Nesta semana, entre os dias 16 e 19, ruas e prédios do Bairro do Recife voltam a abrigar a programação do Rec’n’Play, depois de dois anos suspenso por causa da pandemia. O evento realizado pelo Porto Digital é uma oportunidade para assistir a palestras e participar de atividades diversas sobre tecnologia, economia criativa, cidades inteligentes e empreendedorismo, além de muitos shows. Afinal, esta edição do festival faz uma homenagem aos 30 anos do manguebeat. Até a garotada poderá se divertir com oficinas de robótica e apresentação do Mundo Bita.
Além de proporcionar essa interação dos recifenses com os temas abordados no evento, a realização do Rec’n’Play tem um objetivo estratégico: trazer o jovem da periferia da cidade para conhecer o Porto Digital. Nesse contato, ele poderá vislumbrar que o setor de tecnologia oferece a oportunidade de um futuro de sucesso. “Vivemos um contrassenso, a cidade tem um terço dos jovens desempregados e há vagas sobrando na área de tecnologia”, lamenta o presidente do Porto Digital Pierre Lucena. Nesta conversa por videoconferência com Cláudia Santos, ele fala do esforço da entidade para incluir a população de baixa renda na área de TI, um setor que, segundo analistas, pode ter seu desempenho comprometido por falta de capital humano. “Vamos crescer muito mais rápido, incluindo as pessoas”, alerta Lucena, que também abordou na entrevista o impacto da pandemia sobre os negócios e as perspectivas com a eleição de Raquel Lyra e Lula.
Como será esta edição do Rec’n’Play?
No Rec’n’Play em 2019 fiz questão de fazer o evento crescer, trazendo nomes conhecidos como Gustavo Franco, Luciano Huck, Caco Barcellos, para furarmos a bolha de tecnologia e trazer a periferia do Recife para o Porto Digital. Fomos bem sucedidos, tivemos 35 mil inscritos, no anterior foram 14 mil. O objetivo do Rec’n’Play é criar uma espécie de imaginário pró-Porto Digital no Recife, pró-tecnologia, pro-economia criativa. Nesta edição vamos tratar de tecnologia, cidades inteligentes, economia criativa e adicionamos o tema do empreendedorismo. Estamos fazendo uma homenagem ao manguebeat que completou 30 anos.
A parte de conteúdo acontece durante o dia e, à noite, a parte de entretenimento. No sábado faremos o Dia Kids, com oficinas na rua de pintura e de robótica para as crianças e vai ter, novamente, um show do Mundo Bita, que é a empresa mais famosa do Porto Digital. A abertura será na quarta-feira à noite, no Chanteclair, na rua mesmo, com a participação da Rural de Roger e Renato L fazendo discotecagem em homenagem ao manguebeat. Na quinta e na sexta-feira, o show será na Praça do Arsenal. Na quinta temos Almério e Bione e, na sexta, Mundo Livre e Otto. No sábado, com financiamento da Prefeitura do Recife, terá a apresentação de blocos de Carnaval.
Quais serão as atrações das palestras?
Entre os convidados estão André Trigueiro, da Globo News, que fala de cidades sustentáveis, Thiago André que faz um podcast muito bom chamado História Preta e Ademara Barros, atriz pernambucana do Porta dos Fundos. Terá uma trilha do Insper (Instituto e ensino e Pesquisa, o Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) também terá uma trilha e vai trazer pessoas da Olimpíada de Matemática Nacional, além da UFPE, C.E.S.A.R. School, Sebrae, Senac, Movimento LED, da Globo, todos também terão uma trilha.
Vamos ter experiências, como uma arena de drones na rua, o Senac está com um espaço muito legal que vai funcionar na Casa Zero, o Itaú vai ficar no Paço do Frevo, com muito conteúdo para fintech. Haverá muitas atividades sobre cidades, como as que foram planejadas por Francisco Cunha (arquiteto e presidente do Conselho de Administração da ARIES – Agência Recife de Inovação e Estratégia, e colunista da Algomais). Teremos mais de 600 atividades, oficinas, palestras, debates, workshops.
Mas, como disse, queremos levar o jovem da periferia para dentro do Porto Digital. O setor estava crescendo, mas com pessoas dentro do perfil tradicional: jovem de classe média, branco e homem. Só temos uma saída para o Recife: melhorar a renda média da população e só se consegue fazer isso se incluirmos as pessoas de baixa renda no jogo. Senão, vamos reproduzir o que Gunnar Myrdal chamava de “o princípio da causação circular cumulativa”.
