*Por Beatriz Braga
“O machismo é democrático, fode com todo mundo”, disse a jornalista Milly Lacombe e lembro dela quando preciso sintetizar de maneira fina e objetiva um fato tão claro. Parecido com o que acontece com as mulheres, os homens também estão submetidos às regras do que é “ser masculino”. Enquanto nossa criação é baseada no “feche as pernas, menina”; os garotos são criados no “menino não chora” ou “anda que nem homem”.
“O homem já nasce com três nãos: não ser mulher, não ser gay e não ser criança”, escreve Helen Barbosa dos Santos, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no projeto O crepúsculo do macho .
A sociedade inferioriza tudo que tem a ver com o feminino e força os homens a se adequarem às características ditas masculinas (força, agressão e racionalidade) – porque essa é a fórmula dita da masculinidade bem sucedida.
No entanto, nem todo homem se encaixa nessa definição simplória do que é ter pênis nesse planeta. Além do que a educação dos meninos tem-se comprovado perigosa: homens são autores de 90% dos homicídios no mundo e 94% dos homicídios em massa.
Também são as principais vítimas de assassinatos, acidentes de trânsito e alcoolismo. Machismo é a causa principal de morte de homens no planeta, segundo Benedito Medrado (Instituto Papai) no documentário Precisamos falar com os homens? Uma jornada pela igualdade de gêneros, um filme que faz um chamado aos rapazes a repensar a forma como são educados.
Temos a falsa impressão que meninas são mais propensas à emoção e ao cuidado, enquanto homens são de natureza agressiva. Essas qualidades, porém, foram socialmente criadas, não são herança biológica.
O problema é que esses hábitos sociais são os responsáveis por um mundo hiperviolento. Outro documentário importante, A Máscara em que você vive , coloca a mídia no centro da discussão sobre brutalidade e gênero masculino.
Um menino normal passa em média 40 horas por semana assistindo TV, esportes e filmes; 15 horas jogando videogames e 2 horas vendo pornografia. Aos 18 anos, já viu cerca de 200.000 atos de violência na tela.
Nessas produções, os arquétipos masculinos trazem personagens calados e com controle de suas emoções, além de serem ágeis e raivosos. Quando são extrovertidos normalmente degradam mulheres e consomem uma grande quantidade de drogas e álcool. Os garotos são influenciados pelos estímulos que consomem e não é à toa que se espelham nos heróis e personagens que acompanham cotidianamente.
O feminismo vem despertando mulheres para questionar estereótipos. Os homens precisam entrar na conversa para que também possam estar livres (e nos livrar) da pressão que gira em torno deles.
Há, por um lado, a cegueira confortável para os que se beneficiam do status quo; mas há também o tiro no pé dos caras que não enxergam que a luta é para todos. O machismo cala mulheres, mas também cala homens quando limita suas capacidades de expressão.
“Eu peço a todos os homens para se lembrarem da primeira vez que ouviram que tinham que ‘ser homem’. Acho que é a frase mais destruidora da nossa cultura”, diz Joe Ehrmann, ex-jogador da NFL que lamenta, no filme, o uso dos esportes para tornar os meninos ainda mais agressivos, homofóbicos e machistas.
Se reconhecer como vítima é poderoso. A partir disso, entendemos como chegamos até aqui enquanto sociedade. Somos todos, em maior ou menor grau, consequências e coprodutores do sexismo e do preconceito. É preciso alguma dose de tolerância para entender as sementes que foram plantadas dentro de nós pelos que vieram antes. E coragem, agora, para cortá-las pela raiz.
“Os homens têm que encontrar formas de viver melhor com eles mesmos. Porque estão matando mulheres e estão matando uns aos outros”, diz Nadine Gasman da ONU Mulheres Brasil.
O que fazer, então, do futuro? Tenho algumas ideias.
Para começar, assistir aos documentários aqui citados e ao episódio Masculinidade e Sentimentos do podcast Mamilos , que traz alguns dos homens que estão fazendo parte desse movimento de repensar uma nova masculinidade. Nessa edição, eles choram, desabafam e relembram suas criações opressoras. É um processo poderoso.
Enquanto nos libertamos, precisamos urgentemente livrar o que vem a seguir. Já é hora de privar as crianças da nossa obsessão por gêneros. Permitamos que os meninos chorem e sintam emoções; que usufruam das suas energias femininas e vejamos que bem faz mostrar a uma geração que ela não precisa se comunicar através da agressão.
Em Precisamos falar com homens, a publicitária Thais Fabris diz uma frase que não me sai da cabeça: “eu odeio o machismo, não o machista”. O problema não é pessoal, é social.
O que vai definir se você fará parte da solução ou do problema é a sua disposição de se perceber alvo sem deixar de se enxergar responsável pela mudança.