Professores também querem aprender – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Professores também querem aprender

As novas tecnologias digitais mudaram a maneira como os estudantes adquirem informações e, por consequência, estão pressionando uma transformação da escola. O acesso a conteúdos do mundo inteiro ao alcance de poucos cliques empoderou os alunos. Aulas em vídeos, textos e infográficos de diversos autores além de jogos educativos são atualmente alguns dos caminhos mais dinâmicos e lúdicos trilhados pelas crianças e adolescentes no processo de aprendizado. Um cenário que desafia o professor a assumir um novo papel, não mais de transmitir os assuntos. O educador do Século 21 está se transformando em um curador na sala, um profissional que orienta a construção do conhecimento. Além disso, é incitado a ter um trabalho mais dinâmico na condução das aulas.

O protagonismo do aluno na sua própria formação, um dos temas mais recorrentes dos últimos anos na discussão sobre a aprendizagem, suscitou uma nova atitude também dos docentes. “Uma das demandas que estamos enfrentando é a necessidade de um protagonismo do professor”, aponta Patrícia Smith, professora do Departamento de Métodos e Técnicas da UFPE e doutora em Educação pela University Of Newcastle Upon Tyne.

Para Patrícia, as dificuldades do professor para alcançar o engajamento dos estudantes são diversas. Currículo denso, pressão do tempo e da aprovação dos exames de acesso à universidade e a própria estrutura física das escolas são barreiras. Entraves também identificados pelos alunos, que os levam a perder o interesse pelo espaço de aprendizagem formal, que é a aula.

“Nos últimos anos temos uma escola desinteressante para os estudantes. Mas eles são sociáveis na sua vida, são protagonistas no seu meio e alguns deles são até líderes. Mas quando chegam na sala não decidem nada. Todo mundo diz a eles o que devem fazer”, exemplifica Smith, apontando uma das raízes da desmotivação dos jovens nas instituições de ensino.

No workshop Algomais Educação 2018, realizado em setembro, alunos de 10 escolas públicas e privadas do Recife e de Olinda falaram sobre o que consideram positivo e negativo no aprendizado. O estudante Cassiano de Oliveira, da Escola Municipal Vila Sésamo, aponta que uma boa aula é aquela em que o professor consegue a atenção dos alunos sem ser rigoroso. “Na nossa escola já aprendemos usando música. Também fizemos um trabalho sobre fotografia, produzindo imagens sobre o que nos representa e o que não nos representa. Algumas dessas experiências são únicas, em que conseguimos aprender até brincando. Precisamos de mais aulas dinâmicas”, deseja.

Em evento da Algomais, Armando Vasconcelos e Patrícia Smith defenderam uma maior autonomia aos estudantes.

Outra demanda quase que unânime dos estudantes é por práticas pedagógicas que apresentem o conhecimento aplicado. As teorias e aprofundamentos de conteúdo descontextualizados são apontados como fatores que reduzem o interesse na escola. “Vejo que a maior dificuldade é pôr em prática o conhecimento. Sempre me pergunto: como vou usar isso na minha vida? Acho que todos já fizeram esse questionamento como aluno”, disse Ana Camila Nogueira, aluna do Colégio Madre de Deus.

A dificuldade em aplicar o tempo necessário para promover a aprendizagem é outro desafio apontado pelo estudante Johnny Hsu, do Colégio Marista São Luiz. “Existe a necessidade de termos mais qualidade na didática. Mas outro problema é a duração das aulas. Como promover uma abordagem mais dinâmica em uma aula de 45 minutos? O pensamento fica inconcluso e já passamos para a aula seguinte”.

Além das dificuldades e anseios apontados pelos estudantes, o docente atravessa atualmente um novo momento dentro das escolas. Ao mesmo tempo em que é cobrado para ser o protagonista da organização de uma aula mais atrativa, ele passa a ter um papel de curador. Um profissional que indica as fontes de estudo de qualidade, estimula a pesquisa e contribui para que o estudante alcance maior autonomia na sua formação. Um orientador do processo de aprendizado dos alunos, perfil que há pouco tempo era mais comum apenas no ensino superior.

O sociólogo francês Edgar Morin, no projeto Fronteiras do Pensamento, definiu por meio de uma ilustração, o novo papel do docente. “Ele deve ser o regente da orquestra, observar o fluxo desses conhecimentos e elucidar as dúvidas dos alunos. Por exemplo, quando um professor passa uma lição a um estudante, que vai buscar uma resposta na internet, ele deve posteriormente corrigir os erros cometidos, criticar o conteúdo pesquisado. É preciso desenvolver o senso crítico”.

Para Rogério Cavalcanti, professor de geografia do Colégio Fazer Crescer, o grande desafio da docência é justamente aguçar a curiosidade dos alunos e estimulá-los a pensar na aplicação dos conteúdos. “Educação não é um banco de conhecimento. Paulo Freire defendia que é preciso colocar uma fagulha, de alguma forma acender a curiosidade dos estudantes”.

