O crescimento da maioria das cidades brasileiras aconteceu com a supremacia do tráfego de carros. Engarrafamentos, marginalização do transporte público e invisibilidade dos pedestres e ciclistas fazem parte do retrato que é resultado desse modelo de desenvolvimento urbano, digamos, “carrocrata”. Em contraponto a esse cenário que representa a maioria das capitais do País, surgiu o projeto Ruas Completas. A iniciativa do WRI Brasil, organização sem fins lucrativos, em parceria com a Frente Nacional de Prefeitos, propõe um ambiente urbano humanizado, orientado principalmente para a mobilidade ativa e de baixo carbono. O Recife será um dos 10 municípios do País que vivenciarão essa experiência a partir de uma série de intervenções que acontecerá na Rua da Hora, no Espinheiro.
A aplicação dos princípios das Ruas Completas está sendo coordenado na capital pernambucana pelo Instituto Pelópidas Silveira (IPS). Após duas reuniões com moradores e comerciantes do bairro da Zona Norte e diversos debates técnicos, foram propostas várias modificações na via, como a supressão de uma das três faixas para carros, o alargamento das calçadas e a redução da velocidade máxima permitida de 50 km\h para 30 km\h.
“O primeiro objetivo desse projeto é proporcionar um ambiente seguro e agradável para o convívio de todos os usuários da rua. Não apenas ser eficiente para quem se desloca de carro, mas também para os pedestres, ciclistas, usuários de transporte público. Além disso, reduzirá a emissão de poluentes e a quantidade de acidentes de trânsito”, projeta o diretor executivo de planejamento da mobilidade do IPS, Sidney Schreiner.
Segundo levantamentos feitos pelo instituto, por hora transitam quase mil pedestres e menos de cem ciclistas pela rua. Entre as modificações previstas estão elevação dos trechos de travessia ao nível da calçada. A medida além de facilitar a mobilidade do cadeirante, obriga os carros a reduzirem a velocidade. Também está prevista a criação de uma ciclorrota nas faixas remanescentes de rolamento de forma compartilhada entre a bicicleta e o transporte motorizado. Com isso, as organizações envolvidas no projeto esperam até triplicar o fluxo de pessoas na região beneficiada.
A requalificação das calçadas, que é por lei obrigação dos donos dos imóveis, será feita pela Prefeitura do Recife na extensão da rua, que tem quase um quilômetro. Schreiner explicou que a PCR está desenvolvendo um projeto de recuperação de 134 quilômetros de calçadas, por intermédio da URB (Autarquia de Urbanização do Recife), e que a Rua da Hora é uma das contempladas. Ele prospecta que a reforma do pavimento desse passeio público deverá ser entregue à população ainda no primeiro semestre de 2018.
Morador e comerciante da rua, Fábio Cabral, dono da loja Passadisco, está empolgado com o projeto. “A diminuição da velocidade na via é um fator bastante interessante. E a requalificação das calçadas será muito positivo para melhorar a acessibilidade. Essa iniciativa tem tudo para tornar a rua mais viva o tempo todo”, comemora. Residindo há 27 anos no local, ele lembra com saudosismo do tempo em que as pessoas conviviam mais no espaço público.
TRÂNSITO
No ponto de encontro com a Avenida Rosa e Silva está prevista uma modificação no trânsito com a implantação de um semáforo no local para reduzir os engarrafamentos e garantir uma travessia mais segura para os pedestres. Moradora da via, Lidiane Cavalcanti, destacou a necessidade de a população enxergar o projeto de forma coletiva. “Penso que será bom para a cidade, porque haverá um fluxo maior de pessoas. As ruas mais movimentadas e mais iluminadas se tornam menos inseguras. Será bom também para o comércio local”, considera.
Uma preocupação levantada nas reuniões com a população local é a necessidade de haver o acompanhamento pela população e pelo poder público após as intervenções do projeto. “As boas calçadas são muito usadas para trânsito proibido de motos ou ocupadas por carros para estacionamento. Além disso, sem a manutenção adequada, em pouco tempo tudo volta ao que era antes”, adverte o consultor Francisco Cunha, que trabalha no bairro.
*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)