Logo no início da pandemia, fizemos uma matéria na Algomais sobre o comportamento do consumidor e uma das principais fontes foi o consultor de branding e pesquisador Fernando Lima, do escritório de inteligência de marca änimä. Agora, às vésperas de a crise da Covid-19 completar dois anos, o que mudou? Ele deu algumas respostas surpreendentes nesta conversa com Cláudia Santos. Quem apostava que as pessoas ficariam mais solidárias após esse drama coletivo que vivemos, errou na previsão segundo o especialista. “Quem já tinha empatia ampliou muito essa sua visão empática, mas quem não tinha, não mudou muito, pelo contrário. Uma coisa que as pesquisas estão identificando é que as pessoas estão, de certa forma, até mais egoístas”. Já os consumistas, voltaram a comprar com intensidade, principalmente sapatos e roupa. Os impactos da COP 26 e do home office também são analisados pelo consultor de branding que tem detectado uma maior valorização das pessoas aos momentos de descanso. “Elas estão querendo aproveitar a vida e menos dispostas a se matar de trabalhar.”
O que as mais recentes pesquisas apontam sobre o comportamento do consumidor após quase dois anos de pandemia?
Nós, da änima, estamos fazendo pesquisas mas também lemos muito sobre outras pesquisas realizadas. A pandemia num primeiro momento assusta muito as pessoas, depois tem o poder de mudar hábitos e comportamento. Mas o que constatamos é que é importantíssimo ouvir as pessoas no início de pandemia quando surgem os medos, que têm a capacidade de impactar a ponto de mudar o comportamento e os hábitos. Mas é fundamental, num segundo momento, entender como essas mudanças de hábitos e comportamentos estavam se consolidando. E ao final da pandemia – tomara que seja este momento que vivemos agora – é importante pesquisar mais uma vez para saber o que permaneceu e o que foi embora.
A pandemia teve uma jornada e é fundamental acompanhar essa jornada. Quem trabalha com pesquisa não pode olhar para ela como números absolutos, mas como um retrato que capta a realidade daquele momento, sob a perspectiva que as coisas mudam.
Agora, respondendo a sua pergunta: nunca fizemos tanta pesquisa e isso significa que os clientes querem saber como o consumidor está pensando. Somadas as informações das nossas pesquisas com o que o mercado está dizendo detectamos que, assim como foi verificado nas primeiras pesquisas, aspectos relacionados à saúde e ao bem-estar permanecem. As pessoas estão mais preocupadas com a saúde, retornando ao médico, houve um aumento na realização dos exames. As pessoas querem entender o que está acontecendo com a saúde delas. Elas precisam se sentir mais protegidas e preparadas.
A saúde inclusive hoje vive um outro momento. Passamos muitos tempo querendo curar a doença, depois passamos a aprender que é melhor se proteger da doença e agora aprendemos um item novo que é nos prepararmos para o futuro. Novas pandemias vêm por aí e novas cepas também podem vir e temos que estar preparados.
Sobre aquelas questões mais comportamentais, ficou consolidado que quem já tinha empatia ampliou muito essa sua visão empática, mas quem não tinha, não mudou muito, pelo contrário. Uma coisa que as pesquisas estão identificando é que as pessoas estão, de certa forma, até mais egoístas. Observe o trânsito, as pessoas estão nervosas, querendo resolver a vida delas, querendo chegar logo em casa, não estão nem aí para o outro, para quem está no trânsito, para quem divide aquele espaço com elas.
Estou fazendo duas pesquisas sobre o trânsito e a mobilidade. Todas as classes sociais falam da angústia que é encarar o trânsito hoje. As pessoas estão mais nervosas, mais ansiosas, e isso passa pelo individualismo e gera egoísmo. Então, quem não tinha empatia se tornou até mais egoísta. É um ponto ruim de ser debatido. Se elas tivessem aprendido sobre a empatia talvez diminuíssem um pouco essa ansiedade. Há muita gente tentando procurar as saídas, buscando tratamentos psicanalíticos. Muitas pessoas entenderam também que já eram ansiosas ou deprimidas, mas estar dentro de casa permitiu ter mais tempo para se perceberem melhor.
E em termos de consumo, o que mostra este momento da pandemia?
Há aspectos muito interessantes. Pessoas consumistas voltaram a comprar com muita avidez, principalmente calçados. O consumidor passou muito tempo sem usar sapatos e esse produto passou a vender muito. A roupa também voltou a vender mais. Houve um impacto positivo da pandemia: a roupa se tornou mais confortável e essa tendência se mantém. Passamos muito tempo de pijama e as pessoas perceberam que usar um moletom é muito mais confortável do que uma calça jeans pesada.
