Se antes da pandemia, o suicídio já era considerado um problema de saúde pública, agora, a crise sanitária agravou ainda mais esse quadro e deve ser levada em consideração nas reflexões do Setembro Amarelo, quando se realiza a campanha de prevenção. Embora ainda seja precoce fazer uma análise precisa sobre o impacto da Covid-19 em pessoas que tiraram suas próprias vidas, estudos científicos recentes mostram os efeitos profundos da pandemia na saúde mental. Essa situação também afetou outros fatores desencadeantes como a violência doméstica e o consumo de álcool. Ressalte-se que nesta conjuntura irrompeu também uma crise econômica e é sabido que a perda de emprego e o estresse provocado por problemas financeiros são fatores de risco bem conhecidos para suicídio.
Diante de todo esse cenário, Amaury Cantilino, atual presidente da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria, defende medidas preventivas que vão além das políticas e das práticas gerais de saúde mental. Um exemplo seria a assistência ao desempregado com políticas de reinserção e cursos profissionalizantes que “pode devolver a sua perspectiva e a sua dignidade”. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Cantilino, que é doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento pela UFPE e foi professor associado do Centro de Ciências Médicas da universidade, também chama a atenção para o aumento dos casos de depressão e ansiedade em crianças. E alerta que 35% dos jovens com depressão podem tentar suicídio. Ele afirma, porém, que o suporte social e familiar são fatores importantes de prevenção. “Um dos maiores protetores do suicídio é o senso de pertencimento, a sensação de que os seus laços familiares e de amizade são bem estabelecidos”.
O que mostram os dados epidemiológicos do suicídio no Brasil e no mundo?
Dados fornecidos pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) dão conta de que são registrados mais de 13 mil suicídios todos os anos no Brasil e mais de 1 milhão no mundo. O mais relevante é que cerca de 96,8% dos casos de suicídio estavam relacionados a transtornos mentais. Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e do abuso de substâncias psicoativas como álcool e drogas ilícitas. Quanto às tentativas de suicídio, é importante frisar que o maior índice de casos ocorre entre os 20 e os 49 anos de idade. No entanto, suicídio consumado parece ser proporcionalmente mais comum em adolescentes e em idosos.
A pandemia – que trouxe a crise sanitária e econômica – agravou o quadro do suicídio no País?
Ainda precisaremos de algum tempo para saber exatamente o impacto da pandemia nas taxas de suicídio no Brasil. No entanto, um artigo publicado no Lancet Psychiatry ainda em 2020, prenunciava que os efeitos da pandemia da Covid-19 sobre a saúde mental podem ser profundos e com previsões de que as taxas de suicídio aumentariam. A prevenção do suicídio, portanto, precisa de consideração urgente. A resposta deve reunir mas, também, ir além das políticas e práticas gerais de saúde mental. Os prováveis efeitos adversos da pandemia em pessoas com doenças mentais podem ser exacerbados pelo medo e isolamento.
Estudos mais recentes já observaram que aqueles com transtornos psiquiátricos e que adoeceram de Covid-19 tiveram piora dos sintomas e outras pessoas desenvolveram novos problemas de saúde mental, especialmente depressão, ansiedade e estresse pós- -traumático (todos associados a um risco aumentado de suicídio). Além disso, a pandemia pode afetar adversamente outros fatores desencadeantes como a violência doméstica e o consumo de álcool. Os efeitos podem ser piores em locais com poucos recursos, onde a adversidade econômica é agravada por suporte de serviços de saúde mental insuficientes. Adicione isso ao fato de que perda de emprego e estressores financeiros são fatores de risco bem conhecidos para suicídio. Num âmbito mais geral de intervenções públicas, a assistência ao indivíduo desempregado com políticas de reinserção e cursos profissionalizantes pode devolver a sua perspectiva e a sua dignidade.
Quais as causas do aumento de suicídios entre adolescentes e jovens?
A ABP ressalta que os jovens estão suscetíveis às mudanças fisiológicas que são características da fase de amadurecimento físico e psíquico. Quem convive com um adolescente, sabe que as mudanças nem sempre são fáceis. Essas mudanças fisiológicas podem ser um gatilho para a pessoa que tem predisposição genética para desenvolver transtornos psiquiátricos. Por isso devemos ficar atentos a alguns sinais.
Ainda segundo a ABP, em primeiro lugar, é necessária a observação. Os pais precisam perceber as mudanças de comportamento dos filhos, os sinais que crianças e adolescentes emitem quando estão passando por algum problema, por exemplo, isolamento, tristeza constante, distorção de imagem corporal, dificuldade de relacionamento com pessoas da mesma idade, insegurança, queda no desempenho escolar, crises de raiva, baixa autoestima, comportamentos de risco, dentre outros. É alarmante sabermos que um quarto dos jovens entre 18 e 24 anos já considerou seriamente o suicídio.
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