Por que os médicos escrevem? Final (Por Paulo Caldas)

Antônio Carlos do Espírito Santo

Minha motivação para escrever mudou ao longo da vida. Descobri muito cedo que meu lado psico era mais desenvolvido que o lado motor e que minhas tentativas de afirmação em meio aos colegas de escola eram bem-sucedidas no espaço do jornal mural do que no campo ou na quadra.

Quando senti que a minha ‘panelinha’ de amigos próximos estava se desfazendo, ao final dos anos de ginásio, fui invadido por uma nostalgia adolescente e escrevi o meu primeiro livro, um manuscrito com ilustrações do autor. Até hoje lamento ter perdido o caderno onde narrei as aventuras que nunca vivemos em terras distantes, com as quais sempre sonhamos. Na faculdade, driblei os anos de chumbo participando das edições mimeografadas de um pasquim onde fazíamos piada de tudo e de todas algumas mais elaboradas, outras nem tanto.

Depois, já professor e pesquisador, vieram os inevitáveis artigos científicos, os relatórios de consultoria e dois livros da especialidade que abracei como voto monástico de pobreza; a saúde pública.

Paralelamente militava em grupos amadores de teatro, onde comecei o trabalho dramatúrgico, inicialmente voltado para o público adulto e, quando os filhos queixaram-se por não poder assistir as peças que o pai escrevia, me arrisquei a produzir textos para a infância e a juventude, alguns deles levados aos palcos do Recife.

Para remediar as frustrações próprias daqueles que buscam organizar os inorganizáveis artistas amadores, rompi durante um tempo com o fazer teatral e me dediquei a transformar os textos em contos e, sabe Deus porquê, optei pelas peças para crianças.

Hoje, aos 65 anos e com cinco livros de ficção dedicados a esse instigante segmento de leitores, tento dar um passo talvez maior que as pernas, que é a escrita de um romance. Amanhã, não sei qual será a minha motivação porque parafraseando Hipócrates, a quem tomamos como pai da Medicina, a arte é longa e a vida, curta.

Wilson Freire

Não acredito na correlação direta entre a pessoa ser médico(a) e ser escritor(a). Creio que o fato de existirem muitos desses profissionais exercendo esta outra atividade (de forma amadora ou profissional), não passa de probabilidade estatística. Assim, como estes, outras profissões também têm seus escritores relevantes ou anônimos no cenário das letras. Talvez o que exista seja uma mística pelo que a Medicina exerce no imaginário coletivo. Ela já é vista como algo quase divino entre os mortais. Quem não já escutou a frase: “Abaixo de Deus, só doutor ou a doutora?” Esse poder de, às vezes, o médico ou a médica ajudar um ente doente a reparar sua condição de são, o torne mais visível no seio das sociedades, por exercerem concomitantemente o ministério da escrita. (ou outra manifestação/expressão artística). A gênese da necessidade de se expressar através da Literatura antecede a escolha de uma profissão. Para mim, o que existe são escritores que se tornaram também médicos. Alguns muito bons e conhecidos. Outros, não.

Selma Vasconcelos

A Medicina é uma ciência do campo das humanidades. Apesar dos avanços tecnológicos de extremo valor, úteis para confirmar ou afastar a impressão diagnóstica percebida. A impressão ou hipótese diagnóstica é elaborada pelo médico com base na escuta, observação e no exame do paciente. O paciente torna-se assim o personagem de vivências pregressas, angústias, dúvidas e segredos que constituem um enredo a explicar a dor que traz consigo.

A experiência de escutar, contar e recontar aproxima o médico do escritor, ou seja, de um contador ou intérprete de histórias que lhes são confiadas. Moacir Scliar, médico gaúcho, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras afirmava: “A Literatura e a Medicina são um território compartilhado”.

Por outro lado, sabe-se que a Medicina é reconhecida, também como arte, uma vez que exige do médico uma capacidade sensorial perceptiva e refinada para vislumbrar os recônditos da alma humana. Tais argumentos, entre outros, podem explicar a quantidade de médicos que tem a escrita como atividade correlata. A condição humana em sua fragilidade nos comove, mobiliza e inquieta a ponto de sentirmos a necessidade imperiosa de dividir esta inquietação com o leitor e propiciar que este reflita sobre o mundo ao seu redor.

Luiz Carlos Albuquerque

Não vou parodiar Jânio com o “se fosse sólido comê-lo- ia” apesar de parecer que estamos novamente em tempo de mesóclises. Desde criança, eu era o cara que escrevia. Vizinho da biblioteca municipal, se eu não estivesse no campinho batendo bola, estaria entre os livros. No Colégio Salesiano, fiz mural, atas e o que precisasse. Na faculdade atualizei estatuto, fiz jornalzinho do diretório e, na posse de um presidente, escrevi os discursos tanto do que saía quanto do que assumia.

Em Psiquiatria lê-se muito, me senti no meu elemento. Cedo cometi os primeiros pecados literários e tudo evoluiu naturalmente. Numa fase, gostava de procurar e ganhar concursos. A PCR promoveu o I Concurso Pernambucano de Textos de Humor, nos anos 80; ganhei o primeiro lugar. Pouco depois o governo do Estado lançou um Concurso Pernambucano de Poesia de Cordel – ganhei os dois primeiros lugares. O Bandepe fez concurso de Literatura, obtive o terceiro lugar em poesia. A Chesf fez Concurso de Causos – faturei o prêmio. Ganhei prêmio do Cremepe, em contos, do Sindicato dos Médicos de Pernambuco, ganhei prêmios de poesia dois anos seguidos – e um de fotografia.

Em certa época fiz poesia de cordel “por encomenda” – para políticos, para a Chesf, para vinagre… Com “A Guerra dos Bichos”, cordel para crianças, que é um álbum hoje editado pela Brinque Book (SP), já foi ultrapassada a marca dos 50.000 exemplares. A primeira edição foi para a Empetur, um cordel editado com esmero pela Nordestal, tendo ao lado de cada sextilha a ilustração correspondente em bico de pena, que eu fiz com o propósito de inventar o “cordel em quadrinhos”! E vieram “Na Força da Lua”, contos, “Batra, o sapo”, “As Aventuras de Urubill” e neste 2016 veio a segunda edição do “Eu, Singularíssima Pessoa”, ensaio sobre a poesia e a psiquiatria de Augusto dos Anjos, com prefácio do saudoso mestre Othon Bastos.

Ou seja, escrevo porque é inevitável pra mim. É  um prazer e um espaço onde me abrigo, me divirto e preservo a sanidade que talvez ainda me reste. O ato de escrever é a minha substância psicotrópica. Por fim, no consultório, um paciente que havia estado no lançamento de “Batra, o sapo” quis fazer uma pergunta, pois não, claro, e ele: Doutor, quando o senhor escreveu este livro estava usando o quê?  Tive que rir.

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