"Podemos Produzir Alimento Na Cidade, Reduzindo A Emissão De Gás De Efeito Estufa" - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
"Podemos produzir alimento na cidade, reduzindo a emissão de gás de efeito estufa"

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Na sede da Prefeitura do Recife há um terreno com mais de 70 espécies de plantas, onde é produzido adubo orgânico para cultivar alimentos em locais como escolas e unidades de saúde. A secretária executiva de Agricultura Urbana, Adriana Figueira, fala dessa e outras ações que visam à segurança alimentar, à preservação ambiental e à geração de renda aos produtores urbanos. Foto: Helia Scheppa

Em várias regiões do Brasil é comum semear milho no Dia de São José, 19 de março, para que possa ser colhido no São João. E foi seguindo a tradição que, na semana passada, foram realizados mutirões para o plantio do cereal em diversas regiões do Recife. Os mutirões seguem até 1º de abril e incluem ainda a implantação do Primeiro Corredor Agroecológico da cidade, com o cultivo de sementes de arroz, crotalária, feijão, feijão-de-porco, gergelim, girassol e guandu. A iniciativa despertou o interesse de muita gente que tem participado da plantação coletiva.

Essa foi uma das várias ações criativas da Seau (Secretaria Executiva de Agricultura Urbana do Recife), com o objetivo de disseminar o cultivo de alimentos na cidade. A atuação é bem diversificada e inclui parcerias com os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) para utilizar o trabalho com a terra como recurso terapêutico; com crianças em escolas e creches; com reeducandos do sistema prisional (alguns já cumpriram pena e geram renda comercializando adubo orgânico que aprenderam a produzir), e com terreiros de religiões de matriz africana para cultivar suas plantas sagradas.

reeducandos

Nesta entrevista a Cláudia Santos, a secretária da Seau, Adriana Figueira, explica como tem promovido essas ações, fala dos desafios de encontrar áreas na cidade para plantar e para obter financiamentos que são voltados, exclusivamente, para a agricultura rural. Apesar das dificuldades, ela afirma que a agricultura urbana de base agroecológica (sem uso de agrotóxicos) é uma espécie de filosofia de vida e acredita no seu propósito de alimentar as pessoas, contribuir para o Recife se tornar mais resiliente às mudanças climáticas e gerar renda para os que mais necessitam.

Secretária, muita gente desconhece o que seja agricultura urbana, então a senhora poderia explicar?

A agricultura urbana é uma agricultura – como o próprio nome sugere – que não vai ser realizada na área rural, mas na área urbana. Na secretaria optamos pela agricultura de base agroecológica, ou seja, não usamos agrotóxicos. É uma filosofia de vida, que considera o mundo de uma forma mais holística. Não é só cultivar, mas cultivar sem afetar a natureza, sem destruir. Também visa ao benefício humano, ou seja, à segurança alimentar e nutricional, e ainda estabelece que a produção cultivada possa ofertar um retorno financeiro às pessoas que produzem.

Então, é um conjunto equilibrado, em que a pessoa planta, produz, consume, tem a possibilidade de renda, e os resíduos dessa atividade são reutilizados para a compostagem, que vai produzir adubo orgânico e alimentar novas plantas. E, aí, completa o ciclo, sempre pensando nessa questão da economia circular.

Quais os benefícios em relação às mudanças climáticas?

A filosofia da agroecologia tem tudo a ver com a questão climática. Quando se está compostando, evita-se a necessidade de veículos transportarem resíduos orgânicos para o aterro sanitário e, portanto, evita-se o consumo de combustível fóssil que contribui para a emissão de gases de efeito estufa. Vale lembrar que o próprio aterro sanitário produz esses gases. Desde que iniciamos nosso trabalho, já evitamos que toneladas de resíduos fossem para aterros.

O Plano Local de Ação Climática do Recife, lançado em 2020 por Geraldo Julio, já prevê a questão da agricultura urbana que é uma forma de plantio para reverter ou para minimizar a emissão dos gases de efeito estufa. 

Quais são os desafios da agricultura urbana? 

Horta

Um dos desafios é a falta de terrenos para plantar. Para resolver esse problema, colocamos hortas em muitas escolas e fomos ampliando com hortas comunitárias, no CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) e há muitas parceiras surgindo, inclusive, com os terreiros (de religiões de matriz africana). Algumas pessoas que trabalham com a gente são de terreiros e sugeriram esse trabalho que está sendo bem interessante também. 

