As vivas cores da infância têm-se desbotado com as pressões na vida moderna. Conectados ao mundo impessoal das telas dos smartphones desde cedo e sem o tempo e a qualidade de convívio adequado dos pais, cada vez mais aprisionados pela vida profissional, as crianças e adolescentes estão enfrentando um sofrimento silencioso. Mais pressão e menos suporte emocional aumentam os índices de ansiedade e até depressão desde pequenos. Nos casos mais graves chegam ao suicídio. Um cenário vem se agravando e já ligou o sinal amarelo de alerta para as famílias, psicólogos e profissionais da educação.
O mal do século 21 invadiu a mente dos pequeninos dos nossos dias. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, um percentual de 8% dos meninos e meninas do mundo inteiro sofrem com depressão. No Brasil, os especialistas falam de uma parcela entre 1% e 3%. Nas escolas, a percepção do avanço da ansiedade excessiva e dos quadros depressivos é gritante. “Nos estudos brasileiros, 1,8% dos alunos tem depressão e um índice de 9,4% apresentaram problemas com ansiedade. Isso é preocupante”, aponta a diretora pedagógica da Escola Vila Aprendiz, Sandra Kattah.
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Tanto na sua prática clínica como no acompanhamento dos alunos na escola, a psicóloga do Colégio Equipe Suzi Moura avaliou um crescimento galopante dos casos dessas doenças. “Temos percebido que tem crescido o número de adolescentes apresentando transtornos de ansiedade e depressão. Entre 2017 e 2019 estimo que aumentou em 30% dos alunos diagnosticados com algum desses transtornos”, avalia Suzi.
Mas o que tem levado tantas crianças ao acompanhamento psicológico e até psiquiátrico diante desses males? Segundo os especialistas entrevistados, as causas dos problemas relacionados à ansiedade e depressão são provenientes de vários fatores. Embora haja também componentes biológicos que contribuem para esses quadros, os psicólogos, psiquiatras e educadores listaram raízes que nascem na vida contemporânea, com a alta carga de dependência das tecnologias digitais e a ansiedade dos pais em quererem que sejam bem-sucedidos.
“As cobranças voltadas às crianças atualmente são maiores. São como pequenos adultos, com muitas atividades e muitas pressões. Os pais querem desde muito cedo que elas escrevam e que façam coisas em que ainda não são competentes”, relata Rita Amado, psicóloga clínica escolar da Escola Villa Aprendiz.
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As maiores expectativas sobre o desempenho escolar e de desenvolvimento dos filhos não é acompanhado, no entanto, por mais atenção e tempo de lazer com a família. Esses pais, não raramente, como uma compensação da sua ausência em casa, procuram construir uma “redoma” para evitar qualquer espécie de decepção ou frustração dos pequenos. Uma sequência de fatores que tira das crianças uma necessária preparação emocional para suportar as dificuldades que enfrentarão na adolescência e vida adulta.
“A infância é a fase da vida em que é maior a exigência de felicidade. É com relação a ela que devemos afastar as tristezas e preocupações, para que não estraguemos essa fase que vai entregar adultos felizes para o resto da vida. Só que isso não é verdade. A infância é uma fase, semelhante às outras, com perdas e ganhos, tristezas e alegrias, expectativas e frustrações. Mas se nós, adultos que cuidamos delas, procuramos poupá-las demasiadamente das exigências e tristezas, vamos estar, aí sim, preparando uma constituição frágil para os desafios que o mundo lhes fará”, afirma Luiz Felipe Andrade, psicólogo clínico e psicanalista do Centro de Estudos Freudianos e do Ciclos da Vida.
O psicanalista avalia que os adultos não devem fazer tudo o que está ao seu alcance para atender os anseios das crianças. Muitos pais da classe média se arvoram em comprar tudo o que seus filhos lhe pedem. Com essa atitude, as crianças ganham e conquistam tudo o que desejam com muita facilidade e sem responsabilidades. “Isso adia a constituição do controle dos impulsos e da lida com a tristeza e com a perda, empurrando-as ainda mais para a ansiedade e depressão no futuro”.
Felipe afirma que se a mãe leva a filha para tomar antidepressivos porque terminou um namoro, ela, de fato, estará empurrando sua adolescente para um maior risco de entrar num quadro depressivo. “O trabalho de elaboração dessa perda, com suas questões e o próprio sentir, são negados por uma mãe que já pensa na medicação como primeira opção”.
