no Atlântico Sul”.

Gilberto Neto
Pernambuco, segundo Gilberto Freyre Neto, deve assumir papel como
elo ativo no cenário internacional, investindo em ciência, tecnologia,
educação e diplomacia cultural. Para isso, propõe uma revalorização
do passado, quando manteve fortes relações com outros países.

OLHAR PARA FORA DAS GRANDES POTÊNCIAS ATUAIS


Apesar da proximidade geográfica e dos laços históricos compartilhados com o continente africano, Pernambuco tem negligenciado a construção de pontes estratégicas com países da costa ocidental da África. Em sua palestra, Gilberto Freyre Neto alertou para o potencial desperdiçado nessas relações, destacando a Nigéria como um exemplo simbólico. “A Nigéria já tem uma população maior que o Brasil, o PIB é 40% do nosso. Vai chegar daqui a 50 anos a 70%, e nos superar daqui a 100 anos”, projetou. Segundo ele, esse crescimento torna urgente o fortalecimento de vínculos culturais, comerciais e diplomáticos com o país africano, que deverá ocupar papel de protagonismo global nas próximas décadas.

Ao invés de esperar que as oportunidades surjam espontaneamente, Freyre Neto defende uma atuação proativa de Pernambuco que precisa se posicionar como parceiro estratégico de uma África em ascensão. “E a gente não vai fazer amizade com os nigerianos?”, provocou, ao questionar a ausência de iniciativas concretas de aproximação. Para ele, o momento é de investir em relações de confiança e afeto, fundamentais para a criação de rotas comerciais sustentáveis e cooperação mútua. Ignorar esse potencial significa ceder espaço a potências como a China, que já atua intensamente na região, enquanto Pernambuco assiste de longe, sem marcar presença.

Enquanto Gilberto Freyre Neto chamou atenção para o potencial da costa ocidental africana, Rainier Michael destacou a relevância estratégica da Europa Central, uma região frequentemente ignorada nas discussões sobre internacionalização. Ele apontou a Eslovênia, país com cerca de 2 milhões de habitantes e presença diplomática em Pernambuco há nove anos, como porta de entrada para mercados europeus sem acesso ao mar, como Áustria, Suíça e Hungria. Nesse contexto, o Porto de Koper, no Mar Adriático, surge como uma alternativa logística altamente competitiva.

Rainier defende que Pernambuco adote uma visão mais ousada e criativa, apostando em rotas alternativas às grandes potências comerciais. “A Eslovênia é um país pequeno, mas está no Mar Adriático. Para negócios, é a porta de entrada para a Europa Central. Por que nós não olhamos isso?”, questionou. Ele lembrou que 30% dos carros da BMW são exportados por Koper, porto que está 300 quilômetros mais perto do que Hamburgo para boa parte da Europa Central. “Vários países dessa região europeia que não têm portos usam a Eslovênia para exportação. A gente tem que procurar novos horizontes. É a estratégia que o consulado utilizou”, completou.

RISCO DE FICAR FORA DA NOVA ROTA DA SEDA

A participação do Estado nas conexões bioceânicas impulsionadas pela China – por meio da Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative) – foi tema de uma das perguntas mais provocativas do público, feita por Sérgio Cavalcante, head de inovação do Grupo Cornélio Brennand. Em resposta, Gilberto Freyre Neto alertou para o avanço silencioso, mas consistente, de uma nova infraestrutura logística que conecta o Oceano Pacífico ao Atlântico Sul. Esses empreendimentos terão impactos diretos sobre o futuro da inserção internacional do Brasil e, especialmente, do Nordeste. Ele destacou, porém, que Pernambuco corre o risco de ficar de fora dos principais eixos de circulação de mercadorias globais.

O presidente do Iperid explicou que os corredores ferroviários e hidroviários que compõem essa rota – ligando, por exemplo, o Porto de Chancay (no Peru) ao Porto de Ilhéus (BA) – estão em construção há mais de duas décadas, com participação crescente de investidores chineses e longe das fronteiras pernambucanas. Essas obras, já em fase avançada, incluem caminhos logísticos que atravessam o continente, inclusive em regiões onde países como o Paraguai, mesmo sem litoral, já se integram ao comércio internacional com mais eficiência que muitos estados brasileiros.

O cenário se torna ainda mais preocupante diante da ausência de articulação de Pernambuco com esses fluxos globais. Gilberto Freyre Neto afirmou que o Estado poderia se tornar um centro de processamento de produtos asiáticos destinados à África, aproveitando sua posição privilegiada no Atlântico Sul. No entanto, isso exige infraestrutura intermodal eficiente, conexões ferroviárias funcionais – como a execução da Transnordestina e a sua conexão da a Ferrovia Norte-Sul – e políticas públicas integradas.

