Entre Fragmentações Globais E Novas Disputas De Poder, O Mundo Entra Em Um Ciclo De Incertezas - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
Entre fragmentações globais e novas disputas de poder, o mundo entra em um ciclo de incertezas

*Por Rafael Dantas

Seja na economia, na política ou no meio ambiente, o mundo vive um contexto fragmentado de turbulência e poucos consensos, ao mesmo tempo que está intensamente conectado pelas novas tecnologias. Foi sobre esse fio condutor dramático e complexo que os consultores Francisco Cunha e Fábio Menezes realizaram as análises da Agenda TGI – Painel 2026. Um panorama impactado pelas mudanças climáticas, a guerra comercial entre Estados Unidos e China, além do avanço da inteligência artificial e do crime organizado. Um horizonte que exige estratégia e, simultaneamente, visão de curto e longo prazo. 

Para fazer a leitura dos cenários do mundo, do Brasil, de Pernambuco e do Recife, Francisco e Fábio analisaram os grandes fenômenos globais que dão a temperatura e a direção de muitas decisões. Os principais destacados pelos consultores são a guerra fria 2.0 (geopolítico), o processo de “desglobalização” (econômico), o aumento da temperatura (climático) e o avanço da inteligência artificial (tecnológico). 

Diretamente relacionado às fragmentações geopolíticas e econômicas, o avanço da China em direção ao protagonismo da economia mundial é um fator relevante nesse tabuleiro. Fábio Menezes apresentou um mapa (veja na página seguinte) impressionante que expõe como os asiáticos ultrapassaram os Estados Unidos enquanto principal parceiro comercial da maioria dos países do mundo. Um sintoma que afeta a balança comercial mas, também, a relação entre as nações.

Fabio Agenda TGI

De acordo com cálculo do laboratório de pesquisa econômica Econovis, enquanto o crescimento do comércio internacional entre 2000 e 2014 foi de 167%, o desempenho chinês saltou 1.200% no mesmo período. Uma força que já “amedronta os Estados Unidos”, segundo o consultor Fábio Menezes. “A curva de crescimento da China é também mais forte do que a americana e isso faz com que as placas tectônicas da geopolítica se movam muito”, alertou Fábio Menezes.

Após ser atropelado pelos chineses na América do Sul e Central, na África e em parte da Europa, os Estados Unidos passaram a dificultar o multilateralismo econômico – criado por eles e que predominou nas últimas décadas – e rivalizar com os Brics, bloco que tem os chineses como protagonistas. “A China é o principal parceiro comercial de 156 dos 191 países que compõem a ONU. A perspectiva dos especialistas é que a China caminhe para ocupar esse lugar [de maior economia do mundo] brevemente, até a década de 30.”

O ápice dessa fragmentação econômica e geopolítica neste ano foi a imposição do chamado tarifaço, pelo presidente Donald Trump. Um terremoto nas relações comerciais em que todos os países estão aprendendo a se equilibrar.

mapa eua china

MEIO AMBIENTE E TECNOLOGIA

Enquanto as relações comerciais entre as maiores potências do mundo se tensionam, bagunçando muitos negócios, as mudanças climáticas representam outra variável crítica inclusive para a sobrevivência humana. Um estudo realizado pelo Climate Central, em parceria com a World Weather Attribution e a Cruz Vermelha Internacional, revelou que o calor extremo aumentou em 195 países entre 2024 e 2025.

Mesmo diante do cenário de agravamento da crise ambiental, com muitas tragédias se alastrando pelo planeta, seja de forma abrupta, como uma enchente, ou de maneira mais sorrateira, como o avanço das regiões áridas, o enfrentamento desse problema ainda não é levado como prioridade global. O fracasso no avanço de acordos mais contundentes na COP-30, que aconteceu no Brasil, é um exemplo disso. 

“A decisão da COP-30 exclui o plano de Lula contra os combustíveis fósseis e atendeu à demanda de outros países, como a Europa. O que pude perceber é que sempre existe a expectativa de uma grande mudança, mas parece cada vez mais difícil. O que vemos são pequenos avanços gradativos, entrando ponto a ponto”, afirmou Fábio Menezes. Há uma questão econômica de base ainda distante de ser resolvida. “Os países industrializados, os países ricos, que enriqueceram explorando recursos naturais, não querem parar com isso. E os países menos desenvolvidos, que por serem menos industrializados preservaram um pouco mais seus recursos naturais, querem que os ricos ajudem a pagar essa conta.”

Se a temperatura vai dando o seu recado, com catástrofes sobre catástrofes, outra mudança significativa que afeta trabalhadores do mundo inteiro é o crescimento avassalador da inteligência artificial. Uma transição tecnológica mas completamente alinhada às tensões econômicas e geopolíticas, visto que a China também está à frente nessa corrida.