As famílias que enfrentam grandes crises, situações de separação dos pais e os casos de violência doméstica são outros fatores que têm a capacidade de aumentar a ocorrência dos transtornos de ansiedade e do desencadeamento de quadros depressivos.
TECNOLOGIAS
O uso frequente das novas tecnologias é um ponto crítico na infância e na adolescência. São vários os aspectos a serem considerados sobre o acesso a smartphones ou tablets, como o isolamento, a redução de atividades ao ar livre e das brincadeiras com amigos. “Hoje as mídias sociais ditam como é que essas crianças e adolescentes precisam ser. Além disso, há a exibição dessa felicidade mostrada o tempo todo nas redes sociais, que nem sempre é real. O período em que eles ficam expostos à internet também tira deles os momentos de maior socialização”, aponta Suzi.
Ela ressalva, porém, que esse problema não é apenas da infância e adolescência, mas é comum também entre adultos, que estão muito conectados. “É uma conexão que não tem um limite, vivemos em um tempo em que temos que aprender a conviver com as novas tecnologias.”
A velocidade na comunicação e no acesso à informações da vida contemporânea cria nas pessoas uma impaciência quando a resposta não é dada na rapidez com que estão acostumados, de acordo com Luiz Felipe. Além disso, as crianças, que antes precisavam vencer as barreiras da timidez para se socializarem e enfrentarem o próximo em suas particularidades, hoje se escondem atrás das telinhas, se isolando ou se comunicando apenas por meio das redes. De acordo com o psicólogo, isso faz com que eles adiem o processo de aprendizado do “lidar com a diferença e com o social, aumentando os níveis de ansiedade e vivendo padrões ilusórios de autoestima”.
COMO DETECTAR
Alguns sintomas dos transtornos de ansiedade e da depressão podem estar mais facilmente visíveis aos pais. “O que chama mais a atenção é a mudança no perfil do comportamento da criança. Há uma postura opositora das demandas da família e da escola. Muitas delas chegam ao consultórios em razão da sua agressividade ou rebeldia”, relata a psiquiatra infantil do Imip, Rackel Eleutério.
A ansiedade, explica Rackel, é caracterizada por uma preocupação excessiva, desproporcional aos riscos reais dos desafios diários que enfrentamos. Um transtorno que gera sofrimento. No quadro depressivo há uma predominância do desânimo de forma geral. Quanto menor a criança, mais difícil é para os pais identificarem essas mudanças, pois elas tendem a apresentar um humor mais reativo aos momentos que estão vivendo. “Diante de uma situação muito alegre, a criança se alegra, participa, brinca com os amigos. Mas em casa se isola de tudo. O objetivo dos tratamento é de tornar aquele humor mais adequado, com flutuações normais ao longo do dia a dia”.
O tratamento medicamentoso é prescrito pelo médico nos quadros mais extremos, diante de sinais de agressividade muito elevados ou frente à manifestação do desejo de morte. As ideias suicidas são mais comuns entre adolescentes, mas também atingem crianças. “As vezes os pais podem perceber isso nos menores quando eles começam a falar que não queriam ter nascido ou que querem ir para junto de Papai do Céu. São falas mais vagas e mais indiretas. Quando a criança é muito pequena é mais difícil para os pais terem compreensão dos seus sentimentos e como os expressam”. Para os especialistas, o principal fator de prevenção é o diálogo. “A criança precisa saber que será ouvida antes de ser criticada. É preciso criar essa abertura, o contato afetivo precisa estar presente”, orienta Rackel.
Para alcançar essa relação mais estreita, é necessário priorizar o tempo de qualidade dedicado aos filhos. “Isso significa estar com o filho de verdade. Não estar com o celular na mão, nem angustiado para que o tempo passe logo, pensando no que irá fazer depois. É uma hora de sentar no chão, brincar, tempo que é do filho e de mais ninguém”, conceitua a psicóloga Suzi Moura.
Limitar o acesso das crianças às novas tecnologias é outra orientação dos especialistas. Não existe um consenso, mas a maioria dos teóricos afirma, por exemplo, que entre 0 a 3 anos não se deve expor a criança aos dispositivos digitais. Após essa idade, os pais devem ter bom senso para restringir os horários. Quanto menos dependência, melhor para o desenvolvimento das crianças e adolescentes e mais proteção diante dos transtornos ligados à ansiedade.
*Por Rafael Dantas e Cláudia Santos