Gunnar estudou o negro americano e observou que ele era pobre e continuava pobre porque comia menos e estudava nas piores escolas. Aquele ciclo de pobreza foi sendo reproduzido entre as gerações e isso não é diferente no Recife e no Brasil. Por isso, estamos voltados para a formação.
De que forma o Porto Digital atua para essa inclusão?
Veja, vivemos um contrassenso, a cidade tem um terço dos jovens desempregados e há vagas sobrando na área de tecnologia. Por isso, montamos, em 2019, cursos co-branding com instituições como a Universidade Católica, o Senac, a Unit. Fazemos para as universidades a estrutura curricular de cursos de graduação tecnólogos, de dois anos de meio, de sistemas para internet e análise e desenvolvimento de sistemas. Uma das disciplinas é realizada dentro do Porto Digital, é uma residência, onde o aluno, durante um semestre, participa de um squad (equipe formada por profissionais de diferentes áreas que trabalham em conjunto para entregar soluções inovadoras). O aluno vai aprendendo na prática.
O programa já tem 1.400 alunos, é mais do que o Centro de Informática, da Federal. Apesar de contar com muitos alunos, faltava incluir a população da periferia. Na eleição de 2020, propusemos aos candidatos que a prefeitura pagasse para incluir essas pessoas. Quando João Campos assumiu, ele topou e deu até nome ao programa, Embarque Digital, e passou a pagar o curso para 600 novos alunos por ano.
O projeto está dobrando o número de formados na cidade com pessoas que vieram de escola pública e metade são negros ou pardos. São jovens talentosos que não tinham oportunidade e tiveram uma boa nota no Enem porque é preciso que a seleção seja por mérito. Programação é uma área que requer um conjunto formal de conhecimentos. Não adianta você contratar alguém que não teve uma boa base, ele não vai conseguir seguir. Dos quatro cursos de maior nota mínima de entrada na UFPE, três foram do Centro de Informática este ano. Vamos crescer muito mais rápido, incluindo as pessoas.
O Recife é a cidade brasileira com maior quantidade de PhD em ciência da computação e temos a maior quantidade per capita de alunos de tecnologia do País, segundo dados do Censo. Mas precisamos multiplicar esse número e fazemos isso por camadas no ensino superior. Temos uma camada agora com o Senac, num curso de mil horas, que abrange dois semestres, e oferecemos, por exemplo, para engenheiros que estão desempregados. O Senac, inclusive, vai ficar no nosso prédio, no Apolo 235, que eles vão alugar e vamos comprar um outro prédio para colocar o Jump (aceleradora de negócios). O Senac vai formar duas mil pessoas por ano naquele prédio.
A ambição nossa é ter 40 mil a 50 mil pessoas no Porto Digital. Se tiver 50 mil pessoas trabalhando com tecnologia, com salário acima da média, a cidade muda. Atualmente temos 15 mil pessoas trabalhando, há três anos tínhamos 9.500.
O Porto Digital anunciou que vai criar um hub de inovação em Aveiro, Portugal. Quais os objetivos desse investimento?
Buscamos entender por que tanta gente vai para Portugal, país que emitiu 20 mil tech visa para brasileiros em 2021. O Brasil formou 30 mil pessoas num ano e eles pegaram 20 mil! Esse é um drama gigante. O que visualizamos num primeiro momento? Buscar uma cidade onde a “conta feche” para quem quiser morar e trabalhar lá mas, principalmente, um lugar que tenha características parecidas com o Porto Digital para que criemos um ecossistema onde possamos vender para a Europa.
Por que não nos Estados Unidos? Porque lá a concorrência é algo brutal. Mas a Europa está muito atrás em prestação de serviços de tecnologia. Portugal nos pareceu o caminho mais claro: mesma língua, cultura parecida. Tivemos apoio da prefeitura local que vai nos doar um grande prédio, vai reformá-lo, equipá-lo e nos ceder.
Estamos criando uma associação na cidade e pedindo para a Apex o financiamento do setup local porque preciso contratar um gestor para lá, colocar a coisa para funcionar. O hub tem três frentes. Uma é a internacionalização, a tentativa de buscar negócios primeiro em Portugal até chegar na Alemanha a longo prazo, mas as empresas terão ajuda do Porto Digital para isso. O segundo ponto é buscar recursos de inovação dentro da comunidade europeia, porque aqui, acabou. O Porto Digital perdeu R$ 30 milhões que ficaram retidos porque o Governo Bolsonaro fez uma medida provisória contingenciando recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Inovação é sustentada por recurso de fomento em qualquer lugar do mundo, não estou falando da China, não. Nos EUA é assim, em Israel é assim, em todo lugar é assim.
