Psicólogos rechaçam a “cura gay” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Psicólogos rechaçam a “cura gay”

Nos últimos meses, o assunto da homossexualidade e transexualidade invadiu a mídia, as redes sociais e até a novela do horário nobre da TV Globo. Muito desse debate foi impulsionado pela liminar concedida pelo juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara do Distrito Federal, que tornou legalmente possível que psicólogos ofereçam terapias de reversão sexual, popularmente conhecidas como “cura gay”.

Para psicólogos ouvidos nesta reportagem, a medida constitui-se num retrocesso, já que desde 1973 a Associação Americana de Psiquiatria (APA) retirou a homossexualidade do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DMS). Trata-se da “Bíblia da psiquiatria”, que classifica as patologias mentais e é um manual seguido no mundo inteiro, daí a sua importância.

Em 1985 foi a vez do Conselho Federal de Psicologia fazer o mesmo. “Se não é doença, não há motivos para se propor a cura”, salienta o psicólogo e professor da UFPE Luís Felipe Rios. Ele ressalta que a terapia de reversão sexual foi foco de uma revisão de estudos sobre o tema realizada pela Associação de Psicologia Americana. A conclusão mostrou que tais pesquisas não comprovaram cientificamente a eficácia do tratamento. “Além de não curar, a terapia de conversão sexual, segundo a revisão, aumentava casos de depressão e outros transtornos como o pânico e também de suicídio nas pessoas que realizaram o tratamento”, alerta o professor.

Segundo Rios, ser homossexual, heterossexual, travesti ou transexual são construções sociais determinadas pelo modelos culturais aos quais o indivíduo está inserido. “Portanto, não se tratam de patologias ou de escolha”, rechaça o professor. Para esclarecer essa ideia, Rios faz uma comparação com a condição da mulher décadas atrás, quando se dizia que ela não podia votar porque isso era contra a natureza dela. Hoje, há um consenso de que esse pensamento não passava de preconceito e era uma convenção cultural.

“O processo de construção nos faz identificarmos com o gênero feminino ou masculino”, explica. Na nossa sociedade ocidental, continua o psicólogo, se a criança nasceu homem deve se identificar com estereótipos masculinos como gostar de brincar de bola, de futebol e ser mais agressivo, e meninas, com identidades femininas, como ser dócil e brincar de boneca.

Porém, nem toda criança se constrói dessa forma. Não se sabe até o momento os motivos que levam algumas pessoas a se identificarem com o gênero que a sociedade determinou e outras não. Alguns acreditam que a causa seja genética, outras áreas, como a psicanálise, afirmam ser uma forma subjetiva de cada indivíduo se identificar com padrões masculinos e femininos. Um homem trans, por exemplo, nasceu mulher, mas não se identifica com o gênero feminino e se enxerga homem. Já a mulher trans é o oposto, nasceu homem mas se identifica com o gênero feminino.

Mas não é o que pensa a APA. Embora tenha deixado de caracterizar a homossexualidade como doença, recentemente, na última revisão do DSM, a associação retirou a classificação da transexualidade como transtorno de identidade de gênero, mas classificou-a de distrofia de gênero. “No fim das contas a mudança não se concretizou numa efetiva despatologização”, diz Tarso Benício, 35 anos, presidente da Associação de Homens Trans e Transmasculinidade.

Mas é baseado no diagnóstico de distrofia de gênero que a população transexual pode ter acesso à cirurgia de transgenitalização (retirada do pênis e reconstrução das partes íntimas, retirada do pomo de Adão para mulheres trans, e retirada das mamas, útero e ovários para homens trans). Desde 1997, o Conselho Federal de Medicina reconhece e autoriza a operação.

Em 2008 o Ministério da Saúde (MS) determinou que o SUS oferecesse a cirurgia nos Hospitais das Clínicas em todos os Estados. Mas, para ter direito ao procedimento é preciso ser atendido por uma equipe multidisciplinar durante dois anos. “Por que para termos acesso à cirurgia temos que ser classificados como doentes? Nossa condição é a mesma da gravidez que não é doença, mas requer procedimentos médicos”, compara Tarso.

Para atender essa demanda, em 2010, o MS instituiu a Política Nacional de Saúde Integral à População LGBT. O intuito é oferecer um cuidado mais abrangente e voltado especificamente para essa população. Foi com essa filosofia que surgiu, no Recife, há três anos, o Espaço de Cuidado e Acolhimento Trans, que funciona no HC da UFPE. “Mais do que dar acesso à cirurgia, buscamos oferecer um atendimento integral a essas pessoas, com uma equipe multidisciplinar que inclui psicólogas, assistente social, ginecologistas e urologistas”, informa Suzana Livadias, coordenadora do serviço.

A cada 15 dias, são realizadas rodas de conversas com as pessoas atendidas, em que são abordados temas relacionados aos problemas que elas enfrentam. “Não é um grupo terapêutico, mas tem resultados terapêuticos”, resume Suzana, ressaltando as dificuldades que essa população enfrenta. “São seres humano que são colocados num lugar de inumanidade. O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, são indivíduos alijados do mercado de trabalho e que, por causa do preconceito, são obrigados a abandonar a escola”.

O Espaço do HC é um dos cinco serviços voltados para a população trans em todo o Brasil. “É importante que haja outros espaços como este, a demanda é grande e o HC não dá conta. Acompanhamos 250 pessoas e existem mais 200 em fila de espera”, alerta Suzana.

Laura Martins, 30 anos, é uma das pessoas que estão na fila. Mulher trans, veio em busca de acesso à hormonioterapia para ter características femininas no seu corpo. Esse é outro atendimento importante, porque muitas, como Laura, acabam tomando hormônio por conta própria, o que traz sérios riscos à saúde. “Vim aqui porque me disseram que eu posso ter até trombose”, conta Laura, que também pretende fazer a cirurgia de transgenitalização. “Futuramente eu quero tirar meu órgão sexual, é o meu desejo desde criança”.

Um desejo que segundo Suzana deveria ser atendido sem as exigências do MS. “A gente entende que, para outra parcela da população isso não é exigido, como aquelas que não estão satisfeitas com seu corpo e fazem plástica ou uma lipoaspiração”, compara.

*Por Cláudia Santos, editora da Algomais – claudia@algomais.com

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