Por Trás Do Cuidado Diário, Pais Exaustos: Os Desafios Emocionais De Famílias Atípicas - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
Por trás do cuidado diário, pais exaustos: os desafios emocionais de famílias atípicas

Revista Algomais

Eles estão em todas as salas de espera, nos corredores das clínicas, nas reuniões escolares e nos grupos de WhatsApp. São mães e pais de crianças neurodivergentes — pessoas que vivem uma rotina de dedicação intensa, marcada por amor incondicional, mas também por cansaço, culpa e solidão. No entanto, enquanto o foco está constantemente no progresso terapêutico dos filhos, a saúde mental de quem dos pais que cuidam quase nunca é considerada uma prioridade.

O tratamento de crianças com autismo, TDAH, dislexia e outras neurodivergências envolve muito mais do que a participação em terapias e avaliações. Exige uma presença constante, emocional e prática, que muitas vezes implica mudanças na rotina profissional, abandono de planos pessoais e enfrentamento diário de julgamentos sociais, barreiras institucionais e falta de apoio público.

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"Os pais enfrentam sobrecarga física e psicológica, lidam com expectativas sociais e ainda precisam se adaptar a uma rotina de cuidados que exige constância e paciência. Se a saúde mental deles não for cuidada, a tendência é que problemas como ansiedade, estresse e até a depressão se tornem obstáculos para apoiar a criança de forma adequada”, explica a psicóloga Paula Chaves, coordenadora técnica da Clínica Mundos, especializada no atendimento a pessoas neurodivergentes.

Sobrecarregados, solitários e sem espaço para adoecer

Para muitas famílias, especialmente mães solo, o peso da jornada não é compartilhado. O acúmulo de responsabilidades — que envolve levar a criança a diferentes profissionais, gerenciar agendas, intermediar situações escolares e lidar com crises emocionais ou sensoriais — pode levar a um estado constante de exaustão. Muitas dessas mulheres, inclusive, cuidam sozinhas de dois ou mais filhos neurodivergentes, ampliando ainda mais a carga mental.

O impacto psicológico de tudo isso é profundo. A vida passa a girar em torno da criança, e é comum que pais e mães deixem de lado o trabalho, os relacionamentos, os amigos, os momentos de descanso e até mesmo as próprias necessidades básicas. Essa abstenção, ao longo do tempo, cobra um preço emocional alto.

"Cuidar de si mesmo não significa abandonar o filho. Isso garante condições emocionais para oferecer o suporte necessário, pois o tratamento da criança só tem efetividade quando a família também está fortalecida e o bem-estar dos pais é parte do sucesso do processo terapêutico”, ressalta Paula Chaves.

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Quando o ambiente familiar interfere no progresso terapêutico

Cuidadores sobrecarregados tendem a manifestar sinais emocionais que, mesmo sem perceber, impactam diretamente as crianças. Irritabilidade, impaciência, ansiedade e indisponibilidade emocional geram ambientes instáveis, que comprometem o processo de desenvolvimento e aprendizado da criança neurodivergente.

"A criança percebe o ambiente em que está inserida e como pais emocionalmente sobrecarregados podem transmitir insegurança, impaciência ou exaustão. Isso interfere diretamente no progresso do tratamento”, alerta a psicóloga.

Ou seja, cuidar da saúde emocional dos pais não é um luxo — é uma necessidade. A estabilidade emocional da família é parte essencial do tratamento, e não um elemento periférico.

A importância de uma rede que ampara e não julga

A maioria das famílias que convivem com a neurodivergência ainda lida com estigmas sociais, falta de compreensão dos sistemas públicos e ausência de rede de apoio concreta. Nesse contexto, o isolamento vira regra, e o sentimento de solidão aumenta.

"É essencial que os pais tenham espaços para falar sobre suas angústias e para fortalecer a rede de suporte. O autocuidado não é egoísmo, é parte do processo terapêutico da criança”, reforça Paula Chaves.

Ela destaca que o autocuidado deve ser encarado como uma prática constante, e não um luxo eventual. Isso inclui não apenas procurar apoio psicológico, mas também buscar formas de dividir as responsabilidades com familiares e cuidadores próximos, garantindo que o peso do cuidado não recaia sobre uma única pessoa.

Atividades como exercícios físicos leves, hobbies, espiritualidade, rede de apoio e momentos de lazer funcionam como válvulas de escape importantes para manter a saúde emocional dos cuidadores e oferecer à criança um ambiente mais estável e amoroso.

