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Por um olhar mais atento à felicidade

Revista algomais

O tema tornou-se uma prioridade para as pessoas que já não concordam em passar longas horas do dia no trabalho, para empresas atentas à ameaça do Burnout na sua equipe e por governantes que constatam que o desenvolvimento de um País não pode ser baseado apenas no crescimento econômico.

*Por Rafael Dantas

Agenda TGI

Talvez você conheça alguém que pediu demissão de um trabalho que adoecia e procurou cuidar mais da saúde em uma ocupação que exigia menos. Ou já deve ter ouvido sobre os projetos de vida de alguém que sonha em se aposentar e morar numa cidadezinha menor, com outro ritmo de vida. Esses perfis estão conectados a uma mudança de percepção da sociedade em que a busca pela felicidade ganhou um outro patamar.

A corrida pelo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) segue sendo o indicador mais valorizado no noticiário, pelo mercado. Porém, diante de uma sociedade cansada e com maiores preocupações com a saúde mental, outros parâmetros ganham força. A soma deles é o que vem sendo chamado de FIB: a Felicidade Interna Bruta. Você já ouviu falar?

O FIB é um conceito que foi desenvolvido no pequeno país asiático do Butão. Enquanto há um cálculo mais objetivo na medição da economia, a felicidade da população lida com muitos fatores diversos. Afinal, o que torna um indivíduo feliz nem sempre é o mesmo que satisfaz o vizinho ou o familiar que está em casa. Porém, no emaranhado de subjetividades que nos formam, a ciência anotou alguns critérios a serem observados e buscados por todos.

“A Felicidade Interna Bruta é gerada de modo a demonstrar cientificamente a felicidade e o bem-estar geral da população. A medida informa os atuais níveis de satisfação humana, de forma dinâmica e também traz informações importantes para a política governamental”, explica o microbiologista, psicanalista e filósofo, Bruno Severo Gomes, que é professor do Centro de Ciências Médicas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

A metodologia para se medir a felicidade de uma população varia de acordo com a organização que a calcula. Porém, ela une estudos que analisam a satisfação com a vida, dados econômicos (como PIB per capita, desigualdade), indicadores de saúde (a exemplo da expectativa de vida e dos acesso a serviços) e de educação (acesso, qualidade). Também entram no campo de análise fatores como liberdade e participação social, confiança nas instituições e qualidade do meio ambiente.

O olhar sobre essa pauta levou a UFPE a criar, em 2019, a disciplina de Felicidade, que é ministrada pelo professor Bruno Severo Gomes. Ele explica que a proposta da criação e existência da matéria foi baseada na ciência da felicidade e nos estudos da neurociência e das emoções, e sua ligação com propósito de vida, saúde mental e inteligência emocional.

FIB SERÁ MEDIDO EM FERNANDO DE NORONHA

Neste mês foi anunciado pelo Butão que o indicador do FIB será implementado pela primeira vez no Brasil. O local escolhido para a realização do estudo será em Pernambuco, no paradisíaco Fernando de Noronha. “O arquipélago foi escolhido como projeto-piloto do FIB no Brasil devido ao seu modelo de desenvolvimento sustentável, que já conta com diversas iniciativas voltadas para a preservação ambiental e o bem-estar da comunidade”, afirma Caio Queiroz, CEO da Aguama Ambiental, que será o executor do estudo em território nacional.

A opção pelo arquipélago pernambucano, porém, não foi apenas por motivações naturais, segundo Caio. “A ilha apresenta uma comunidade coesa e engajada, com uma conexão forte entre seus habitantes e o meio ambiente, o que facilita a implementação e avaliação de ações voltadas para a qualidade de vida. O ambiente único de Noronha, com uma economia altamente dependente do turismo sustentável, oferece um cenário ideal para testar e ajustar a metodologia do FIB antes de expandi-la para outros contextos no Brasil”.

O IMPACTO DA PANDEMIA

A crise sanitária e econômica gerada pela Covid-19 deixou muitas sequelas pelo Brasil e pelo mundo. Além dos milhões de mortos, a pandemia criou um desarranjo no consumo das famílias que ainda não foi superado. A queda do poder de compra lidera as preocupações sociais no Brasil, afetando 88% da população neste ano, segundo estudo da BNP Paribas Cardif. O aumento da taxa de juros também é motivo de inquietação para 72%.

Mesmo com a redução significativa das taxas de desemprego, que alcança recordes históricos, a instabilidade do mercado de trabalho segue tirando o sono dos brasileiros. Na mesma pesquisa do BNP Paribas Cardif, 63% dos entrevistados afirmaram temer perder sua principal fonte de renda em curto ou médio prazo.