Mas, deixando as potências de lado, o grande fator em discussão é como o mundo vai lidar com a destruição de postos de trabalho, inclusive no setor de tecnologia, com a revolução da IA.  “Esse novo mundo híbrido que vivemos é atravessado pela convivência entre a inteligência natural, a humana, e a inteligência artificial, que cresce exponencialmente. A IA se insere nesse ambiente de antagonismos simultâneos: o real e o virtual, o físico e o digital, a verdade e a desinformação. Tudo acontecendo ao mesmo tempo. A tecnologia, impulsionada pela inteligência artificial, é hoje uma variável que reorganiza a economia, o trabalho, a comunicação e a forma como entendemos a própria realidade”, destacou o consultor Francisco Cunha.

Um dos alertas emitidos na Agenda TGI – Painel 2026 é que a automação de tarefas por meio da IA pode levar ao desemprego estrutural em vários setores, inicialmente para trabalhos de baixa qualificação. Os consultores ressaltaram que apesar de a IA também criar novas profissões, a transição requer requalificação em larga escala para que a mão de obra possa se adaptar. O Recife, por exemplo, já tem feito um esforço nessa direção com o incentivo de formações de base tecnológica e mesmo o programa Embarque Digital. Mas essa é uma corrida global, que ainda estamos assistindo.

Essa agenda, inclusive, se entrelaça com a econômica e a ambiental, pois a IA demanda investimentos robustos em data centers. Essas estruturas, por sua vez, consomem muita energia. Uma pressão a mais para a geração a partir de matrizes renováveis.

BRASIL NESSE CONTEXTO

O Brasil, Pernambuco e o Recife são impactados pelas turbulências do mundo híbrido e fragmentado. Francisco Cunha resumiu a situação brasileira em um quadro simples, mas extremamente preocupante: “menos dinheiro, mais eventos de estresse, menos tolerância e menos emprego”, resumiu o consultor. 

Sobre a economia, é a crise fiscal estrutural do País que preocupa o consultor. A dívida pública, que cresceu substancialmente há mais de uma década, não dá sinais de retração no curto prazo. “Em algum momento a gente vai precisar fazer com que a dívida pública não cresça mais. Que ela fique pelo menos estacionada. Essa crise resulta em menos dinheiro para investimento”. 

Outro aspecto dentro das discussões econômicas que o Brasil está em alerta é para o fim do bônus demográfico. Em outras palavras, o País envelhece, sem ter “enriquecido”. Essa mudança da pirâmide etária, que vai gerar uma população cada vez mais idosa, tende a sobrecarregar o já pressionado sistema previdenciário brasileiro. 

“O Brasil já está envelhecendo antes de enriquecer, um fenômeno que representa um grande desafio socioeconômico para o país. Diferentemente das nações desenvolvidas que enriqueceram primeiro e depois viram suas populações envelhecerem gradualmente, o Brasil passa por uma transição demográfica acelerada, com rápido aumento da expectativa de vida e queda da taxa de fecundidade, mas sem ter atingido um nível de renda e desenvolvimento social comparável ao dos países ricos”, alertou Francisco Cunha.

Os ataques ao multilateralismo global promovidos pelos Estados Unidos atingiram em cheio o Brasil, com o tarifaço. A abertura a novos mercados e o endurecimento nas negociações com Donald Trump têm levado a uma vitória parcial brasileira. Diante do aumento da inflação americana, o presidente estadunidense tem recuado.

A crise política global, com o avanço do extremismo, também se reflete no Brasil com o que se convencionou chamar de polarização. Um estressamento político social que afeta até as relações pessoais, também há aproximadamente uma década. Em 2026, inclusive, além das eleições presidenciais, o País completará uma década do impeachment de Dilma Rousseff, que foi uma ruptura importante nessa equação.

Um sinal “amarelo” nas edições anteriores da Agenda TGI que vai ganhando uma luz “vermelha” é o avanço do crime organizado no País. As recentes atuações da Polícia Federal têm exposto o crescimento do chamado narcoestado no Brasil, com forte infiltração desses grupos criminosos em vários setores da economia.

Chico Agenda 2026

DESAFIO DE TRAÇAR UMA ESTRATÉGIA PARA PERNAMBUCO

Francisco Cunha destacou que Pernambuco vive um ponto de inflexão histórico. O Estado que já foi uma das maiores capitanias do Brasi,l perdeu progressivamente 60% de seu território. Hoje carrega 90% de sua área dentro do semiárido mais populoso do mundo, cujas características de altas temperaturas, baixa umidade relativa do ar e longos períodos de estiagem estão em expansão. Para o consultor, essa combinação de pressões ambientais, sociais e demográficas coloca Pernambuco diante de um desafio estratégico que exige planejamento urgente. “Há mais de 30 anos fazemos pesquisas sobre Pernambuco. A análise aponta que algo muito específico está acontecendo e merece atenção. Pernambuco foi, historicamente, uma potência. Hoje enfrenta desafios estruturais profundos”, declarou Francisco Cunha.