7 DICAS DE CUIDADO PARA QUEM CUIDA

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1. Busque psicoterapia ou escuta profissional

Falar com alguém especializado pode ajudar a organizar os pensamentos, aliviar a ansiedade e criar estratégias para o dia a dia.

2. Divida tarefas com quem puder

Converse com familiares, parceiros e amigos. Delegar não é sinal de fraqueza — é inteligência emocional.

3. Procure grupos de apoio

Outros pais e mães vivendo experiências semelhantes podem oferecer acolhimento, empatia e até soluções práticas.

4. Cuide do corpo: durma, se alimente e movimente-se

A rotina é intensa, mas pequenos cuidados com o corpo impactam diretamente a saúde emocional.

5. Programe pausas reais

Mesmo que sejam 15 minutos por dia para respirar, ler, meditar ou ouvir uma música que você ama. Você merece.

6. Reconheça seus limites

Você não precisa dar conta de tudo. Aceitar seus próprios limites é o primeiro passo para respeitá-los.

7. Lembre-se: o tratamento da criança passa por você

Cuidar de si é cuidar do outro. Você faz parte ativa da evolução do seu filho — e isso começa com seu próprio bem-estar.

Um novo olhar sobre o cuidado

A saúde mental dos pais de crianças neurodivergentes precisa ser olhada com a mesma seriedade e sensibilidade com que se observa o desenvolvimento das crianças. Ignorar o sofrimento dessas famílias é comprometer a base de todo o processo de acolhimento e transformação.

"Não podemos mais pensar no cuidado de forma individualizada. A criança, a família, a escola, a sociedade — todos fazem parte de um sistema. E esse sistema precisa estar bem ajustado para funcionar. Quando os pais estão emocionalmente saudáveis, todo o entorno da criança se beneficia”, finaliza Paula Chaves.

Cuidar de uma criança neurodivergente é um ato de amor que exige presença, coragem e resistência diária. Mas para que esse cuidado seja sustentável e saudável, é preciso que a sociedade enxergue também quem está por trás dele. Dar visibilidade à saúde mental dos pais é uma questão de empatia, além de um passo essencial para garantir que todas as crianças cresçam cercadas por vínculos seguros, ambientes acolhedores e adultos emocionalmente disponíveis.

Na rotina sobrecarregada da maternidade atípica, pequenos respiros dão força para continuar

A rotina de Rafaela Soares de Mendonça, 36 anos, moradora de Casa Amarela, no Recife, revela os desafios e as belezas da maternidade atípica. Jornalista e especialista em marketing, ela abriu mão da carreira profissional para se dedicar integralmente aos filhos: Ruan, de 11 anos, diagnosticado com TDAH, TOD e deficiência intelectual leve; e Heitor, de 8, que tem apraxia da fala e autismo nível 1.

Sem rede de apoio estruturada, além da presença eventual da mãe, Rafaela conduz praticamente sozinha a rotina intensa de consultas médicas, terapias, reuniões escolares e enfrentamentos diários. O maior peso, segundo ela, não está apenas nos diagnósticos, mas na exclusão social e escolar. O olhar de julgamento, a falta de acolhimento e a ausência de políticas públicas eficazes tornam a caminhada ainda mais árdua.

A luta pela inclusão é constante e, muitas vezes, solitária. Mais do que aceitação, Rafaela defende que crianças atípicas precisam de acolhimento genuíno e de participação plena nos espaços sociais e educacionais. A ausência de compreensão e empatia da sociedade amplia a sobrecarga física e emocional vivida por mães como ela.

Mesmo diante desse cenário, Rafaela busca criar pequenos intervalos de autocuidado, fundamentais para manter a saúde mental. Na natação e nos raros momentos de silêncio, encontra a chance de recarregar as energias. Para ela, esses respiros são essenciais para continuar enfrentando a rotina intensa e garantir dignidade e respeito aos filhos.

Sua trajetória é também um chamado a outras mães atípicas: não se calar diante das injustiças e não permitir que os filhos sejam desrespeitados. A resistência, ainda que desgastante, é movida pelo amor e pela força que nasce da maternidade.

Histórias como a de Rafaela expõem não apenas a sobrecarga das famílias atípicas, mas também a urgência de políticas públicas que ofereçam suporte real, acesso à saúde e inclusão escolar. O cuidado com a saúde mental dos pais é parte inseparável desse processo, já que a luta diária, quando solitária, pode levar ao esgotamento emocional.

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