“As consequências econômicas e sociais da pandemia – como desemprego, desigualdade e a sensação de desconexão social – reforçaram a importância de índices como o FIB para guiar políticas públicas que vão além do crescimento econômico tradicional e abordam o bem-estar de maneira mais ampla e integrada”, destacou o CEO da Aguama Ambiental.

Associados às dificuldades de ordem econômica das famílias, os problemas relacionados à saúde mental e emocional dispararam. O País, cuja imagem remete ao samba, futebol e carnaval, agora é o quarto mais estressado do mundo, segundo o relatório World Mental Health Day 2024, produzido pela Federação Mundial de Saúde Mental. Quase metade (42%) reclama de problemas relacionados ao estresse e 54% consideram a saúde mental como o maior problema de saúde do País. Em sintonia com esses dados, o Ministério da Previdência Social apontou ainda que a ansiedade é a terceira maior causadora dos afastamentos de trabalho no Brasil.

“A discussão sobre o FIB ganhou muito mais força nos últimos anos, especialmente devido à crescente atenção à saúde mental e às consequências da chamada 'sociedade do cansaço'. O aumento do estresse, ansiedade e casos de burnout, agravados pela pandemia, trouxe a necessidade urgente de repensar os modelos de desenvolvimento e qualidade de vida”, reforçou Caio Queiroz.

INFELICIDADE NO TRABALHO E BURNOUT

Uma pesquisa da Gallup, intitulada State of the Global Workplace 2024, destacou um panorama preocupante sobre o bem-estar emocional dos trabalhadores brasileiros. Segundo o estudo, 46% dos profissionais no Brasil afirmaram estar estressados, enquanto 25% relataram sentir tristeza e 18% declararam estar com raiva. Esses números refletem a necessidade de ações voltadas à saúde mental no ambiente corporativo, especialmente em um cenário de desafios econômicos e sociais.

“A felicidade no trabalho é um elemento crucial para a saúde física e mental, para o sucesso profissional e a qualidade de vida de qualquer indivíduo”, ressalta Bruno Severo Gomes. O pesquisador e docente da UFPE considera que o grande desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre as diferentes áreas da vida, como a saúde, as relações interpessoais, o trabalho, a educação e o lazer. “Essas áreas podem ser vistas como pilares que sustentam a felicidade e a qualidade de vida. Quando estão equilibradas e interligadas de maneira saudável, elas podem contribuir para a sua felicidade”.

Nesse contexto de grave insatisfação no País com a qualidade de vida no trabalho, as corporações devem fazer parte das soluções. O professor da UFPE sugere que empresas e instituições criem ações que possam tornar mais feliz a equipe de trabalho. “A felicidade no trabalho cria valor para as organizações, afinal, em média, um profissional feliz é 31% mais produtivo e três vezes mais criativo do que seus colegas insatisfeitos. A felicidade no trabalho ainda combate o estresse que tantos profissionais afirmam sentir, contribuindo para a melhoria da saúde física e mental”.

O equilíbrio e a felicidade na vida laboral têm efeitos relevantes, que contribuem para uma menor rotatividade nos empregos e maior identificação dos indivíduos com as atividades que desempenham ao longo das suas vidas. “Quando o trabalho é uma fonte de satisfação e realização, podemos sentir mais propósito e significado em nossa vida. Além disso, os avanços na carreira trazem estabilidade financeira que nos ajuda a evoluir em outras áreas da vida e investir em nosso bem-estar”.

PERSPECTIVA DA FELICIDADE NO TRABALHO É MAIS ACENTUADA NA GERAÇÃO Z

A consultora da TGI, Carolina Holanda, e o médico psicanalista Vitor Barreto destacaram em uma entrevista no Pernambucast que a chamada Geração Z (dos nascidos entre 1995 e 2010) tem uma perspectiva de vida laboral muito mais conectada com a felicidade que os profissionais de outras gerações.

“O sucesso profissional para a Geração Z é diferente de outras gerações. Eles precisam ter uma vinculação com o propósito da empresa. Não é apenas uma atividade. Mas eles se importam com questões como: quais as causas a que a empresa está vinculada? Como esses profissionais se realizam nela? O sucesso profissional já não é mais chegar no último cargo e ter o maior salário. Muitas vezes, os jovens dessa geração preferem ter um salário menor do que arcar com o excesso de trabalho para assumir um novo cargo”, explicou Carolina Holanda.

A preocupação com o equilíbrio e a saúde mental ajuda a explicar esse comportamento dos jovens. “Essa população tem uma preocupação grande com a experiência do burnout, de ficar no estresse extremo no trabalho. Ela não se identifica com o trabalho do ponto de vista existencial. O trabalho não é a identidade deles”, afirmou Vitor Barreto.