A nossa secretaria criou o Sistema Agroflorestal Urbano e Compostagem, situado num terreno dentro da sede da prefeitura, no térreo, que conta com mais de 70 espécies, combinando árvores com plantas de interesse agrícola, como frutíferas, leguminosas, hortaliças e PANCs (plantas alimentícias não convencionais) e medicinais. O espaço recebe visitas de alunos e servidores públicos. Em 2024, cerca de 300 pessoas, entre adultos, jovens e crianças, já visitaram o espaço, participando de vivências e oficinas voltadas para a conscientização ambiental.

Quando terminou a pandemia, começamos a recolher, nas salas dos 15 andares do prédio da Prefeitura, pó de café para colocar na compostagem juntamente com outros resíduos orgânicos e as folhas da varrição do prédio. Além disso, criamos o projeto chamado Recolheita, em que coletamos resíduos orgânicos dos mercados da Encruzilhada e do Cais de Santa Rita. A perspectiva é fazer parcerias com mais outros mercados. Essa ação de recolhimento de alimentos orgânicos conta com a parceria da Secretaria de Saúde do Recife (Vigilância Sanitária, por exemplo), da Emlurb (Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife) e da Conviva Mercados e Feiras – Autarquia Municipal.

O programa ainda não foi oficialmente lançado, mas já estamos realizando testes nesses dois mercados públicos para avaliar e aprimorar a iniciativa. Também planejamos colocar pontos de coleta de alimentos não perecíveis, como feijão e arroz, para destinar à doação. 

O sonho da gente é colocar em cada Região Político-Administrativa da cidade um sistema agroflorestal junto com a compostagem, porque ele é perfeito:  existe a plantação e o aproveitamento desses resíduos para evitar a emissão de gás para o meio ambiente.

No ano passado, o Sistema Agroflorestal Urbano e Compostagem converteu 138 toneladas de resíduos orgânicos em 76 toneladas de adubo, que são distribuídos para as unidades produtivas da secretaria, que engloba 30 hortas de escolas e creches, 15 Unidades de Saúde, 6 Terreiros, 8 hortas institucionais e 11 hortas comunitárias. Esses resíduos, provenientes do edifício-sede e das feiras da Encruzilhada e do Cais de Santa Rita, tiveram seu destino final alterado, evitando o envio para aterros sanitários. A iniciativa também impediu a emissão de cerca de 100 toneladas de gases de efeito estufa.

Criancas visitam o Sistema Agroflorestal Urbano e Compostagem

Temos também o sítio Natan Valle, que fica no bairro do Cordeiro, onde produzimos as mudas de hortaliças, plantas medicinais e PANCs (plantas alimentícias não convencionais) e lá também funciona a Escola de Agroecologia do Recife, que é pública. São ministradas aulas teóricas e práticas do Curso Cultiva Recife. O curso, fruto de uma parceria com o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e o CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), aborda temas como agroecologia, soberania alimentar, plantio, ervas medicinais, PANCs e gestão de resíduos. 

Nas aulas práticas, os participantes aprenderam desde técnicas de plantio e cultivo em canteiros e bandejas até o manejo do solo, tecnologias alternativas, compostagem, uso de materiais recicláveis e a produção de repelentes naturais, xampu de quiabo e sabão com óleo reciclado.

Foi no Sítio Natan Valle que fizemos um mutirão para lançar o Primeiro Corredor Agroecológico do Recife. Fizemos uma parceria com o MCP (Movimento Camponês Popular). Eles fazem muito mutirão em área rural pelo interior mas, em área urbana, foi o primeiro. 

E como foi essa experiência? 

Eles têm toda uma técnica, fazem antes o preparo do solo e depois plantam várias culturas a partir de semente crioula: arroz, feijão, feijão-de-porco, gergelim, girassol para atrair os bichinhos para que eles não consumam o milho), guandu e crotalária, que aduba a terra. Os mutirões aconteceram ao longo do mês de março, incluindo o dia 19, Dia de São José, quando é tradição plantar milho para ser colhido no São João.

Participaram pessoas interessadas, algumas que souberam pela mídia e foram participar, também vieram moradores das comunidades próximas que já fizeram o curso da escola de agrotecnologia. E quando eu vi aquela multidão de gente, todo mundo trabalhando, foi muito lindo, cultivando plantas que vão crescer e servir de exemplo para outros lugares. 

Como são as ações realizadas nas unidades de saúde?

Nós trabalhamos com os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) desde o ano 2021, a partir de uma demanda da própria Secretaria de Saúde para trabalhar na unidade da Boa Vista, onde instalamos uma horta vertical, que foi bem-sucedida. Atualmente trabalhamos com 10 CAPS, dois centros de acolhimentos, um serviço integrado de saúde mental e três UBS, que são as Unidades Básicas de Saúde. 