O terceiro ponto é que será uma opção para quem quiser trabalhar em Portugal. Teremos um escritório de soft landing. Para os empreendedores que quiserem ir para lá, abrimos para eles a empresa em Aveiro, com contador por um período curto. Ele terá o visto, o apartamento para morar, escola para os filhos e o posto de saúde. Tudo de graça bancado pela prefeitura. Isso cria uma via de mão dupla porque queremos também abrir empresas portuguesas no Recife, já que falta capital humano lá.
E tem uma coisa importante, o Porto Digital não vai ser do Recife, vai ser o Porto Digital do Brasil que é uma exigência da Apex. Então vamos buscar empresas paulistas, de Santa Catarina, do Rio de Janeiro, etc. O Brasil não tem nenhuma atividade de internacionalização organizada por um ecossistema, essa vai ser a primeira. Estamos buscando recursos com a Apex, fizemos uma proposta de convênio e acreditamos que conseguiremos porque o projeto é bom.
Qual o impacto da pandemia no desempenho do Porto Digital e quais as perspectivas?
Quando assumi, tínhamos 9.500 empregos e faturávamos R$ 1,8 bilhão. Faturamos R$ 3,6 bilhões no ano passado e os postos de trabalho passaram para 14.790. Então crescemos 53% no número de colaboradores e dobramos o faturamento. Estamos melhorando a quantidade de faturamento por colaborador, o que é normal porque o ambiente está ficando mais maduro. Em outras palavras, se você pedir hoje no Porto Digital para alguma empresa fazer um aplicativo, não tem. Estamos num outro patamar de produtos complexos. Até porque as empresas menores foram absorvidas pelas maiores.
Com programas de formação de capital humano em larga escala, antecipamos o crescimento. Entrei no Porto Digital com a meta de dobrar o faturamento em seis anos e dobrei em três, vamos dizer que a cada quatro anos, dobremos o faturamento, chegando naquela meta de 50 mil pessoas trabalhando daqui uns 20 anos. Em 2022, acredito que o desempenho ficará próximo do que estava, devemos crescer uns 20% no faturamento e chegar entre 15.500 e 16 mil colaboradores.
Qual a sua perspectiva com a eleição de Lula e Raquel Lyra?
No caso do Governo Federal, queremos que seja retomado aquilo que foi desmontado, uma parte porque o Brasil entrou num colapso financeiro e, outra, pelo desmonte dos instrumentos de financiamento da inovação organizado pelo governo Bolsonaro. Acreditamos que com essa nova realidade possa melhorar também o ambiente de negócios que estava muito conflituoso.
O Porto Digital conversou com todos os candidatos ao Governo de Pernambuco. Raquel é muito próxima do setor porque é do pai dela o projeto que levou o Porto Digital para Caruaru. Ela é uma gestora superqualificada, uma pessoa muito correta. O Porto Digital ajudado por muita gente. Foi fundado no Governo Jarbas, Eduardo abraçou o Porto Digital como sendo de Pernambuco, isso foi muito importante. Paulo também. As pessoas falam do Governo do Estado, mas o Porto Digital é uma política pública municipal de isenção de imposto. João Paulo nos ajudou, Geraldo foi um parceiro incrível, Roberto Magalhães também e João Campos nem se fala. O maior projeto do Porto Digital está sendo feito por João Campos agora e a gente acredita que com Raquel não vai ser diferente.
Pleiteamos para ela fazer o Embarque Digital a nível estadual. Tivemos 2.500 candidatos de escolas públicas aptos para entrar no programa, com notas acima da média. Desses, 1.300 foram desclassificados por não terem endereço no Recife, e a gente não pode deixar essa galera de fora. Outro pleito é incorporar o ensino de programação, em nível de empregabilidade, no ensino médio de forma universal. O Porto Digital está disposto a ajudar. Isso muda a realidade toda, porque os jovens vão passar a ter raciocínio algorítmico e melhorar o raciocínio lógico. Isso está sendo feito na Índia, em Portugal desde o ensino fundamental. Queremos interiorizar mais o Porto Digital também. Acreditamos que Raquel vai ser uma grande parceira e estamos animados.