PAPEL DO ESTADO E PAPEL DO EMPRESARIADO

Um dos alertas mais recorrentes no debate sobre a internacionalização de Pernambuco foi a ausência de protagonismo da iniciativa privada. Para além de planos de governo ou acordos institucionais, os palestrantes insistiram que são os empresários, empreendedores e representantes da sociedade civil os verdadeiros motores do comércio internacional. Sem articulação direta com o setor produtivo, protocolos assinados pelo poder público correm o risco de se tornarem apenas gestos simbólicos. “Os memorandos de entendimentos [assinados entre cidades ou países] não geram obrigação para nenhum dos lados”, advertiu Gilberto Freyre Neto. “Não é o Estado de Pernambuco que vai vender para o estado do Alasca. É o empresário daqui que tem que vender para o empresário de lá”.

Rainier Michael reforçou essa leitura ao lembrar que Pernambuco já dispõe de consulados, câmaras de comércio e redes de apoio diplomático que estão subutilizadas. “Usem a Câmara de Comércio dos países. Usem os consulados aqui presentes. Eles estão aguardando para fazer negócio”, incentivou.

Ele propôs ainda a criação de uma ferramenta digital que concentre informações, contatos e oportunidades em um ambiente ágil e colaborativo, inspirado no modelo das startups. Sem esse esforço coletivo, que inclui necessariamente a iniciativa privada, o cônsul avalia que Pernambuco continuará olhando o comércio exterior como um território distante, quando, na verdade, ele começa dentro de casa, na disposição de dialogar e planejar.

POSICIONAMENTO DE HUB DO NORDESTE

Os palestrantes destacaram que Pernambuco possui uma combinação de vantagens geopolíticas, econômicas e logísticas que o favorece para se tornar um hub estratégico do Nordeste. A capacidade para geração de energia renovável da região é um aspecto relevante diante da crescente demanda energética prevista para setores como a inteligência artificial.

Para Rainier, a visão estratégica para o desenvolvimento de Pernambuco passa por setores de alta complexidade e valor agregado, como cibersegurança, criptomoedas, inteligência artificial, data centers, mobilidade, logística, infraestrutura e a transição energética. Paralelamente, há uma aposta na indústria criativa, que engloba patrimônio, artes, moda e criações funcionais, com foco na construção de uma marca própria [o “Made in Pernambuco”] que valorize produtos, serviços e commodities com identidade regional e reconhecimento global.

TENSÃO COM O TARIFAÇO DE DONALD TRUMP

Um dos assuntos mais polêmicos atuais do cenário internacional é sobre o tarifaço, imposto pelo presidente americano Donald Trump ao mundo e, em especial, ao Brasil. Questionado sobre os impactos dessas medidas, Gilberto Freyre Neto reconheceu que o tema da guerra tarifária e da crise do multilateralismo é extremamente desafiador. Mas ele explicou a situação brasileira a partir da metáfora de que o País corre o risco de "se perder na espuma", numa crítica indireta à dificuldade de o Brasil focar nas prioridades reais.

O presidente do Iperid sugeriu ser necessário filtrar o que é emergencial, o que pode ser resolvido a médio prazo e o que deve ser pensado para o futuro, sempre priorizando os pontos mais sensíveis na relação entre os dois países. Segundo ele, o Brasil tem demonstrado certa inabilidade em enfrentar esses problemas rapidamente, diferentemente de países como a China, que já avançaram na resolução desses impasses.

Para ele, embora a forma como a crise vem sendo tratada esteja equivocada, o conteúdo – ou seja, as questões econômicas e financeiras fundamentais propostas pelo Governo Federal – está correto e precisa ser enfrentado para o bem do Brasil e do mundo.

INTERNACIONALIZAÇÃO NO PLANEJAMENTO DE LONGO PRAZO

O consultor Francisco Cunha ressaltou a urgência de inserir essa perspectiva de internacionalização no redesenho do modelo de desenvolvimento de Pernambuco, que precisa ser reformulado diante das novas realidades internas e externas. Ele chamou a atenção para a surpreendente relevância diplomática de Pernambuco.
“Pernambuco é o segundo maior hub diplomático do Brasil, com mais de 40 representações consulares, ficando só atrás de São Paulo. É o Estado onde nasceu o primeiro embaixador do Brasil, Joaquim Nabuco, junto ao governo norte-americano. Já na Revolução de 1817, Pernambuco preocupou-se em mandar um embaixador para os Estados Unidos, numa tentativa de construir acordos internacionais, mostrando desde cedo sua vocação para o protagonismo nas relações exteriores”, afirmou o consultor da TGI

As discussões do projeto Pernambuco em Perspectiva serão reunidas em uma publicação. De acordo com Francisco Cunha, a proposta é estruturar o conteúdo para ser lançado em formato de livro até meados do próximo ano. O evento de agosto também terá um caráter de consolidação dos debates já realizados, com a participação dos economistas Tânia Bacelar e Paulo Guimarães, que acontecerá no dia 21, no Auditório do Riomar 5. As inscrições devem ser realizadas pelo site pernambuco.algomais.com

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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