Rogério faz uso de práticas pedagógicas que privilegiam o diálogo para estimular o interesse dos alunos pela aprendizagem. Ele trabalha com as redes sociais e as novas tecnologias que são usadas pelos alunos e promove momentos de reflexão aplicada sobre os assuntos de aula. “Uma das atividades é fazer com que os estudantes se imaginem como gestores públicos que precisam resolver ou minimizar um problema real de um bairro ou de uma cidade. Assim discutimos em sala conteúdos como urbanização e formação econômica do Brasil. Os conhecimentos são socializados e apontam para uma aplicabilidade”, afirma.

Para produzir aulas mais dinâmicas e assumir esse papel de curadoria, o grande problema, mencionado por especialistas e reconhecido pelos professores, é que a formação docente nas universidades não os capacitou com as competências exigidas por esse novo aluno e por essa nova escola. “Sentimos falta de oficinas mais práticas para exercer o nosso trabalho. Na universidade tínhamos muitas discussões acadêmicas, que são importantes, mas que não nos habilitaram a exercer nosso trabalho no dia a dia, da própria prática na sala de aula”, aponta o professor Jefferson Góes, do Colégio Equipe.

Segundo pesquisa da ONG Todos pela Educação e do Itaú Social, realizada pelo Ibope Inteligência neste ano, “71% dos professores estão insatisfeitos com sua formação inicial. Para eles, faltaram conhecimentos sobre gestão de sala de aula (22%) e fundamentos e métodos de alfabetização (29%). Ou seja, a prática da profissão”. Para reduzir as dificuldades da formação de docentes inovadores, as redes públicas e privadas de ensino têm trilhado caminhos como educação continuada, uma demanda de 69% dos professores ouvidos no estudo.

De acordo com o professor Saulo Guimarães, da Escola Estadual de Referência Padre Francisco Carneiro, seu corpo docente se reúne periodicamente dentro da própria escola para conversar sobre práticas pedagógicas. “Não discutimos apenas sobre as notas dos alunos, mas sobre o que podemos fazer para produzir mais e melhor, mesmo diante das nossas limitações”.

Ele revela que nos últimos anos foram produzidos curtas-metragens pelos alunos e realizado um festival para exibição. Recentemente, os estudantes produziram um e-book, com festa de lançamento da publicação na escola.

Outra novidade implantada é a Companhia de Dança PyporAtã, que tem contribuído para engajar a garotada na sua trajetória estudantil. Thiago Gabriel, 17, afirma que era um aluno “perturbador” e com poucos amigos na escola. O acesso ao grupo de dança mudou seu envolvimento com os colegas e o instigou a melhorar o desempenho acadêmico. “Tive mais oportunidade e mais amizades que me tiraram do mau caminho. Inclusive, por causa do grupo comecei a estudar de verdade”, conta.

No EREM Padre Francisco Carneiro, a implantação de uma companhia de dança despertou interesse até de alunos considerados problemáticos.

Saulo explica que há cinco anos havia uma rejeição dos moradores do bairro com a escola, que foi quebrada com as inovações implantadas. “O pais não queriam que seus filhos estudassem na escola do bairro. Hoje precisamos trabalhar com os dois turnos, pois a procura é enorme”, comemora.

Diante das complexidades da nossa sociedade e dos efeitos dos avanços tecnológicos em todas as áreas da vida, Edgar Morin declarou que “é preciso educar os educadores”.

 


Ana Selva (acima) afirma que a formação dos professores e a indefinição sobre o currículo são desafios a serem enfrentados. Foto: Tom Cabral

 

EM BUSCA DA VALORIZAÇÃO DA DOCÊNCIA

“Não existe um lugar em que a educação tenha dado bons resultados quando o professor não é valorizado”, afirmou a secretária executiva de desenvolvimento da educação da Secretaria de Educação de Pernambuco, Ana Selva. Oferecer uma formação de qualidade aos docentes e a definição clara do currículo são outras lições para o Brasil dos países que conseguiram avançar no campo educacional.

De acordo com o relatório Políticas Eficientes para Professores, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 2,4% dos estudantes com 15 anos pretendem seguir a profissão. Esse percentual, 10 anos atrás, estava em 7,5% dos adolescentes nessa idade. “Precisamos discutir a situação desse protagonista da escola que é o professor. A carreira docente praticamente não existe e a formação é muito precária no Brasil. E isso se reflete na escola e na sala de aula”, afirma o professor Armando Vasconcelos, diretor do Colégio Equipe.

Em pesquisa realizada também neste ano pelo Ibope Inteligência, 49% dos atuais docentes afirmaram que não indicariam a carreira para os mais jovens. A desvalorização da carreira (48%), a má remuneração (31%) e a rotina desgastante (15%) são os principais motivos para não recomendar a profissão.

A maioria dos professores entrevistados pela pesquisa acredita que dar mais oportunidades de qualificação aos docentes que estão atuando nas escolas e escutar os professores nos debates públicos sobre políticas educacionais são as duas medidas mais eficazes para valorização da profissão na sociedade brasileira. A restauração do respeito pela figura do professor e a melhor remuneração para a profissão são outros fatores apontados como fundamentais para resgate do status da carreira no País.