É da geração dos profissionais mais jovens, que têm uma outra perspectiva sobre a vida laboral, que estão explodindo as pressões por mais flexibilidade – com preferência ao home office e ao trabalho híbrido – e pela redução das jornadas de trabalho. Uma pesquisa do Generation Lab indicou que 81% dos jovens da Geração Z acreditam que o aumento da produtividade, por exemplo, seria alcançado com a redução da semana de trabalho para quatro dias. O workaholic (viciado em trabalho), tão valorizado há alguns anos, saiu de moda nesse contexto de valorização da qualidade de vida.

PROCURA PELA FELICIDADE É DIFERENTE EM CADA LOCAL

A jornalista Manu Siqueira, que assina a coluna Reticências (que aborda pautas voltadas ao público feminino, especialmente para as mulheres com mais de 40 anos) no site algomais.com, defendeu no seu último artigo do ano que em meio às pressões do trabalho e do Natal, cada pessoa priorize algumas doses de felicidade no seu dia. Uma pausa para cuidar de você. “Equilíbrio. Sei que nem sempre conseguimos, mas é possível. Esta semana, em meio a tantas e infinitas tarefas do meu dia a dia, desliguei o celular por meia hora, fiz um café e comi com bolo de cenoura no final da tarde, assistindo uma novela na televisão. Foi a meia hora mais feliz do meu dia”.

Nas suas reflexões sobre a necessidade de diminuir a culpa dos tantos planos impossíveis de fazer ao longo do ano, ela destacou a necessidade de se permitir contemplar a cidade e a natureza. Sugeriu até uma caminhadinha até a padaria para comprar pão, deixando o celular em casa. “No caminho, sempre gosto de observar os muros das casas, as janelas, se a rua é arborizada, sempre encontro alguma árvore mais frondosa para olhar a sua copa, ver se ela está carregada de frutos ou flores. Gosto de ver o encaixe das pedras na calçada. Sempre encontro algo bonito no caminho”.

Cada cantinho do planeta tem suas peculiaridades ao tratar sobre o que deixa a população mais feliz. Entre os lugares onde o estudo foi aplicado, na Ilha de Bali (Indonésia), por exemplo, a felicidade está associada à espiritualidade e harmonia com a natureza. Na capital da Dinamarca, Copenhague, o foco está em design urbano, mobilidade sustentável e qualidade de vida. Na América Central, na Costa Rica, o estudo indicou que a população valoriza a ética ambiental e a conservação da biodiversidade.

Embora a sustentabilidade esteja permeando os diferentes desejos, um fator relevante ao se preocupar com o FIB como um indicador local a ser perseguido é a busca por escutar a população. Afinal, o que mais incomoda os cidadãos no seu cotidiano – e poderia ser minimizado – e o que os deixa mais felizes? Na experiência de Medellín (ver a entrevista com Juan Sebastián Bustamante), o pilar inicial para a revolução social vivida pela cidade mais inovadora do mundo foi ouvir a sociedade.

Dentro desse propósito de oferecer algo – além das oportunidades econômicas – aos seus moradores, a cidade de Bogotá, por exemplo, ergueu, ao longo dos anos, os Centros Felicidade. As unidades são complexos arquitetônicos projetados para oferecer acesso igualitário a atividades recreativas e culturais, independentemente da idade, gênero ou condição econômica. Eles estão em várias regiões da capital colombiana, com instalações que incluem áreas esportivas com piscinas, academias, além de espaços recreativos.

Na experiência do Compaz Eduardo Campos, que é inspirado nas cidades colombianas, por exemplo, a comunidade pediu um dojô (um espaço para a prática de artes marciais) e foi atendida na construção do centro. Havia um conjunto de professores e alunos nas redondezas que treinava, mas sem um local adequado. Quase 10 anos depois de instalado, o andar mais movimentado da unidade localizada no Alto Santa Terezinha, é aquele onde está o dojô.

De acordo com Caio, os estudos do FIB contribuem para que as autoridades locais identifiquem as áreas prioritárias para melhoria. “Os resultados fornecem uma visão abrangente do bem-estar da população em diferentes domínios, como saúde, educação, governança e meio ambiente. Com essas informações, é possível desenvolver políticas públicas mais focadas e alinhadas às reais necessidades das comunidades, garantindo que as ações do governo possam impactar diretamente na qualidade de vida. Além disso, o FIB auxilia na alocação eficiente de recursos, direcionando investimentos para setores que podem gerar maior impacto positivo no bem-estar geral”.

A felicidade parece ter entrado de vez na agenda das políticas públicas – ao menos deveria estar – e na lista individual de desejos para o Ano Novo. Uma discussão que passa por acalorados debates bem objetivos, como o número de horas e minutos trabalhados, e até por aspectos subjetivos da população de cada cidade, além das singularidades de cada indivíduo. Que olhemos com mais atenção para o FIB de 2025!

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