Indícios de crime ambiental são investigados, e governo destaca resistência à política pública de conservação. Foto: Marcelo Camargo
O Brasil está vivendo uma crise ambiental sem precedentes, com quase 200 mil focos de incêndios florestais registrados desde o início de 2024. Mais de metade desses focos estão concentrados na Amazônia, uma das regiões mais atingidas pela devastação. A Polícia Federal (PF) já instaurou 85 inquéritos para investigar crimes ambientais relacionados a essas queimadas, que se espalham também por outros biomas, como o Cerrado. De acordo com o delegado Humberto Freire de Barros, à frente das investigações, há fortes indícios de que muitos desses incêndios foram causados intencionalmente, com objetivos criminosos como a grilagem de terras e a retaliação contra operações de desintrusão.
Resistência à política ambiental do governo
Em meio à crise, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, destacou a complexidade do cenário, apontando que os incêndios resultam de uma combinação de fatores. O aumento das temperaturas e a seca severa, consequências das mudanças climáticas globais, estão agravando o problema. Contudo, Marina também atribui parte da responsabilidade aos criminosos que, deliberadamente, ateiam fogo em regiões de proteção ambiental. Ela ressaltou que, apesar dos avanços na retomada de políticas de conservação, como a criação de novas unidades de conservação e a demarcação de terras indígenas, há uma forte resistência de setores que lucram com o desmatamento e o uso ilegal da terra.
Grilagem e apropriação de terras públicas
Mauricio Torres, pesquisador do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (Ineaf) da Universidade Federal do Pará (UFPA), explica que o uso do fogo está intrinsecamente ligado ao processo de grilagem de terras públicas. Segundo ele, o incêndio é uma etapa fundamental no ciclo de desmatamento que visa consolidar a apropriação de áreas para fins comerciais, como a criação de pastagens para pecuária. Torres afirma que o incentivo para essa prática vem de sucessivas anistias concedidas a invasores de terras, o que acaba premiando o desmatamento ilegal e legitimando a posse das áreas por meio de programas de regularização fundiária.
Crimes ambientais e retaliação organizada
As investigações da Polícia Federal apontam para a existência de crimes ambientais dolosos, nos quais os incêndios são provocados intencionalmente. Segundo o delegado Humberto Freire de Barros, além da grilagem, há indícios de uma ação coordenada por parte de criminosos em resposta às operações de desintrusão de terras indígenas e combate ao garimpo ilegal. Em algumas regiões, como o sul do Amazonas, a destruição de dragas usadas na mineração ilegal gerou insatisfação entre os envolvidos, que podem estar retaliando ao atear fogo nas áreas afetadas pelas operações. A ação simultânea de vários focos de incêndio em diferentes pontos do país reforça essa hipótese.
Impactos devastadores no Cerrado e outros biomas
Embora a Amazônia concentre a maior parte dos incêndios, outros biomas brasileiros também estão sofrendo os impactos da destruição, especialmente o Cerrado, que registrou um aumento alarmante de 221% na área queimada em comparação ao ano anterior. De acordo com Vera Arruda, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e coordenadora do MapBiomas Fogo, o Cerrado é um bioma fundamental para o ciclo hidrológico do Brasil, abrigando nascentes de importantes bacias hidrográficas. A perda da vegetação nativa afeta diretamente a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, além de contribuir para o aumento das emissões de gases de efeito estufa.
Responsabilização e monetização dos danos ambientais
Nos inquéritos policiais instaurados para investigar os incêndios, a Polícia Federal também está calculando os danos ecossistêmicos causados pela destruição das áreas atingidas. Segundo o delegado Barros, os responsáveis pelos crimes ambientais podem ser obrigados a indenizar os prejuízos causados ao meio ambiente, incluindo os serviços ecossistêmicos perdidos, como a regulação do ciclo hidrológico e a preservação da biodiversidade. Desde 2023, a PF utiliza normas que permitem a monetização dessas perdas, incluindo-as nos laudos dos processos criminais. A intenção é garantir que os culpados sejam responsabilizados financeiramente pela devastação ambiental que ajudaram a causar.