Sobre a qualificação, fator mais mencionado pelas pesquisas, Ana Selva destaca a formação também relacionada às práticas de sala de aula. “O saber profissional é plural. Ele vem do curso, do currículo, da sua vida. Não é apenas saber o conteúdo, mas há uma importância também do saber pedagógico”, aponta a secretária.

Ana Selva explica que a Secretaria de Educação promove a formação continuada dos professores em todas as 16 gerências regionais espalhadas pelo Estado. Além de capacitações e cursos de atualização, há também um trabalho de fomento à participação do seu corpo docente em eventos científicos e incentivo aos professores para a realização de especializações e mestrados.

 


O grande volume de conteúdo das disciplinas é um dos fatores de estresse segundo o estudante Vinícius Santos e o professor Jefferson Góes.


ALUNOS PEDEM APOIO EMOCIONAL

Precisamos de apoio psicológico e emocional”. Essa foi uma das demandas mais repetidas pelos estudantes que participaram do Workshop Algomais Educação 2018. A tensão envolvida na preparação para os exames de acesso às universidades e a escolha da profissão sinalizaram para a urgência de maior atenção escolar aos discentes. Em especial diante do aumento do números de casos de depressão e de suicídio entre jovens e adolescentes, que hoje é a quarta maior causa de morte dos 15 aos 29 anos, segundo o Ministério da Saúde.

Para trabalhar as competências socioemocionais dos estudantes, o Colégio Equipe instituiu uma disciplina chamada de LIV, que significa Laboratório Inteligência de Vida. “Percebemos o grau de ansiedade e estresse a cada dia com as pressões das provas. Como a concorrência e busca pela competitividade são tão acentuadas, compreendemos que o colégio não deveria dar apenas suporte para os conteúdos acadêmicos, mas ajudá-los nos desafios da vida em geral”, explica Jefferson Góes, um dos docentes responsáveis pela disciplina. Os encontros da LIV discutem questões como o controle emocional, a necessidade de trabalho em equipe e as situações de tomada de decisão.

“É muito importante quando o colégio propicia a reflexão sobre as nossas habilidades socioemocionais. São conhecimentos e competências que levaremos para a vida inteira, não só para o Enem ou provas”, afirma Vinicius dos Santos, estudante do primeiro ano do ensino médio do Colégio Equipe. Ele ressalta que isso contribui para colocar o aluno como protagonista da sua trajetória escolar e profissional.

Vitor Braga, aluno do 9º ano do Colégio Apoio, destaca o relacionamento com os professores como um fator fundamental inclusive para melhorar o aprendizado. “Faz muita diferença quando o professor cativa o aluno e cria uma relação. Isso nos faz sentir mais confortáveis para aprender. Não se trata só de passar um conteúdo e fazer provas, mas há um vínculo que nos transmite mais segurança”, aponta.

Na Escola Estadual de Referência Padre Francisco Carneiro foi criado um grupo de apoio socioemocional. “Começamos o trabalho com um pequeno grupo de gestão emocional. Até porque perdemos recentemente uma aluna por suicídio. Esse grupo discute a questão das identidades e de problemas como a automutilação”, explica o professor Saulo. Ele revela que há uma necessidade também das famílias por esse apoio. “Quando os pais souberam que os filhos participariam desse grupo, perguntaram: E para a gente terá quando?”.

Patrícia Smith, da UFPE, sugere que enquanto não há estruturas mais avançadas com essa finalizade, os estudantes devem se juntar para dialogar e conviver. “Os alunos e também os professores estão ficando doentes com as pressões. Formar grupos para conversar já é bem importante, não só para situações de depressão, mas para a vida. Espaços em que alguém vai te ouvir. A primeira coisa a fazer é se juntar para estudar, passear, para se curar”.

O diretor do ABA Global Education, Eduardo Carvalho, ressalta a relevância de manter o professor equilibrado emocionalmente para prestar esse apoio. “É preciso apoiar o equilíbrio socioemocional do docente, para que ele consiga desenvolver também essa habilidade nos alunos”. Na experiência da escola de inglês e da escola infantil bilíngue, Carvalho destaque que o uso de práticas de atenção plena (mindfullness) potencializa a aprendizagem socioemocional e melhora a atenção dos alunos em aula.

Além de lidar com as pressões da vida moderna, formar cidadãos críticos para enfrentar as questões globais e com habilidades necessárias para o Século 21 são algumas das demandas postas para os docentes, segundo Eduardo Carvalho. “Os estudantes precisam fundamentalmente desenvolver o pensamento crítico, a criatividade, a colaboração e a comunicação. E os professores precisam ser preparados para isso também”.
Para incluir essas dimensões que vão além do ensino linguístico, a ABA buscou certificações internacionais e estabeleceu diversas parcerias para garantir uma formação continuada ao corpo docente.

 

 

*Por Rafael Dantas, repórter da Algomais (rafael@algomais.com)

 

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