Outro mercado que está dando pistas muito interessantes é o mercado imobiliário que não sofreu na pandemia – apenas nos três primeiros meses, quando ninguém sabia o que ia acontecer, mas depois ele voltou a emergir muito rapidamente e com muita força. Agora é um momento para observar se ele arrefece ou se continua forte. A minha dúvida é: será que as pessoas vão diminuir esses investimentos na compra de produtos de longo prazo, como um imóvel, ou elas vão voltar a querer viver com prazer, o que significa ir para restaurante, shoppings e viagens, que são experiências que custam caro?
Muitas pessoas investiram na segunda moradia, compraram uma casa na praia ou em Gravatá. Mas aconteceu algo interessante: já não era mais a geladeira mais ou menos que estava na primeira casa que levaram para a casa da praia. Não. Foi a melhor geladeira, a melhor cervejeira, o melhor fogão que foi para a segunda casa, porque foi justamente o local onde os consumidores passaram a receber as pessoas.
De maneira geral, entendo que o Recife já vinha num movimento muito positivo antes da pandemia com o surgimento dos restaurantes com formato de casa, com quintal, como o Ca-Já, Arvo, Trattoria da Dani. São lugares abertos. Isso aí, não tem mais volta, está consolidado. Não é que um Leite vá acabar, mas os novos restaurantes devem preferir esse conceito, até em razão das medidas sanitárias que devem permanecer. As pessoas se sentem mais confiantes e mais à vontade em um ambiente mais aberto.
Os produtos de limpeza eram itens que estavam em alta no início da pandemia. Eles continuam?
O que me parece é o seguinte: quem aproveitou para lançar novas categorias de produtos de limpeza, parabéns, se deu muito bem. Aproveitar hoje para lançar novas categorias, talvez não seja a melhor ideia. As pessoas já estão de saco cheio de comprar tanto Lisoforme, Veja Multiuso, desinfetante para isso ou para aquilo. Parece que agora elas estão dizendo: “chega, não aguento maistanto produto”. Então, entendo que quem lançou fez um bem, tanto do ponto de vista comercial para a sua empresa, quanto para a sua marca, que se mostrou atenta às necessidades da população, ou seja, o consumidor viu a marca cuidando dele. Agora eu acho que haverá uma parada, a não ser que o mercado volte a exigir como sempre exigiu: aqui e acolá lança-se um produto porque existe uma demanda, reprimida ou não, do consumidor.
O e-commerce, que já vinha crescendo, teve um grande impulso na pandemia. Você acredita que continuará em alta?
O e-commerce é isso: quem entrou não sai mais. E aí tem uma coisa interessante: quem criou plataformas digitais simples e de entrega rápida se consolidou, não perde mais para ninguém e vai começar a diminuir seus pontos físicos. O consumidor que comprou na plataforma digital, viu que funciona, o produto chegou certo, a entrega muitas vezes foi feita em dois dias (algo que nos impressionou muito).
Eu, por exemplo, pela primeira vez comprei pela internet roupas de marcas nas quais eu já sei qual é o meu tamanho. E agora não quero mais ir para a loja, não tenho a menor vontade. É o que tem acontecido com essas marcas que conseguiram criar uma plataforma segura, simples e que começou a entender como se criam vínculos com as pessoas. Eu dizia muito isso no começo: existe o desafio de como criar vínculo com o consumidor no digital, porque uma coisa é eu ir à loja de roupa que eu gosto e o vendedor me trata bem, me serve cafezinho, não cria caso na hora de trocar a roupa. Mas existem marcas que conseguem criar esse vínculo de forma digital, ou seja, impactam de forma positiva, sem querer apenas empurrar a compra de um produto, trazendo conteúdo relevante, querendo saber como eu estou. Elas estão conversando com as pessoas. Essas marcas vão diminuir os pontos físicos e vão criar cada vez mais lojas conceito.
Shopping é um lugar de experiência: o consumidor chega, tem uma experiência e depois compra. Isso tem mais a ver com loja conceito do que com loja de venda. Por exemplo: a loja da marca de celulares é o local para lançar o novo modelo, que será experimentado pelo consumidor. E isso é muito mais valioso do que apenas comprar o celular, embora você também possa comprar. Para o setor de roupas, a loja é um local para lançar um tecido novo. Talvez seja muito mais eficiente tanto para a marca, como para o negócio, ter menos lojas, lojas mais conceito, para apresentar a inovação do que pensar em bater metas de vendas. Acho que a meta de vendas vai estar cada vez mais voltada para o digital do que para loja física.
Leia a entrevista completa na edição 189.4 da Revista Algomais: assine.algomais.com