Na Agenda TGI, os consultores reforçaram a mensagem que vem sendo tratada em todos os encontros do Pernambuco em Perspectiva: o Estado precisa redesenhar o seu modelo de desenvolvimento porque o atual, esboçado em meados do século passado, se esgotou. Francisco Cunha defende que esse novo modelo precisa ser desenhado pela sociedade civil organizada, pela universidade e pelo governo.

Várias diretrizes desse redesenhor proposto foram discutidas ao longo do último ano nos encontros do projeto. O objetivo é levar Pernambuco a um cenário mais próspero e com mais qualidade de vida e justiça social até 2037. A adequação às mudanças climáticas é um dos desafios e, ao mesmo tempo, uma oportunidade, visto o potencial pernambucano de geração de energia limpa. A pesquisa resultará em um livro, que fornecerá subsídios para fomentar debates para as eleições de 2026 no Estado.

Além de completar o ciclo anterior de desenvolvimento – que ficou inacabado em razão de a ferrovia Transnordestina ainda não ter sido concluída no trecho Salgueiro-Suape – os consultores apontaram para a necessidade de o Estado avançar em educação de alta qualidade (para lidar inclusive com as novas pressões vindas da inteligência artificial) e promover uma infraestrutura adequada (que segue sendo um dos gargalos de Pernambuco, mas que terá de ser resolvido para ser competitivo com o restante do País, já que os incentivos fiscais serão encerrados pela Reforma Tributária). Além disso, o aperfeiçoamento da gestão pública, de forma a torná-la mais eficaz, a aposta em ciência, tecnologia e inovação, além do incentivo ao empreendedorismo mais dinâmico compõem esse cenário desafiador para Pernambuco. 

ALGUM OTIMISMO PARA O RECIFE

As reflexões sobre o Recife representam um território que sintetiza muitos dos dilemas e potencialidades do Brasil contemporâneo. Entre desafios urbanos persistentes, sinais de reorganização econômica e movimentos de inovação que se aceleraram nos últimos anos, a capital pernambucana foi destacada como um espaço onde convivem vulnerabilidades profundas e fortes oportunidades de transformação. 

“O Recife é uma das cidades mundiais mais afetadas pelas mudanças climáticas, possivelmente a capital brasileira mais impactada pela elevação do nível do mar”, lembrou Francisco Cunha. “Esse é um alerta: o Recife precisa se preparar porque é extremamente exposto a esse tipo de fenômeno.”

As análises de Francisco Cunha mostraram que a capital pernambucana avançou no planejamento para viver uma redenção urbana e estar preparada para os desafios das mudanças climáticas. Em oposição à falta de planejamento vivida por todo o País, o Recife produziu nos últimos anos um conjunto de estudos e documentos que orientam o futuro da cidade. 

Francisco Cunha destacou, por exemplo, a elaboração do plano Recife 500 anos, o Centro do Recife na Rota do Futuro e do Distrito Guararapes. “Existe planejamento de longo prazo no Recife. Isso é uma vitória em relação a um país que planeja no máximo para quarto anos”, declarou. Os avanços dos parques na cidade e a maior vivência nas bordas do Rio Capibaribe, por exemplo, são resultados desse esforço de refletir sobre a cidade e de intervenção no espaço público para promover maior qualidade de vida e uma maior proteção para efeitos das mudanças climáticas.

UM OLHAR PARA NOSSAS POTENCIALIDADES

Apesar das pressões múltiplas, tanto o Brasil, como Pernambuco e o Recife possuem potencialidades que não podem ser desconsideradas. Pelo contrário, precisam ser valorizadas e utilizadas de forma sustentável para o desenvolvimento. Fábio Menezes concluiu as análises da Agenda TGI 2026 apontando para algumas delas.

“Nós precisamos repensar o Brasil. Somos uma potência alimentar, energética, ambiental e cultural. Temos muitos problemas mas, também, grandes capacidades que não podemos ignorar”, concluiu Fábio Menezes. “Para construir um posicionamento competitivo, precisamos de originalidade. E, para ser original, é essencial conhecer nossas raízes e nossos valores.”

São muitos fragmentos a serem reconectados em 2026. Além de fazer um balanço do ano e algumas projeções, o recado da Agenda TGI é de que, apesar dos muitos problemas em que o Brasil, Pernambuco e o Recife estão imersos nesse mundo híbrido, há oportunidades que precisam ser aproveitadas a partir dos nossos diferenciais.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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