Polo Médico: entre investimentos e desafios

*Por Rafael Dantas

Pernambuco abriga no Recife um dos maiores polos médicos do Brasil, com grandes hospitais públicos, privados e filantrópicos. Como todos os setores do País, a pandemia atingiu fortemente a saúde, que ainda não superou por completo as sequelas da pandemia. Porém, enquanto ainda busca a sustentabilidade e tenta se equilibrar ante as altas taxas de inflação médica, a capital pernambucana assiste também à chegada de novas estruturas e, principalmente, de mais tecnologia.

As novas forças do setor não estão concentradas na Ilha do Leite, principal região do Polo Médico recifense, mas espalhadas também em bairros como o Pina, Santo Amaro e Caçote. Há investimentos milionários privados e públicos em andamentos e alguns recém-inaugurados.

Os problemas, porém, que constam na agenda do setor, estão em um campo nacional ou até internacional. A receita entre a política e a economia, que preocupa a classe empresarial da saúde, foi o combustível dos debates do 10º Congresso Fenaess, promovido pela Fenaess (Federação Nacional dos Estabelecimentos e Serviços de Saúde) e pelo Sindhospe (Sindicato dos Hospitais Particulares de Pernambuco). Reforma tributária, Piso da Enfermagem e a inflação médica são alguns dos assuntos que os representantes dos hospitais querem discutir.

NOVAS ESTRUTURAS DO SETOR NO RECIFE

Uma das mais recentes novidades no setor foi a inauguração de um hospital dentro do Riomar Shopping: o MaxDay Hospital, fruto de investimentos de R$ 35 milhões. O hospital atende procedimentos de pequena e média complexidade, oferecendo alta médica no mesmo dia. O conceito inovador de hospital dia contribui para a maior segurança dos pacientes, de acordo com Alberto Souza Leão, um dos diretores do empreendimento. “O paciente chega e sai em, no máximo, 12 horas. Sem complicação ou exposição desnecessária”. A conexão com o shopping traz comodidades ao empreendimento, como acesso facilitado para médicos com clínicas nas proximidades e a possibilidade de desfrutar das opções de restaurantes do local.

O Max Day Hospital representa um investimento 100% pernambucano. Com uma área de 3 mil m², a unidade conta com um centro cirúrgico, composto por nove salas, incluindo salas de recuperação, além de 35 leitos e UTI. A capacidade da unidade é de realizar, por dia, de 60 a 70 cirurgias.

O Hospital Santa Joana Recife também recebeu fortes investimentos recentes, em seu setor de oncologia. A rede Americas, do UnitedHealth Group Brasil, investiu R$ 6 milhões para o Cancer Center, unidade oncológica do hospital. A estrutura proporciona tratamento integrado para casos oncológicos adultos e pediátricos, com capacidade para atender 10 pacientes simultaneamente. “Com o investimento, a receita do Cancer Center teve um crescimento de 100%. Também houve aumento de 50% no volume de atendimento. A expectativa é de uma ampliação ainda maior com a transferência da estrutura do Centro para a nova torre do Santa Joana, que está prevista para inaugurar no segundo semestre de 2024”, afirmou a diretora-executiva do hospital, Érica Batista.

O Santa Joana também inaugurou uma Clínica Hiperbárica em parceria com a Clínica Regenere. A unidade oferece tratamento para casos de complicações cirúrgicas, úlceras varicosas, lesões decorrentes do diabetes e radioterapia. “Essa modalidade terapêutica intra-hospitalar é pioneira em Pernambuco e proporciona uma abordagem mais prática e rápida para pacientes internados”.

No conjunto de novidades do último ano do setor médico do Recife está o novo prédio do HCP (Hospital do Câncer de Pernambuco). Fruto do investimento de R$ 8 milhões, a unidade aumentou a capacidade de atendimento em 30%. O edifício Governador Eduardo Campos conta com uma área de 8.890 m², abrangendo o Centro de Quimioterapia, a enfermaria de onco-hematologia, 20 leitos de UTI e um novo centro cirúrgico.

“Nesse novo prédio, estruturamos toda a quimioterapia no térreo e aumentamos em 20 leitos a nossa unidade de terapia intensiva. Temos um total de 30 leitos de UTI. Com essa operação, já estamos atendendo bem melhor a população, também com um novo equipamento de radioterapia. Atendemos 100% SUS e somos também 100% oncológicos. Somos um dos quatro hospitais do País dessa forma e seguimos trabalhando bastante para ter melhores equipamentos e para reequipar o nosso centro cirúrgico. Além desses investimentos, estamos promovendo ações de gestão para fortalecer a transparência do hospital para mostrar à comunidade o que estamos recebendo e onde estamos gastando as doações e recursos que estão sendo disponibilizados”, afirmou o superintendente do HCP, Sidney Neves.