Além disso, temos o projeto Muvuka, em parceria com a Secretaria de Saúde, via a Gerência de Saúde Mental, que está ancorada na Seab, que é a Secretaria Executiva da Atenção Básica. O projeto vai abranger 24 equipamentos da Rede de Atenção Psicossocial, as RAPS. Já temos 12 em ação e queremos atingir o total. Foram aprovados recursos pela Seab, destinados à estruturação das unidades e à realização de Oficinas de Agricultura Urbana, dentro da grade dos serviços. Ao todo, serão 19 mil pacientes beneficiados no projeto Muvuka. 

Temos também já confirmada a parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), na qual eles vão financiar o apoio científico para analisar os dados e provar que esse trabalho da agricultura urbana realmente é um recurso terapêutico de sucesso e de eficiência.

Desenvolvemos projetos, a depender da especificidade de cada comunidade. Queremos fazer um curso agora só para o pessoal de terreiros, porque eles já tiveram uma parceria com a gente agora vamos retomá-la. Atendemos a seis terreiros atualmente. O foco deles são as plantas sagradas. 

Já no trabalho com as escolas, conseguimos colocar em duas creches dois biodigestores que transformam os resíduos em adubo líquido e em gás que é utilizado na cozinha. Conseguimos essa parceria com a Secretaria de Educação. Em alguns casos, não só visamos ao plantio da horta, de plantas aromáticas ou medicinais mas, também, estimulamos o beneficiamento como, por exemplo, a produção de um xampu de quiabo e um repelente.

Uma das dificuldades da agricultura urbana é a obtenção de financiamento. Recentemente o Governo Federal sancionou a Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana, com algumas propostas para solucionar este problema. O que a senhora achou dessa iniciativa? 

Excelente. Está havendo uma abertura. Até então só eram permitidos financiamentos para a agricultura rural. Mas o Governo Lula está estudando alternativas para atender os produtores urbanos, como o CAF (Certificado de Agricultor Familiar), que só poderiam ser expedidos para a área rural.  Então, estamos nessa parceria com o Governo Federal para fazer com que nossos agricultores possam emitir o CAF. E por que o CAF é importante? Porque permite obter empréstimos federais. 

Quanto a propostas de financiamento dentro dessa política, nós temos uma atenção do Ministério do Desenvolvimento Social, através do Programa Alimenta Cidades. E existe a promessa do ministério entregar 15 sisteminhas para o Recife. Sisteminhas é um sistema em que se pode criar peixes, galinha e, até, aquele porquinho da Índia usando os dejetos desses animais como adubo para minhocário e para compostagem. 

Buscamos parcerias também com parlamentares. Conseguimos –por meio de emenda parlamentar, destinada por um deputado federal e um senador – o financiamento de equipamentos para o nosso Sítio Natan Valle e para melhorar o desempenho do nosso Sistema Agroflorestal Urbano e Compostagem, situado na sede da Prefeitura do Recife.

A senhora poderia dar exemplos de pessoas que se beneficiaram, mudaram a vida, com a orientação que vocês oferecem de agricultura urbana?

Nossa mão de obra de campo é composta por reeducandos do sistema prisional são pessoas que já têm uma pena a cumprir, mas estão no sistema aberto e, ao trabalhar nesse convênio, podem diminuir a pena. Estávamos com 11 reeducandos atualmente. Um deles, aprendeu a compostagem, já cumpriu a pena e está produzindo e vendendo composto orgânico na área onde mora. Então, ele tem a horta, feita com orientação nossa, aprendeu a técnica da compostagem com a gente e já produz. 

Inclusive, ele estava lá no mutirão, foi nos apoiar. Teve um outro que trabalhou aqui, na compostagem, e foi chamado para trabalhar numa firma. Trabalhou, saiu dessa companhia e, depois, como jardineiro, foi para outra empresa. Ele adorava dar entrevista, você via nos olhos dele que estava bastante animado com a vida. E quando os outros souberam que esses dois já fizeram sucesso, já conseguiram emprego, também ficaram animados.

Uma coisa importante é o vínculo com a terra porque eles aprendem a valorizar o que ela oferece. Eles plantam, fazem o composto, ficam muito felizes em poder distribuir esse composto para as unidades produtivas.  

Nosso trabalho dá certo porque a nossa equipe é muito competente, meus técnicos agrícolas são excelentes e todos são muito comprometidos. Você vê que eles trabalham com gosto, eles vibram com amor, é impressionante. Eles fazem parte de outros movimentos agrícolas também, então é uma equipe muito interessada que antes de atuar aqui carregava o propósito da agricultura urbana. 

Eu trabalho com algo que acredito que vale a pena. Podemos produzir alimento na cidade, economizando combustível e reduzindo a emissão de gás de efeito estufa. Também acredito no empreendedorismo: a pessoa poder plantar ou então fazer uma compostagem, ou beneficiar os alimentos e fazer algum meio de vida.

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