No Imip, a superintendente Tereza Campos destacou uma série de ações para qualificar a prestação de serviços. “Na assistência, inauguramos a UTI Cardiológica Pediátrica, que tem capacidade para 10 leitos. A reestruturação física e a aquisição de equipamentos foram financiadas pelo Governo do Estado de Pernambuco”.

O hospital está construindo também uma usina de energia solar, dentro dos esforços socioambientais. A gestora destaca ainda o reforço da segurança dentro do complexo hospitalar, com a instalação de um novo modelo de controle de acesso. “O Imip deu um passo importante para a qualificação do ensino e da pesquisa com a criação do Comitê Institucional de Cooperação Internacional e a reestruturação da Biblioteca Ana Bove, que ganhou instalações modernas e novos recursos tecnológicos. Por fim, no início de 2023, concluímos a implantação do Prontuário Eletrônico do Paciente, inovação que reduziu o consumo de papel no hospital, além de padronizar e garantir mais segurança com os dados dos nossos usuários”, explicou Tereza Campos.

Esses empreendimentos estão longe de contemplarem tudo o que está sendo erguido no Polo Médico do Recife, mas sinalizam os esforços de reestruturação, ampliação de serviços e da capacidade de atendimento, aportes em tecnologia, além da construção de novos centros hospitalares.

INVESTIMENTOS EM ANDAMENTO

Se a cidade já visualizou algumas inaugurações no pós-pandemia no Polo Médico, há um conjunto de novos investimentos, envolvendo recursos maiores no horizonte de 2024. O Hospital Santa Joana Recife, por exemplo, investiu mais de R$ 100 milhões na construção de um novo prédio hospitalar, com 15 andares e cerca de 15 mil m². A unidade vai ser inaugurada em 2024 e está integrada ao atual complexo hospitalar, no bairro das Graças. A nova torre abrigará um centro cirúrgico, com 132 leitos, centro de terapia intensiva e, aproximadamente, 300 vagas de garagem. “A expansão consolida a unidade de saúde como referência em qualidade assistencial nas medicinas pernambucana e nacional”, afirma a diretora-executiva Érica Batista.

Um empreendimento gigante em construção está também em desenvolvimento pela Orea Empreendimentos, junto com a Evipar e a Rede D’Or São Luiz. Está em fase de conclusão da obra o Hospital Memorial Star. A primeira torre já tem previsão de entrega em janeiro de 2024. O investimento total na unidade é de R$ 340 milhões. Ao todo, o complexo receberá aportes de R$ 500 milhões. O novo hospital terá 250 leitos, sendo 150 na torre 1 e 100 na torre 2 (segunda fase do complexo hospitalar). O empreendedor estima a geração de 1.300 empregos diretos e 6.500 indiretos, quando o Memorial Star estiver concluído.

José Aécio Fernandes Vieira Filho, presidente da Orea Empreendimentos, avalia que esse complexo promoverá uma disrupção do setor. “Em 1979, quando o Hospital Santa Joana Recife foi inaugurado, foi uma disruptura de padrão, de conforto, de acessibilidade, de luxo, de conveniências, de facilities hospitalar. O que o Recife tinha até 1979 era um padrão e o Santa Joana mudou completamente. O nível de qualidade da cidade, como um todo, acompanhou isso, porque os novos concorrentes, quando chegam, sempre tentam ficar daquele padrão para cima. O que o Memorial Star, quando for inaugurado, vai causar, 40 anos depois, é a mesma coisa. Vai mudar a percepção do padrão possível de conforto, de atendimento, de instalações, de prédio, de equipes, de treinamento. Ele é fora da curva em relação ao que o Recife dispõe hoje”.

No âmbito público, há também uma grande unidade em construção na cidade que é o Hospital da Criança. O novo equipamento hospitalar da Prefeitura do Recife, localizado no bairro do Caçote, será uma unidade de média complexidade, com 10 mil m² de área. O hospital oferecerá suporte de exames laboratoriais, clínicos, imagem e procedimentos especializados. Serão 60 novos leitos disponibilizados na rede. Por ser voltado ao público infantojuvenil, o Hospital da Criança terá ambientes lúdicos, janelas amplas e vista para o ambiente externo.

“O município do Recife, por meio de iniciativas ambiciosas e inovadoras da prefeitura, assumiu, nos últimos anos, uma posição de destaque no SUS e também no chamado Polo Médico da cidade. Hoje, o SUS da cidade é responsável por 65% de todos leitos existentes na capital, e essas vagas aumentaram 17% em uma década. A produtividade de consultas, exames e cirurgias, somente em 2022, chegou a 75 milhões de procedimentos – 60% acima do patamar de 10 anos atrás. E isso se deve especialmente à rede municipal de saúde, que se expandiu da atenção básica até a média e alta complexidade”, respondeu em nota a PCR.

O município já conta com os Hospitais da Mulher do Recife Dra. Mercês Pontes Cunha (HMR), no bairro do Curado, e o Hospital Eduardo Campos da Pessoa Idosa (HECPI), na Estância. O aumento da estrutura do Polo Médico e também do SUS na cidade tem atraído, inclusive, pacientes de outros Estados. Uma pesquisa, divulgada em abril deste ano pelo Governo Federal, com base nos dados do SUS, do IBGE e do Tesouro Nacional, mostrou que o Recife é a cidade brasileira que mais recebe pessoas de outros municípios em busca de tratamento de saúde, ficando à frente de Belo Horizonte e São Paulo.

“O mesmo mapeamento mostrou que pacientes até do Acre, na outra extremidade do País, vieram para o Recife, em busca de tratamento no SUS municipal. E o Hospital da Criança do Recife só reforça que a Prefeitura não mede esforços e recursos para ampliar a oferta e qualificar os serviços para os pacientes, sejam moradores do Recife ou aqueles de outros municípios e até Estados que buscam atendimento em nossa rede”, afirmou em nota a prefeitura.

No Imip, a superintendente Tereza Campos informa que, em 2023, o hospital filantrópico está fazendo a aquisição de equipamentos, como o PET-CT, que realiza exame de diagnóstico por imagem de alta definição, importante para a avaliação pré e pós-transplantes. Ela ressalta a abertura de importantes estruturas para atender os pacientes, como a ampliação de 10 novos leitos de UTI Neonatal Srag (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e anuncia uma novidade. “Ainda na assistência, o Centro de Reabilitação do Imip irá inaugurar o primeiro Laboratório de Marcha 100% SUS de Pernambuco, um serviço criado para oferecer atendimento específico de alta qualidade voltado aos aspectos do caminhar do paciente, desde o diagnóstico até o tratamento de reabilitação”.

DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE

Apesar dos grandes investimentos, o Polo está apreensivo. George Trigueiro, presidente do Sindhospe, destacou as atuais dificuldades enfrentadas pelo setor médico-hospitalar. Ele ressaltou que todos os segmentos são afetados, desde os prestadores de serviços até os fornecedores, usuários e operadoras. “A sustentabilidade do setor enfrenta grandes dificuldades, agravadas pela pandemia. Hoje, há um grande problema em relação a toda legislação e judicialização, além da concentração de operadoras e a verticalização dos planos de saúde, prejudicando os pequenos e médios estabelecimentos de saúde”, explicou.

Trigueiro também ressaltou o desafio de enfrentar o problema da inflação de saúde, que é muito superior à inflação geral. Ele mencionou que a introdução de novas tecnologias e medicamentos encarece os custos, que não são totalmente cobertos pelas operadoras de saúde. A dificuldade em cumprir os contratos vigentes e os reajustes insatisfatórios também foram destacados pelo médico. Diante das movimentações legislativas e reformas em discussão, como a tributária e a trabalhista, o presidente do Sindhospe ressaltou a importância de acompanhar atentamente essas mudanças e suas implicações para o setor médico-hospitalar.

Em visita ao Recife, para participação do 10º Congresso Fenaess, o presidente da Federação, Breno Monteiro, afirmou que a pauta do evento abordou bastante a política em razão das preocupações de sustentabilidade dos negócios da saúde. A Lei do Piso da Enfermagem e a possibilidade de mudança na lei trabalhista de restringir a terceirização de atividades-fim, foram medidas criticadas pelo médico. Na lista de pontos de atenção para o setor estão também a Reforma Tributária que tem o potencial de ampliar os tributos da área de serviços, aonde está inserida a saúde.

A tensa relação com as operadoras também foi mencionada pelo presidente da Fenaess. “As operadoras estão com prejuízos há quatro trimestres. Estão acontecendo algumas coisas na relação entre a operadora e o prestador. Não tem reajuste. Ela cobra mais do cidadão, mas não repassa aos hospitais. Por exemplo, ela reajusta 13% no contrato com os clientes e, por outro lado, quer pagar 1% ou 2% para os prestadores”, afirmou Breno Monteiro. Além de não haver um reajuste mais razoável, ele afirma que aumentou também a chamada glosa, que corresponde ao valor que um plano ou seguradora de saúde recusa-se a pagar ao prestador de serviço.

Breno Monteiro criticou também o rol taxativo da ANS (Agência Nacional de Saúde) e alertou para o crescente processo de judicialização do setor, diante de muitas mudanças na legislação que afetam a saúde. A insegurança jurídica dificulta, por exemplo, os cálculos atuariais que definem as tarifas dos planos.

Por um lado, altos investimentos e o fortalecimento de tendências mais tecnológicas chegam ao setor, por outro, a sustentabilidade dos serviços anda em meio a ameaças constantes. Com um Polo Médico de referência nacional e milhares de profissionais de saúde mobilizados nos hospitais e clínicas, as indefinições do setor atingem de forma sensível o Recife.

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